A ciência quebrando recordes

Felipe Ferraz
Especializado News
Published in
8 min readJun 22, 2015

Entenda de que forma os avanços tecnológicos vêm auxiliando no preparo de atletas de alto nível

O Brasil será sede da 31ª edição dos Jogos Olímpicos da era moderna. O evento, a ser disputado na cidade do Rio de Janeiro, atrairá um grande número de turistas, movimentando a economia, além voltar os olhos dos apaixonados pelo esporte para o país. Teremos a chance de conhecer os novos talentos que estão surgindo e que poderão ser os ídolos do esporte olímpico no futuro.

Mas você sabe o que está por trás de uma medalha? Como se forma um atleta de alto nível? Essas são algumas perguntas que talvez pouca gente se faça. Se você é daqueles que pensa que um corredor dos 100 metros rasos só precisa ser rápido, se enganou. É claro que a prática esportiva é essencialmente humana. Não são as máquinas que dão as braçadas nas piscinas ou realizam um golpe no judô, mas é inegável que a ciência e as tecnologias estão diretamente relacionadas ao esporte e hoje elas são indispensáveis para obter-se melhores resultados nas competições. Ano após ano, os avanços tecnológicos vêm influenciando no rendimento de atletas das mais diversas modalidades. Possuir o conhecimento científico e claro, um investimento adequado, é correr na frente dos adversários. Não é por acaso que o desempenho brasileiro nas Olimpíadas ainda está longe do desejado. Países como Estados Unidos e China possuem mais recursos, infraestrutura e preparo no que diz respeito ao treinamento e desenvolvimento dos competidores.

Por trás de cada execução de movimento, equipamentos e estratégia adotada, existe um estudo aprofundado. Treinadores e atletas utilizam-se cada vez mais da física, da matemática e também da química para corrigir possíveis erros e buscar uma evolução constante. Para se ter uma ideia da diferença de resultados, em 1912, o americano Don Lippincott concluiu os 100 metros rasos em 10,6 segundos. Esse foi o primeiro recorde reconhecido pela Associação Internacional de Federações de Atletismo. Em 2009, 97 anos depois, o jamaicano Usain Bolt atingiu a marca de 9,58 segundos, no mundial realizado em Berlim. É mais de 1 segundo de diferença. Pode parecer pouco, mas em uma prova que costuma ser decida por milésimos de segundo, é um avanço muito significativo.

O piloto gaúcho da Stock Car, Vitor Genz, entrou no esporte aos nove anos de idade e pôde acompanhar de perto a evolução que a tecnologia proporcionou no seu dia a dia: “Tudo evoluiu muito, principalmente a parte da segurança. Hoje a gente tem um banco de fibra de carbono, importamos tecnologias de câmbio na direção — que possibilita não tirar a mão do volante para trocar as marchas -, não precisamos usar embreagem. Os pneus também evoluíram bastante, o tanque de combustível possui uma bolsa térmica que proteja contra rachaduras, entre outras coisas”. Por mais que no automobilismo o desempenho nas provas passe muito pelas condições do carro, o piloto também pode fazer a sua parte. Vitor conta que utiliza duas técnicas principais momento antes do sinal verde. “Primeiramente eu inspiro forte e expiro devagar, o que acaba acelerando o corpo. A outra técnica é a de visualização, onde eu imagino toda a volta na minha mente antes de executá-la”. Além de todos esses fatores, Vitor também conta com uma psicóloga, a qual visita regularmente, e um simulador de corridas em casa. Funcionando quase como um videogame, o simulador dá a noção exata do que o espera nas pistas. Há 20 anos um piloto gaúcho não sobe ao pódio na Stock Car. Com o preparo em dia e o suporte científico ao seu alcance, Vitor Genz pode acabar com esse tabu. “Estou trabalhando pra conhecer o carro e toda vez que eu precisar fazer uma mudança, tal mudança seja efetiva para que o tempo melhore. Pretendo fazer um pódio ainda esse ano”, almeja.

Para o treinador-chefe da Sogipa e diretor técnico da Confederação Brasileira de Atletismo, José Haroldo Loureiro Gomes, a ciência se acoplou ao treinamento esportivo. Ele explica que atualmente tudo é controlado e pensado nos mais mínimos detalhes, desde uma passada na pista até ao que o atleta vai comer, beber e fazer em seu tempo livre. “A fórmula do sucesso é o talento somado ao preparo e ao comprometimento. O ser humano é treinável, e treinável ele pode fazer coisas fantásticas”. O treinador acredita que o fraco desempenho brasileiro em jogos olímpicos se deve ao fato de que aqui, primeiro é preciso ganhar uma medalha para depois receber um patrocínio, enquanto em países como EUA e China ocorre o inverso. “Falta a consciência de que é preciso investir no jovem talento para formar um campeão. No Brasil, se trata a doença e não a prevenção, corrigem-se as leis depois das tragédias. É um problema cultural”. Ainda segundo José Haroldo, o avanço tecnológico e a ciência sempre são bem-vindos, desde que não se esqueça de que o atleta é feito de carne e osso e não de ferro. “Um treinamento sem base teórica é um voo cego, mas uma teoria sem uma prática verdadeira é uma bestialidade”, finaliza.

Criada nos jogos da antiguidade, a Coroa de Louros é a mais alta honra para um atleta olímpico.

Esporte Olímpico vira tema de exposição

Pensando justamente em aproximar as pessoas dos “bastidores” do esporte e resgatar histórias do passado, é que o Museu de Ciências e Tecnologia da PUC, em parceria com a Faculdade de Educação Física, Ministério da Cultura e do Instituto Brasileiro de Museus, inaugurou a exposição Esporte Olímpico — Memória e Ciência. A ideia é simples: criar experiências que as pessoas geralmente não têm no dia a dia e mostrar-lhes a contribuição da ciência na prática do esporte.

