É claro que, uma coisa deve ser dita em esclarecimento antes de adentrar ao tema. É certo que nossa sociedade, e em verdade, a humanidade carece principalmente do desenvolvimento moral, de modo que é fato considerar que à medida que o homem for progredindo moralmente muitos dos problemas que ele causa a si mesmo desaparecerão, sendo a razão primeira de todos os males o egoísmo humano.

Isto posto, no entanto, a realidade imediata interpõe desafios diversos a todas as culturas. E para lidar com essa série de desafios todos os recursos se fazem úteis, muitos dos quais surgem dos desenvolvimentos tecnológicos e dos avanços de ciência e saber, de uma forma geral. O desenvolvimento dos conhecimentos, do saber e das tecnologias permeia e perpassam os mais profundos problemas e dores.

Nesse sentido, antes de adentrar ao tema aqui, reconhecemos, sem qualquer dificuldade, que existem reuniões e reuniões e que o aspecto moral é a essência fundamental a se desenvolver no que tange ao Espiritismo. E qualquer reunião pública séria e dedicada é, sem sombra de dúvida, um ponto de construção da alma, do máximo valor. Não existe aqui o objetivo ou pretensão de que toda casa espírita se reverta em centro de pesquisa mediúnica. Porém, expressando mais diretamente nosso objetivo com a iniciativa dos textos que escrevemos:

Luta-se contra o desincentivo ao estudo prático da mediunidade. Desejamos despertar a atenção para a possibilidade às casas que nunca consideraram a ideia de trabalhar também com reuniões mediúnicas, seja por tabu, seja pelo movimento espírita ter criado certas barreiras e restrições que constituíram mitos que não cabem e nunca couberam (pois o Espiritismo é contrário a dogmas desde sua origem). Incentivamos, sobretudo, a que todas as pessoas entendam que o Espiritismo é uma ferramenta, um instrumento, meio muito oportuno de desenvolver valores, as capacidades, potências e o próprio eu, de forma a sempre exercitarem o próprio raciocínio, seguindo o lema de Kardec da fé raciocinada, portanto, pensando por si próprios. E vemos no estudo da mediunidade um desses aspectos que tem sido recorrentemente negligenciado, mesmo sendo um fator muito significativo para o objetivo espírita de vencer o materialismo, cujo problema é facilmente reconhecido, quando consideramos, por exemplo, as inúmeras pessoas com problemas graves psíquicos que param em clínicas psiquiátricas, manicômios ou em desequilíbrios dos mais infelizes, entre os surtos e infelicidades decorrentes dos mais variados vícios.

Só o estudo resolve se o médium já vive a mediunidade na prática?

No âmbito das reuniões espíritas, há quem aposte apenas no estudo para ensinar a lidar com a mediunidade, como pessoalmente já vi ocorrer. Algumas casas e centros espíritas dedicam reuniões ao estudo minucioso da mediunidade pela leitura de obras relativas ao mediunismo, acreditando ser este esforço suficiente para tal necessária “educação mediúnica”.

Em inúmeras situações o aprendizado pelo conhecimento informacional não é suficiente para se obter certo tipo de proficiência. Isto é muito claro em diversas circunstâncias. Em um exemplo clássico, não nos basta aprender por meio de um livro como se dirige um automóvel manual. É necessário que a pessoa se aventure a dirigir um veículo para efetivamente aprender a conduzir o carro sem arrancos, sem deixá-lo desligar, sem afetar seus mecanismos, enfim, a atuar com maestria. Um outro exemplo, sendo analfabeto, não adianta ouvir como se escreve uma palavra sem conhecer as letras e praticar efetivamente a escrita. Não adianta ler como se joga basquete, sem treinar o corpo na prática. Não adianta aprender a ler em inglês sem colocar em prática a conversação para tornar-se fluente. E muitos outros exemplos são possíveis que dependem de um aprendizado pelo corpo.

Com a mediunidade não é diferente, afinal ela também se verifica nos aspectos corporais da percepção e sensibilidade. O estudo pode ajudar a apresentar o que o sujeito vai encontrar em seu contato, mas saber efetivamente o que é este contato só é possível pela experiência real. E é muito melhor que ele vivencie esta experiência real conjugada com o estudo em um ambiente controlado, preparado e com o apoio de pessoas experientes e já treinadas no tema. Em outro contexto social, dificilmente o sujeito será capaz de manejar as situações relacionando-as ao que apenas leu e estudou se não for em uma reunião mediúnica. Embora seja possível e tal observação investigativa esteja ao alcance de qualquer um fora do contexto de uma reunião espírita, produz-se aí excelentes oportunidades para tal finalidade a partir de um grupo com um mesmo propósito.

