Carne de laboratório: o que você precisa saber

Esentia Inteligência
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9 min readMay 27, 2021

Novo estudo da Esentia mostra que indústria já reúne mais de 50 empresas em 19 países pelo mundo e promete uma revolução completa no setor de proteína animal. Veja neste artigo alguns pontos do estudo.

Em uma nova “corrida espacial” pelo futuro da alimentação, empresas ao redor do mundo estão investindo pesado no desenvolvimento das “carnes de laboratório”, também conhecidas por carnes “in vitro”, “cultivadas”, “limpas” ou “sintéticas”. A tecnologia visa suprir a demanda por proteína animal a partir de uma produção com menor impacto ambiental, já que não é preciso o abate para produzir o alimento. A promessa é que o produto tenha o mesmo sabor, textura e cheiro de um produto genuinamente animal.

Aliás, há anos cientistas tentam desenvolver uma carne de laboratório. No entanto, eles não contavam com alguns obstáculos pelo caminho. Em nosso estudo, buscamos entender melhor qual é este cenário atual de desenvolvimento do setor, os avanços já alcançados, os principais entraves do segmento e, mais particularmente, quais os sentimentos do consumidor brasileiro com relação às carnes cultivadas. Cabe dizer que este último aspecto foi analisado a partir de estudo exploratório diretamente com as percepções das pessoas.

Antes de tudo, você sabe o que é uma carne de laboratório?

Em linhas gerais, esta tecnologia é baseada na multiplicação em laboratório de células retiradas de animais. A primeira fase visa a extração de células animais através de uma biópsia, com a coleta de células-tronco musculares — aquelas que fazem crescer tecido novo quando um músculo é lesionado. Em seguida, as células são colocadas em um meio de cultura com fatores de crescimento e nutrientes e começam a se multiplicar. A evolução é potencializada por reatores biológicos, até que as células se aglutinam dando origem a pequenos filamentos que se juntam para formar o tecido muscular. Veja na imagem.

Dados e informações relevantes

  • O mercado de carnes de laboratório deve movimentar 140 bilhões de dólares a partir de 2030. À época a previsão é que 10% do mercado mundial de carne seriam atendidos por carne de laboratório e que, em 2050, 35% da carne consumida no mundo seja dessa fonte.
  • O preço do hambúrguer de carne cultivada já caiu dramaticamente. Está em entre US$ 2 mil e US$ 10 mil. A expectativa é que, em 2030, caia para US$ 50, quando a carne estaria disponível em restaurantes do guia Michelin. Em 2050, deve chegar a US$ 20. Mas é possível que haja um barateamento muito mais acelerado.
  • A carne cultivada em laboratório usa de 82% a 96% menos água do que o sistema tradicional.
  • A Europa tem para si o anúncio da primeira carne de laboratório, produzida em 2013, pelo grupo do biologista vascular Mark Post, da Universidade de Maastricht na Holanda.
  • Desde o ano passado, a Universidade Federal do Paraná já oferece o curso “Introdução à Zootecnia Celular”.
  • A pesquisadora Bibiana Matte, da Núcleo Vitro, está desenvolvendo a primeira carne cultivada do País. A primeira rodada da agricultura celular terá o investimento de R$ 200 mil, de um total de R$ 5 milhões disponibilizados em edital pela Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul).

Qual é o cenário atual?

Com todos estes indicadores, alguns avanços já vêm sendo observados na implementação do setor. Em Cingapura, a agência reguladora nacional de alimentos já deu o sinal verde para o comércio de nuggets sintéticos de frango produzidos pela startup americana Eat Just. A autorização aponta para um cenário em que o consumo de proteína animal esteja desvinculado totalmente do abate animal e com atividades paralelas a um segmento sempre em meio a denúncias de maus-tratos com os animais e polêmicas conflituosas.

