Casas dos brasileiros.

Esentia Inteligência
Esentia Inteligência
8 min readOct 28, 2021

O que mudou em nossos lares ao longo da pandemia?

Não é segredo pra ninguém que o cotidiano de pessoas e empresas, nos mais diversos setores, passou por grandes transformações a partir de março de 2020. De um modo imprevisto, a pandemia da Covid-19 gerou restrições ao deslocamento de consumidores, trabalhadores e de bens de consumo, impactando a logística dos negócios, novos formatos de consumo, atividades diárias e as interações pessoais.

Com a necessidade do isolamento, os lares brasileiros também foram palco de inúmeras e inevitáveis mudanças. A relação do morador com a sua casa mudou, sendo valorizado um aspecto de conforto, funcionalidade e bem-estar dentro do lar. Os quartos, salas, cozinhas e banheiros, que antes possuíam, em sua maioria, um caráter transitório de repouso e descanso, hoje funcionam também como local de trabalho e lazer.

Esses novos comportamentos, que acontecem da porta pra dentro, ressignificam as possibilidades de coexistência humana. Motivadas pela incerteza financeira, muitos voltaram a morar com seus pais, por exemplo. Outros buscaram a possibilidade de uma vida mais harmônica longe das grandes cidades. Houve ainda aqueles que apostaram nos formatos de moradia coletiva, dividindo uma casa com quintal ou jardim, reforçando a cultura da coletividade, seja dentro ou fora de casa.

Em resumo, podemos dizer que a casa foi transformada em um templo onde as pessoas passam mais tempo do que antes do isolamento social. Os ambientes, símbolos e objetos relacionados ao bem-estar têm também a função de lembrete: tanto do autocuidado, quanto do cuidado com o entorno, uma vez que o lar assumiu, de novo, o lugar do nosso espaço nuclear, onde tudo se desenvolve.

Nosso artigo propõe, justamente a partir destas transformações em nossos cotidianos, uma breve reflexão sobre o que mudou nas relações diárias das pessoas com seus lares. Sem trazer respostas ou resultados definitivos, buscamos entender um pouco sobre o impacto de tais mudanças nas relações familiares, interpessoais e de consumo. Afinal, quais comportamentos serão mantidos depois de um ano e meio vividos como nunca dentro de casa? E quais serão as novas demandas e rituais de consumo na casa dos brasileiros?

A redescoberta do lar

Logo de início, a mudança de nossa relação com a casa não foi realizada de modo suave ou linear. Nos primeiros meses da pandemia, as mudanças inesperadas geraram ansiedade devido ao confinamento forçado e uma vida social que foi ‘suspensa’ frente à gravidade da crise sanitária. Com o passar do tempo, tomamos noção de que a quarentena seria mais demorada do que o previsto, fizemos adaptações e os lares ganharam novos significados.

Houve um entendimento de que não seria possível adiar indefinidamente os planos, por exemplo. Ou seja, decisões importantes como mudanças, reformas, nascimento de filhos, casamentos e divórcios se tornaram latentes, gerando novas demandas e desejos dentro do lar. Deste modo, não estamos mais adaptando a casa para algo passageiro, mas sim preparando nossos lares para a vida que queremos construir, em um movimento de redescoberta.

Esse comportamento se evidencia, por exemplo, quando comparamos as motivações de compras já realizadas com aquelas que ainda virão. Pesquisa realizada pelo Google, mostra que a necessidade de adaptação da casa à rotina pandêmica caiu de 29% para 14%, e vem dando lugar à intenção de compra impulsionada pela retomada dos planos que voltaram a sair do papel. Ou seja, não se trata de uma conexão romântica e idealizada com as casas, mas sim da premissa de lidar com coisas práticas do dia a dia no lar, tais como uma pintura de parede ou o conserto de vazamento na torneira.

Agora, conhecendo a fundo cada espaço da nossa casa, buscamos a certeza de que estamos fazendo um bom negócio na hora da compra, sendo capaz de resolver as nossas dores domésticas. Claro, é preciso levar em conta que essa preferência por uma vida mais focada no lar se dá em um momento de recomposição da renda familiar. Por isso, categorias ligadas ao entretenimento e consumo externo ficam em segundo plano.

Para 33% dos brasileiros, a redução de gastos com atividades recreativas fora de casa é uma necessidade real em seus cotidianos, enquanto 35% irão cortar gastos com academias de ginástica e praticar tais atividades dentro de suas casas.

Deste modo, novos hábitos relacionados a conveniência, funcionalidade, conforto e inovação são os principais motivadores de compras nos lares brasileiros, juntamente com questões financeiras. Cabe dizer que apesar de sempre presentes, estes atributos variam em nível de importância de acordo com as classes sociais. Em famílias com maior renda, a tendência é pelo chamado “consumo de upgrade”, com a aquisição de equipamentos que priorizem o conforto e performance. Isso significa que são compras de substituição, geralmente para melhorar algo que já havia na casa.

Já nas famílias com menos recursos, as compras são pautadas pela funcionalidade, de modo que muitos dos itens estão sendo comprados pela primeira vez. Nesse cenário de mudanças domésticas, enquanto alguns cômodos precisavam ser reformulados, a adaptação de outros se tornou item de desejo.

E com esta dinâmica da casa em transformação, as vidas das pessoas também foram transformadas. Em um cenário de incertezas, apreensões e expectativas é que as pessoas redescobriram o lar. Para 59% dos brasileiros, houve um aumento no cuidado com suas casas, já que estas se tornaram o centro da vida cotidiana. A casa se configuraram em uma extensão das pessoas e vai permanecer como espaço cerne da segurança e dos novos hábitos e comportamentos.