De todo modo, a educação mediúnica só é efetivamente possível com a observação pela prática. Ninguém que possui, por exemplo, a mediunidade de conexão com os espíritos, a popularmente conhecida como “incorporação”, consegue aprender a diferenciar suas energias das dos outros sem sentir na pele efetivamente o que é essa energia. É só vivenciando a experiência de lidar com pensamentos que não são os seus, mas que se travestem de seus, que você percebe os mecanismos que te ajudam a distingui-los. Os sintomas, a linha de conteúdo diferente da habitual, a imprevisibilidade mesmo partindo da fonte da própria mente previsível para você, a sensação muito distinta do estado de saúde, a diferença de ideias, concepções, personalidade. Perceber uma outra personalidade se mostrando frente à sua consciência, que já conhece sua própria personalidade característica, e que se mantém a assistir a convidada a temporariamente conduzir as coisas com sua permissão usando o seu próprio corpo, enfim, além de outras tantas percepções possíveis de diferenciação são experiências excepcionais para o domínio da mediunidade.

Diante disso, o mito vinculado ao exposto até aqui é bem comum, o de que é necessário um estudo prévio para participar de reuniões mediúnicas.

É compreensível que em certos casos não são recomendáveis a participação de pessoas que não se conhece ou se convive em reuniões às quais se abre campo para entidades que não poderemos de todo ver. Há pessoas que possuem tantos problemas internos e psíquicos que uma abertura semelhante poderia resultar em uma noite (ou muitas noites) de severos problemas para todo um grupo. Então, minimamente presume-se um cuidado em conhecer as pessoas e cada caso o suficiente para descartar o quanto possível estas situações evitáveis, à menos que seja uma atuação proposital, por exemplo para um tratamento a terceiro em condições apropriadas. Mas tirando estes apontamentos, não há razão para se evitar a presença de outras pessoas numa reunião mediúnica que não seja a falta de espaço físico ou de estrutura. Ou em outras palavras, a falta do estudo não é razão suficiente para restringir a participação de alguém numa reunião mediúnica. Isso não significa dizer de forma nenhuma que o estudo seja dispensável. Longe disso. Também não significa dizer que não seja necessário um preparo para a reunião e a experiência razoável ao menos do dirigente. Para tal preparo existe justamente as obras de Kardec, André Luiz e outras tantas que instruem satisfatoriamente à respeito.

Teoria e prática andam juntas

O ponto é: o ideal é que o estudo e o trabalho mediúnico andem juntos desde o princípio. Ou seja, quem é médium já o é desde o nascimento e não será a ausência de participação na reunião mediúnica que o deixará isento de problemas com a mediunidade. Efetivamente ele já convive com estes problemas desde sempre, nesta vida, e esse tipo de ponto de apoio pode melhorar significativamente suas condições de vida. Considerando o aprendizado prático tão ou, mesmo, mais importante do que a busca pela informação do que se está lidando, este estudo enquanto o trabalho prático se desenvolve é o melhor para aquele que recorre à ajuda de uma casa espírita. E a casa por sua vez falta com a caridade a que se propõe se não dá a estas pessoas guarida, porquanto a caridade não se trata somente do assistencialismo.

E aí é importante entender. A mediunidade prática observada de perto pelo olhar atento do estudioso proporciona um entendimento muito favorável do que se dá com o sujeito. Ele consegue conhecer bem e entender bem a sensibilidade que possui, os recursos, e como lidar com os próprios dons de forma a conseguir conduzi-los quando já aprendeu o básico suficiente. A partir daí, isto é, a partir de atingida a educação mediúnica, a compreensão e percepção de como fazer para lidar com cada aspecto do qual é sensível, o sujeito passa então da educação ao desenvolvimento, porquanto começa a treinar aqueles aspectos. Treinar a lidar com energias, treinar suas percepções e assim vai, tornando-se um médium melhor, mais capacitado ao uso da mediunidade que possui.

Um dos aspectos que são amplamente aprimorados é o da intuição. A intuição é arte indiciária. Consiste na associação imediata de indícios descobrindo um sentido a partir de tais associações. Por exemplo, diz-se que uma tecnologia é intuitiva, como um celular smartphone, quando ela consegue, por meio de ícones, fazer com que o usuário deduza seus comandos a partir de associação desses indícios e sinais percebendo facilmente os caminhos de ações possíveis para executar uma determinada tarefa. É a mesma ideia. A intuição, portanto, é a capacidade de associação indícios, sinais e ideias captados sem que um longo processo explicativo e linear seja necessário desenvolver-se. Sendo assim, é possível compreender que essencialmente toda pessoa tem intuições a partir, primeiramente, dos pensamentos e ideias. É por esta razão que se diz que todas as pessoas são médiuns. Todos os seres humanos, sem exceções, imaginam, pensam. E não só isso, diferentes dos outros animais, somos capazes de criar representações inéditas a partir da combinação de representações já existentes. Tanto na forma de imagem, quanto de forma falada ou escrita. Conseguimos combinar ideias existentes e criar inéditas percepções, conhecimentos e compreensões a partir disso.