Ainda não há análises que atestem de maneira categórica o impacto ambiental desses produtos. Se por um lado a produção dos produtos pode vir a ser mais ecológica no que diz respeito às emissões, já que estudos preliminares apontam que a carne cultivada emite 96% menos gases de efeito estufa do que a carne tradicional, outros impactos ainda precisam ser levados em conta, tais como o consumo de energia e recursos e a possibilidade de que o processo crie subprodutos químicos prejudiciais ao meio ambiente.

De qualquer modo, o cenário é promissor. O fator “curiosidade” segue como objeto de interesse pelos consumidores. Em estudo recente da consultoria North Mountain Consulting Group, 80% das populações dos Estados Unidos e do Reino Unido disseram que experimentariam as carnes de laboratório, com 40% estando ‘um pouco ou moderadamente dispostos a experimentar’ e outros 40% ‘dispostos a experimentar’.

Do ponto de vista dos investidores, o cenário também é otimista. As FoodTechs ainda respondem por uma pequena parte da indústria agroalimentar, mas já se posicionam na vanguarda do setor. Algumas dessas startups já possuem até mesmo entrada no mercado de ações dos Estados Unidos, por exemplo. Vide a Beyond Meat, famosa pelo hambúrguer feito em laboratório e financiada por famosos como Bill Gates e Leonardo Di Caprio.

Para Lorival Luz, CEO Global da BRF, nos próximos 20 anos a carne produzida em laboratórios deverá ser a grande responsável pela produção de proteínas no mundo. Não é à toa que a empresa assinou um memorando de entendimento com a startup israelense Aleph Farms, para o desenvolvimento e produção de carnes cultivadas usando a produção patenteada e distribuição com exclusividade no Brasil.

“Essa será uma das maiores transformações no hábito de consumo do mundo. Estamos no começo, engatinhando. Muita tecnologia tem sido implementada em todos esses alimentos, com diferentes matérias-primas”. Lorival Luz, CEO Global da BRF

Mas como em toda nova indústria, ainda há desafios e desconfianças a serem superados. Diferentemente dos alimentos plant-based, que já se mostram em estágio mais consolidado, a carne cultivada ainda está em uma fase mais técnica, de validação da tecnologia. Uma das consequências disso é a incerteza quanto à qualidade do produto final, o que vai exigir investimentos robustos e pesquisas high-level.

E mais, questões financeiras para a chegada efetiva destes produtos às prateleiras dos supermercados devem ser consideradas. Desde o corte de custos elevados que viabilizem a produção em grande escala até a tributação necessária para obter a aprovação regulamentar, tal qual em Cingapura. Hoje, a carne cultivada custa entre 400 e 2 mil dólares o quilo (entre 2.000 e 10.000 reais) para ser produzida. Este é um dos desafios a serem superados.

Além disso, fora os entraves do processo produtivo, há a decisiva aceitação do consumidor final. Não temos dúvidas de que este será um dos principais desafios a ser enfrentado pelo setor: entender como o consumidor irá reagir à implementação dessa nova tecnologia. Especialmente no cenário brasileiro, que necessitará de estudos e levantamentos de inteligência que possam avaliar, de um modo claro e estratégico, quais são as preocupações, sentimentos e atributos relacionados às carnes de laboratório.

Afinal, como os públicos no Brasil enxergam as carnes de laboratório?

Para entender melhor qual a percepção que as pessoas possuem das Carnes de Laboratório, realizamos um levantamento ao longo de um mês. A coleta de dados sobre “carne de laboratório” e termos relacionados ocorreu entre abril e maio de 2021.

Ao realizarmos a análise dos relatos, fica claro que há uma grande divisão de sentimentos entre as pessoas quanto às carnes de laboratório. Na base do “ame-o ou deixe-o”, observamos um peso maior para a “rejeição”. Seja quanto à indisposição dos consumidores em provar a carne cultivada ou mesmo por aspectos de custos, questões políticas (veganismo e vegetarianismo) e fatores pessoais de gosto. Ou seja, ainda há um longo caminho para chegarmos à efetiva substituição da carne convencional pelo produto de laboratório nas mesas dos brasileiros.