Local de novos comportamentos e hábitos de consumo

A digitalização dos negócios e a intensificação do uso de canais digitais de interação com os consumidores são exemplos de tendências que já se manifestavam, mas apresentaram uma forte aceleração impulsionadas pela pandemia. Para muitas pessoas, essa foi uma oportunidade intensa de promoverem novos comportamentos voltados aos cuidados de si próprios, redefinindo hábitos relacionados a higiene e alimentação. O retorno a hobbies caseiros que estavam parados, como escutar música, ler um livro ou estudar um instrumento musical, por exemplo, também contribuíram para a manutenção não apenas da saúde física mas também da mental e anímica.

Acreditamos que no pós-pandemia, um novo estilo centrado na casa, deve se consolidar, já que 89% dos consumidores brasileiros pretendem aumentar ou manter seus gastos atuais com alimentos frescos, a serem preparados e consumidos em casa. Já o serviço de entrega de kits de comida será demandado por 64% das pessoas e 62% comprarão refeições preparadas em uma loja para consumo posterior. Estes números evidenciam que a digitalização do comportamento do consumidor tem um forte impacto sobre sua jornada de compras, já que 39% aumentaram o volume de compras de itens diversos pela internet e 33% passaram a comprar de outras marcas para apoiar negócios locais.

Esses fatores indicam a adoção de um comportamento mais voltado ao atendimento de necessidades imediatas nas compras físicas, enquanto o uso do ambiente digital irá suprir necessidades não essenciais. Não é à toa que 54% dos brasileiros passaram a comprar apenas o essencial nos seis primeiros meses da pandemia, o que teve um forte impacto sobre o desempenho de categorias voltadas à indulgência e à vaidade. Como consequência do fechamento de todo o varejo considerado “não essencial”, 62% dos brasileiros estão visitando menos lojas físicas e 32% aumentaram as compras on-line de alimentos — um segmento até então com baixa penetração no e-commerce. Aos poucos, uma normalização da vida em um “novo normal”, dentro de casa e com novos hábitos e comportamentos, valorizaram o lar enquanto espaço de satisfação de desejos e necessidades.

Além disso, mudanças em hábitos cotidianos também surgiram dentro dos lares. A título de exemplo, o ato de lavar as mãos e a limpeza de produtos receberam um novo significado. Não paramos pra pensar nisso, mas isso carrega agora um sentimento maior de proteção, ganhando destaque na rotina caseira e social das pessoas. Essa preocupação com a higiene, muito conectada ao sentimento de segurança, será mantida — ou ampliada — por 63% dos brasileiros após a pandemia.

“A demanda aponta para um consumidor mais preocupado com as camadas de necessidades e ao mesmo tempo mais pragmático na hora da escolha [de suas compras para casa].” Antonella Weyler, market insights lead do Google Brasil

Em um horizonte de tempo de um a dois anos, os consumidores brasileiros devem realizar algumas mudanças em suas prioridades, alinhadas com os impactos trazidos pela pandemia. Os choques trazidos pela crise sanitária estão mudando as prioridades de vida dos brasileiros: 64% afirmam que seus valores e a maneira de olhar para a vida foram alterados pela COVID-19 e, com isso, as preocupações com a casa, família, saúde física e mental, além das finanças pessoais foram para o topo da lista.

E agora, qual será o papel da casa em nossas vidas?

Conforme observado, a conexão mais forte com nossas casas não irá arrefecer com o fim da pandemia. A necessidade de acomodação continua presente e a casa segue na lista de prioridades do brasileiro. A demanda aponta para um consumidor mais preocupado com as camadas de necessidades e, ao mesmo tempo, mais pragmáticas na hora da escolha.

Nesse contexto, varejistas e a indústria têm o importante papel de ajudar os brasileiros a viver melhor em suas casas. Ou seja, trazer soluções capazes de resolver as dores e tensões domésticas pode fazer a diferença, sem esquecer de demonstrar que aquele está sendo um bom negócio. Com isso, é essencial ir além do bom, bonito e barato. Os artigos de casa devem também entregar conforto, otimizar, organizar e delinear os espaços e rotinas.

Se até o início da pandemia o comportamento padrão era “sair para viver”, tendo a casa como um lugar de refúgio, agora após o longo período de isolamento, a residência passou a ser o lugar de trabalhar, morar, viver e se relacionar. Durante a pandemia, 69% dos brasileiros passaram a cozinhar mais em casa e 50% reduziram a contratação de apoio para realizar tarefas domésticas — o que também traduz as restrições trazidas pela insegurança com empregos e a necessidade de isolamento social.

Não são poucos os sinais que mostram que este tem sido um contexto de repensar o que é importante e replanejar o futuro. Nessa nova forma de pensar, muitas pessoas aumentarão a importância de uma boa relação custo/benefício (value for money) e reduzir o volume de gastos em itens não-essenciais. Poucos de nós acreditamos que nossas vidas voltarão ao ‘normal’ nos próximos meses, o que impacta diretamente em nossa relação com a casa.

Afinal, as mudanças no dia a dia dos brasileiros, que vinham acontecendo mesmo antes da pandemia e foram impulsionadas por ela, ajudam a entender as novas configurações dos lares do país. Essa metamorfose social interfere nos simples hábitos de higiene pessoal, em mudanças no espaço físico dos imóveis, afeta as rotinas de trabalho e interferem nas vivências da população brasileira.

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