Portanto, pelas ideias que recebemos mentalmente nos pensamentos somos capazes de encontrar estes sentidos. Isto também é verdade, porém, para as percepções que obtemos dos sentidos. Daqui se entende que aqueles que possuem algum tipo de mediunidade, conseguindo percepções diferenciadas em algum aspecto em relação às outras pessoas comuns, terão também um tipo de intuição diferente. Então aquele que possui o dom da vidência, por exemplo, é capaz de alcançar intuições que uma pessoa que não tem a vidência não conseguiria ter, porquanto ele, captando mais amplos recursos visuais, consegue adquirir uma compreensão que não estaria acessível a qualquer um. E assim por diante. É neste mesmo sentido que um médium de “incorporação” conseguiria perceber o que o espírito pode não querer informar e compreender melhor sua situação específica.

Mediunidade com espírito e Centro espírita sem mediunidade?

Diante disso, é melhor para um médium lidar com sua mediunidade, educar-se no domínio do que ocorre com ele e aprender a controlar todos os aspectos que puder de forma a ser dono e senhor da sua morada, um trabalho que obviamente não pode vir sem o desenvolvimento de seu senso moral que já é (ou pelo menos deve ser) foco de praxe da doutrina espírita.

Restringir alguém a uma fase de estudo sem trabalhar a mediunidade efetivamente é manter ativo um problema, porquanto estudando o médium poderá ainda assim fazer pouco por si mesmo quanto ao que tange a seus aspectos orgânicos e perceptivos. Focar em trabalhar os dois aspectos conjuntamente, isto é, a teoria e a prática, o sujeito inclusive se torna com a experiência que adquire à medida que estuda um bom orientador dentro das práticas da própria reunião mediúnica, o que permite à casa lidar melhor com mais pessoas que a procurem visando o conhecimento de mediunidade e domínio sobre a própria.

É preciso lembrar que há pelo menos duas linhas de procura de uma casa espírita para ajuda sobre o tema, ou, de outro modo, dois cenários de utilidade da reunião mediúnica para o médium: pegando um extremo, existem pessoas cujos desequilíbrios psíquicos e o próprio desequilíbrio mediúnico é, antes, uma expressão crua dos problemas psicológicos que possui e refletem a necessidade de tratamento com maior ou menor urgência. São pessoas que muitas vezes buscam justamente uma casa espírita, uma vez que possuem contato contínuo com espíritos e nutrem a esperança de resolverem seus problemas. Para estes, a conjugação dos tratamentos psicológicos e psiquiátricos vem aliando tudo isso ao auxílio mediúnico e espiritual para compreender e lidar adequadamente com a dificuldade. A mediunidade desequilibrada, problemática, que acompanham dramas intensos do indivíduo pode ser claro sinal de algum tipo de deficiência orgânica que deve ser medicada, pois, sem remediar o órgão físico torna-se muito difícil atuar espiritualmente. Embora precise fundamentalmente também cuidar do aspecto espiritual, em conjugação, no momento em que este alcance seja possível pela contribuição medicamentosa da medicina.

O segundo cenário é o daqueles que não se encontram em um quadro de necessidades de tratamento intensivo imediato, como descrito no primeiro cenário. É, basicamente, toda pessoa que queira compreender a própria mediunidade, o que vale mesmo para aqueles que acham que não a possuem, que acham que não são médiuns, pois, cabe repetir, todas as pessoas do mundo são médiuns, minimamente porque, pela mente, recebem pensamentos diversos, inclusive o de terceiros. Ou seja, somos objetos de intuições. E podemos, como em qualquer mediunidade, entender e aprender a distinguir o que é nossa intuição, e após educar, desenvolver então treinando essa capacidade para a utilizarmos de forma consciente e proficiente. Isto é, utilizarmos com domínio.

A melhor arena para as pessoas treinarem sua mediunidade é a casa ou o centro espírita. Uma arena muito necessária inclusive para auxiliar a ciência em seus avanços. Um perfeito campo para a experimentação e investigação científica que vem se fazendo cada vez mais prolífica não só no Brasil, mas no mundo. Iniciativa à qual você também pode participar!

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André Silva
Corpus Espírita

Pensador, investigador e “filosofista”. Pesquisa a ciência, a consciência, o espírito, linguagem, cultura, redes, etc. Mestre em C.I. Instagram: @andrefonsis