Novos e velhos tempo de xenofobia — Por onde anda Portugal?
Cyntia de Paula, Psicóloga e Ana Paula Costa, Cientista Social — Portugal
A xenofobia e o preconceito não são problemas novos e infelizmente afetam a vida de pessoas imigrantes diariamente. Porém, sabemos que em momentos de crise e de maior tensão social reforça-se a discriminação e o preconceito contra alguns grupos da nossa sociedade. Não seria diferente com a pandemia mundial do COVID-19. Este texto de opinião parte de um lugar geograficamente marcado e de uma experiência particular: ser imigrante em Portugal. Dentre os países da União Europeia (UE), Portugal é reconhecido internacionalmente pelas suas boas políticas de imigração e é considerado um país onde a integração dos/as imigrantes é avaliada de forma positiva.
Em 2015, a última avaliação do MIPEX (Migrant Integration Policy Index), índice internacional de referência para a avaliação das políticas de integração das pessoas migrantes e que considera 38 países no mundo, situou Portugal no segundo lugar do ranking. Um dos pontos avaliados pelo MIPEX são as políticas portuguesas anti-discriminação. Em 2019, a Gallup, uma empresa norte americana de pesquisa de opinião, revelou que Portugal é o país da UE com atitudes mais abertas para a imigração. Mas, é importante que uma pergunta seja feita: será que podemos medir a “boa integração” das pessoas imigrantes apenas com base em índices internacionais? Seguramente, se observarmos a realidade vivenciada pelas pessoas imigrantes em Portugal, a resposta é não.
Em Portugal, nestes tempos de crise sanitária e econômica, temos observado o aumento da xenofobia, do preconceito, da discriminação e do discurso de ódio contra as pessoas imigrantes através de diversos meios, que variam desde o discurso de partidos de extrema direita até as redes sociais. Estas, particularmente, têm nos mostrado que a forma como a xenofobia é praticada também se reinventou, pois cada vez mais existem páginas nas redes sociais, perfis falsos e comentários online com discurso de ódio e anti-imigração. Esse novo local para praticar a xenofobia nos revela duas coisas, pelo menos: a primeira é que a xenofobia social, ou seja, aquela praticada pelas pessoas no dia a dia, ainda é um grande desafio; a segunda é que não bastam haver bons índices de integração baseados na política de Estado se na sociedade portuguesa continuam presentes comportamentos xenófobos e discriminatórios contra as pessoas imigrantes.
A experiência das associações de imigrantes, por exemplo, evidenciam que no dia a dia os entraves na garantia de igualdade de direitos são imensas e que a discriminação não está presente apenas nas pessoas, mas sobretudo nos acessos aos serviços e consequentemente aos direitos. Assim, se por um lado, o Estado português assegura políticas favoráveis à imigração — apesar da implementação efetiva dessas políticas ser questionável — por outro lado, a sociedade portuguesa têm revelado uma forte oposição aos/as imigrantes, às políticas de imigração, à presença do/as imigrantes nas esferas sociais, como o trabalho, e aos direitos garantidos, como o direito ao apoios sociais para quem contribui para a Segurança Social. É importante serem considerados outros fatores que contribuem para construção de atitudes xenófobas como o discurso construído pela comunicação social acerca da imigração e como este contribui para a construção e reforço de estereótipos que estão na base dos preconceitos. A criação do “outro” como um inimigo externo é um grande problema a ser combatido. Constantemente as pessoas imigrantes são retratadas de forma negativa, muitas vezes associadas à problemas sociais e poucas vezes retratadas de forma positiva com a divulgação da contribuições positivas para a sociedade portuguesa.
Outros fatores, como a pouca representatividade de pessoas imigrantes nas diversas áreas da sociedade e as poucas estratégias de Estado para ambas as situações, são questões fundamentais quando falamos de estratégias de integração. Por isso, é fundamental fazermos a avaliação da efetividade das políticas de integração, tendo como base a realidade vivenciada pelas pessoas imigrantes, a forma como tem acesso aos direitos e a sua percepção sobre a integração, não olhando apenas para a política formal. Também é preciso termos mecanismos legislativos mais eficazes para o combate à discriminação e a xenofobia. Estes mecanismos precisam trabalhar para a identificação dos casos de discriminação e xenofobia, punir os responsáveis e criar mais estratégias de sensibilização da comunidade de acolhimento. Se os casos de xenofobia e discriminação continuam a existir, e mesmo a aumentar, e as formas como estão sendo praticados têm se diversificado, as estratégias de sensibilização direcionada à comunidade de acolhimento precisam ser repensadas. Num mundo cada vez mais digital em que o discurso de ódio e a xenofobia são facilmente disseminados, exige-se mecanismos mais efetivos e permanentes.
Dessa forma, o argumento de “boa integração” das pessoas imigrantes utilizado pelo Estado português, baseado nos índices internacionais, é falível. Basta olharmos para a forma como a sociedade têm se manifestado e as consequências que as pessoas imigrantes vivenciam, como as discriminações nos acessos aos seus direitos. Todos e todas nós, o Estado, a sociedade portuguesa, os serviços, as associações e instituições, precisamos reconhecer as falhas e olharmos para elas como possibilidades de melhorias. Não podemos anular as vivências das pessoas imigrantes e os desafios que elas encontram todos os dias por causa da xenofobia e da discriminação. Não podemos dar voz aos discursos de ódio e ao populismo que usam das vulnerabilidades sociais para manipular fatos e criar um inimigo a se combater na maioria das vezes baseando-se em fatos errados e mentirosos.
É um problema complexo e que requer várias frentes de atuação. Por isso, não podemos esperar uma solução fácil e propostas reducionistas, mas talvez reconhecer o problema é um primeiro passo indispensável para que seja garantida não só a integração das pessoas imigrantes mas também a igualdade e a justiça social.