Você tem direito a uma ligação

larilena
espalhados
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2 min readJul 25, 2016

Perdi o casamento da minha amiga.

Eu lembro de quando ela me apresentou o namorado, de quando contou que ia casar, de quando mandou a foto do convite com o meu nome e ganhou de volta um: “ih... não sei se volto a tempo.” Não voltei.

Também perdi os aniversários do meu pai, da minha irmã, da minha sobrinha, do meu sobrinho, do meu melhor amigo. Cada uma das ocasiões uma aberturinha sutil e insidiosa pra saudade, esse bicho que invariavelmente eclode antes de você ter oportunidade de se preparar. É uma torrente de faltas por todo lado, mas o pão de queijo e açaí nem merecem menção nessa lista exclusivamente dedicada a pessoas.

Começa nas pequenas coisas: a exposição em que você queria ter ido com aquele amigo, o show que te lembrou daquele, tentar usar a internet para manter contato com os mais próximos e não deixar escapar aqueles que não eram tanto, mas você queria tão bem.

E aí a saudade explode nos sonhos.

Pela minha experiência anterior, eu já tinha profetizado: dois meses pra eu começar a sonhar que estou voltando, que estou no avião, que estou prestes a dar um abraço no meu irmão, na minha mãe.

Autossugestão? Ter visto no Facebook as fotos do casamento que perdi? Só sei que não deu outra: de ontem para hoje, aniversário exato de dois meses de viagem, marcados pela decisão de deixar indefinida a data de volta, veio o primeiro sonho.

Sonhei que uma recém-amiga (feita pouco antes de eu viajar) também se casava, e desta vez eu estava lá. Era um sonho, então com liberdade poética ela se casava no metrô transformado em igreja e eu ficava radiante de ver vários conhecidos na recepção. A liberdade poética não se alastrou para os dias da semana e claro que era um sábado. Quando eu percebia que estava no Rio e que tinha um onírico longo final de semana pela frente, ficava frenética com as possibilidades.

Eu planejava: domingo é dia de almoço na casa dos meus pais! Vou ver minha família.

Mas ainda sobrava tempo nesse final de semana anormalmente longo. Meu subconsciente deve ter resolvido fazer do meu desterro um tipo de detenção autoimposta e esse era o meu saidão, porque pela lei dos sonhos, eu tinha direito a uma ligação. Para uma imensa lista de faltas. Encarei o telefone como se fosse meu inimigo.

Para quem você ligaria?

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larilena
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(temporariamente?) desterrada, gradualmente optando por parar de guardar tudo o que pensa na gaveta e colocando um pouco aqui pra quem quiser espiar.