Portugal e mulheres trabalhadoras na crise dos coronavírus
Ana Catarina Maia, Bárbara Pimenta e Mariana Ferrari — Portugal
Assim como ocorre em todos os períodos de crise, o impacto social é sempre maior e mais intenso sobre as mulheres. Em áreas mais feminizadas, onde as mulheres ocupam 70% dos cargos, como a saúde e a social, além de sofrerem pela falta de investimento estatal, em tempos de pandemia, têm de manter-se a trabalhar — apesar dos riscos.
Em Portugal, 8 em 10 trabalhadoras da área de enfermagem são mulheres. Em condições normais, são 7 enfermeiras para cada 1000 habitantes no país. Em condições extremas como a presente numa pandemia, a situação dessas mulheres se torna ainda mais precária. A falta de investimento e recursos do governo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a falta de equipamentos de proteção nos hospitais aumenta o risco de contaminação dessas trabalhadoras. Com base em denúncias feitas pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro, essas áreas que já são precárias, estão sob risco iminente de despedimentos em massa.
Na situação atual, mulheres trabalhadoras se não foram demitidas, arcam não só com o teletrabalho como também com a carga mental e o trabalho doméstico. Com o fechamento de escolas e creches, mulheres têm seu trabalho redobrado. Portugal é o quarto país da União Europeia onde mulheres trabalham habitualmente mais horas por semana a tempo completo — cerca de 41 horas semanais. Além de ser um país campeão no quesito precariedade do trabalho das mulheres. Na pandemia, a situação se agravou. Mulheres imigrantes e negras compõem a comunidade mais vulnerável, com empregos mal remunerados, inseguros e informais.
No caso das brasileiras, além da xenofobia recorrente no país, a precariedade do emprego é brutal. Existe um número considerável de mulheres brasileiras que trabalham sem contrato de trabalho e, pela necessidade de um contrato para regularizarem-se no país, vivenciam das mais variadas explorações pelas entidades empregadoras. E, mesmo com o Decreto expedido pelo Presidente, que regularizou todos os imigrantes com manifestação de interesse em andamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, as que ainda não deram entrada, continuam sem direito aos apoios e subsídios da segurança social. Com necessidade de apoios psicológicos, jurídicos e sociais.
A exemplo desta situação acima descrita, vemos o caso de Guaraciaba, mulher brasileira de 33 anos, casada, natural do Estado de São Paulo e com dois filhos. Um de 10 anos e outro com 5 meses de vida. Está em Portugal com a família há um ano. É professora/pedagoga e o marido, músico. Quando chegaram a Portugal foram morar no Alentejo e descobriu que esperava um filho. Neste período começou a trabalhar como profissional autônoma, já que também é fotógrafa. Seu filho mais velho começou os estudos na escola e ela realizava trabalhos em eventos, casamentos, ensaios femininos, retratos, etc. Quando o bebé nasceu mudou-se com a família para a cidade de Leiria. Neste período de resguardo ela cuidava da rotina com o filho recém-nascido e seu trabalho como fotógrafa. Quatro meses após o nascimento, Guaraciaba conseguiu uma oportunidade para trabalhar formalmente, mas este plano foi cancelado porque, na mesma altura, a pandemia da Covid-19 foi sentida em Portugal e o isolamento social foi iniciado. Assim, para continuar trabalhando, começou a fazer fotos para banco de imagens. Agora divide seu tempo entre atividades domésticas, fotografias, cuidados com o bebê e apoio ao filho mais velho nos estudos. Enquanto trabalhadora autônoma ainda encontra-se no período de isenção de contribuição (que corresponde ao primeiro ano de abertura de atividade no país) e não pode receber apoios financeiros do governo.
As trabalhadoras estão, de modo geral, enfrentando a crise gerada pela pandemia de maneira apreensiva principalmente pelo facto de não saber como será o futuro nos próximos meses. As trabalhadoras do sexo, por exemplo, comumente em situação extrema de marginalização, estão ainda mais vulneráveis. Suas situações estão diretamente ligadas à imigração. Estima-se que mais da metade (65%) das trabalhadoras do sexo em Portugal sejam de origem brasileira. Destas, a maioria (38,9%) está entre os 26 e 35 anos de idade. Mulheres transexuais formam 7,8% do total de trabalhadoras. Estes dados são de uma pesquisa feita na Universidade Nova de Lisboa, em 2017. Desde 1982 a prostituição não é mais crime neste país, mas nunca foi regulamentada. O criminoso nesta rede de trabalho é o “agenciador”, o proxeneta, cafetão. Isto porque a mulher que trabalha neste mercado é compreendida pelo Estado como vítima de uma rede que alicia e engana. Com este perfil de extrema vulnerabilidade fica ainda mais difícil o acesso à medicamentos e qualquer tipo de ajuda.
Algumas instituições e ONG’s disponibilizam informações que dizem respeito aos despachos governamentais sobre os direitos à habitação, serviços de água, energia e telecomunicações, mas não há garantias que o preconceito comumente enfrentado por essas trabalhadoras não seja potencializado ou aumentado em tempos de crise.