Outro ponto importante a ser destacado é que as empresas de carne cultivada não terão apenas que competir com a popularidade crescente dos produtos de insumos vegetais, citados regularmente e com viés favorável, como também enfrentarão o ceticismo do consumidor quanto à qualidade do produto a ser consumido. Sob o ponto de vista dos consumidores, observamos dúvidas frequentes se a carne cultivada em laboratório pode ser tão boa quanto a carne convencional e se ela irá aguçar o seu apetite da mesma forma. Veja alguns exemplos.

Logo, os resultados detectados sugerem que, mesmo que a carne de laboratório não se diferencie da convencional em aparência, textura, consistência, cheiro e sabor, o processo de produção da mesma pode resultar na percepção de um sistema de produção não natural. Uma boa estratégia de comunicação pode resolver a questão da “desconfiança” dos públicos, que ainda é um dos principais sentimentos identificados em nosso estudo.

Principais descobertas do levantamento

  • 51% possuem um sentimento negativo quanto às carnes de laboratório;
  • As principais preocupações dos consumidores residem se a carne de laboratório será nutricionalmente equivalente a carne convencional, se não oferecerá risco a saúde, o custo e se será devidamente regulamentada e fiscalizada;
  • Identificamos que a disposição em provar é maior do que a disposição em comê-la e substituir as carnes convencionais efetivamente;
  • 33% apresentaram um sentimento positivo para as carnes cultivadas;
  • Observamos que entre os principais atributos, seja negativamente ou positivamente, relacionados às carnes de laboratório, cinco se destacam: saudabilidade, custos, segurança, impacto ambiental e bem-estar animal;

Esentia Insights

A partir de toda a pesquisa com dados secundários e com o levantamento exploratório que fizemos, compreendemos que três principais questões envolvendo as Carnes de Laboratório ainda precisam ser melhor investigadas e analisadas, pois serão cruciais para a velocidade de adoção dos produtos:

1) Aceitação pelo consumidor

Fazer muita pesquisa para avaliar a aprovação dos consumidores, incluindo vencer a resistência por ser um produto “de laboratório”, enquanto há forte preferência por alimentos naturais, deve ser o desafio mais decisivo. Conforme observado, além de sensorialmente aceitável (visão e paladar) e com preço competitivo, a carne cultivada deve manter esses atributos de modo consistente, confiável e seguros. Vemos um futuro auspicioso para este mercado.

2) Escalar e baratear a produção

Hoje a tecnologia ainda é cara. Um ponto ainda incerto é saber quais empresas serão capazes de arcar com os investimentos necessários, aportes nas pesquisas relacionadas e custos elevados de comercialização em escala industrial. Os caminhos que levam à produção industrial podem restringir a poucos grupos de investidores o próximo e efetivo voltado à entrada destes produtos nos mercados alimentícios. Porém, enxergamos como um caminho sem volta e que, como toda tecnologia, deve ter seu custo chegando em patamares comercialmente viáveis nos próximos anos.

3) Ambiente de negócios e regulamentação governamental

Sem a construção de plantas industriais específicas, os impactos ambientais da produção de carne cultivada são apenas especulativos, mas, como uma atividade que necessita do uso de energia, o impacto pode ser significativo. Assim, qualquer regulamentação convencional da carne não servirá para essa nova realidade, será necessário discutir e criar legislação específica para o setor. Já existem iniciativas para definir regulação e controle, porém ainda não há nada de concreto, já que é preciso avançar mais com as pesquisas, testes e estudos de viabilidade. Mas a expectativa é que ps governos não sejam um entrave.

Nossa aposta é que sim, em alguns anos teremos proteína animal feita em escala em laboratório e que estará no dia a dia das pessoas. É um caminho sem volta e que vai revolucionar o setor de proteína animal e o uso da terra que hoje é destinada para a criação extensiva ou confinada de gado e outros animais. Empresas e cadeias produtivas que estão inseridas neste mercado devem, desde já, começar a estudar como este cenário pode impactar seus negócios e, principalmente, como tirar proveito dessa revolução.

Quer saber mais sobre nosso estudo completo sobre este tema? Entre em contato com a gente.

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