São três andares onde os visitantes podem entender melhor a relação entre esporte e ciência. No primeiro deles, uma das atrações é a pista de atletismo. Nela, depois de correr 15 metros, o usuário sobe em um pódio interativo de realidade aumentada e se vê em primeiro lugar, em uma tela de televisão, dentro de um estádio olímpico lotado e ao lado de grandes nomes do atletismo. Você ainda recebe medalha, troféu e louros, tudo virtual. Uma câmera regista o momento e a foto pode ser compartilhada nas redes sociais. No segundo pavimento, experimentos relacionam o esporte olímpico com o corpo humano, funcionamento dos músculos, movimentação da coluna e equilíbrio. Na chamada Arena 2 descobre-se, por exemplo, que o praticante de snowboard, ao afastar os pés e manter os joelhos flexionados sobre a prancha, está utilizando um conceito da Física para melhorar sua estabilidade. Isso ocorre devido à diminuição da altura do centro de gravidade, ao aumento da base de equilíbrio e à contração dos músculos. Por conhecerem esses conceitos, os competidores mantêm o corpo flexionado e os pés mais afastados para alcançar melhores resultados. No terceiro e último andar, painéis e materiais multimídia interligam olimpíadas, prática de esportes, tecnologia, física e ciência. Na cadeira giratória, o visitante simula os movimentos de um patinador artístico. O experimento busca explicar um princípio físico chamado “conservação do momento angular”. Tal princípio diz que: quanto mais concentrada no eixo de rotação a massa de um corpo estiver, mais rapidamente o mesmo conseguirá girar. Os patinadores possuem esse conhecimento e o utilizam para aumentar ou diminuir a velocidade das piruetas. Perceba como tudo tem uma lógica.

Crianças experimentam a sensação de ser um velocista olímpico.

Para o encarregado da exposição, André Ayala, o projeto possui um papel muito importante: “É excelente para que as pessoas conheçam melhor outros esportes. O pessoal sabe bastante sobre futebol, vôlei, mas, sobre os outros, muito pouco”. O fato de se poder entender como os atletas fazem uso da ciência para se tornarem mais competitivos, segundo Ayala, é uma possibilidade única. “Isso torna mais lúdico, didático e ilustrativo a experiência aqui no museu”, complementa. O visitante David Pietro, servidor público federal em Brasília, acredita que a influência das tecnologias no meio esportivo é válida, mas que se deve haver um equilíbrio de recursos. “Cada vez mais os avanços devem ser incorporados, mas sempre com o cuidado para que aquele que tenha acesso a melhor tecnologia não finque em vantagem em relação ao outro. O espírito é o de que haja uma igualdade.” Ele finaliza afirmando que sairá do museu com uma visão diferente a respeito do mundo esportivo. “A gente consegue ver os princípios aplicados ao esporte e a partir de agora é possível notar alguns detalhes na hora das provas que antes passavam despercebidos.” O coordenador André Ayala afirmou ainda que a procura para visitar a exposição está sendo grande, principalmente por parte de colégios, e que a expectativa é manter os trabalhos até o final das Olimpíadas do ano que vem.

Alguns esportes onde a tecnologia proporcionou melhor desempenho

O desenvolvimento tecnológico está cada vez mais presente em nossa vida, alterando atividades cotidianas sem que, na maioria das vezes, percebamos. No esporte acontece o mesmo. Embora muitas pessoas não consigam notar, existe muita tecnologia e ciência envolvida em cada quebra de recorde.

Na natação, por exemplo, na primeira Olímpiada da era moderna, em 1896, os nadadores utilizavam maiôs com cerca de cinco quilos. A partir de então os trajes passaram a diminuir de tamanho e os recordes consequentemente também caíram. Tecidos mais leves e menos absorventes ganharam a preferência dos atletas. No salto com varas, inicialmente, eram usadas varas de madeira, pesadas e rígidas. Aos poucos, elas foram sendo substituídas por varas de bambu, material muito mais flexível e leve, porém pouco resistente. Entre as décadas de 1950 e 1960, o alumínio e a fibra de vidro tornaram as varas mais competitivas. Além disso, foram empregadas melhorias na área de pouso com colchões especialmente dimensionados. Atualmente, as varas são fabricadas com base em compostos de carbono, material mais leve, resistente e flexível.

Outros exemplos também foram importantes para o desenvolvimento do esporte e também na busca de um resultado mais justo. É o caso do sistema Hawk-eye (olho de falcão), utilizado no tênis, onde câmeras de alta velocidade captam imagens de todos os pontos da quadra, possibilitando aos jogadores desafiarem uma decisão da arbitragem quando discordam da mesma. Cada tenista tem direito a três desafios por set. Em uma modalidade na qual a bola pode ultrapassar os 200 km/h, alguns lances são imperceptíveis ao olho humano. Mais uma vez, é a tecnologia em prol do esporte. Ainda mais recente são os chips nas bolas de futebol. Somado a um campo magnético na linha do gol, o “GoalRef” permite ao árbitro saber com exatidão se a bola cruzou ou não a linha, determinando se foi ou não foi gol.

São vários os casos ao longo dos anos. Não podemos prever exatamente qual será o futuro do esporte seja ele olímpico ou não, mas o certo é que a ciência e as tecnologias sem dúvida estarão cada vez mais presentes, atuando direta ou indiretamente para que os atletas alcancem melhores desempenhos em suas respectivas competições. A certeza que fica é a de que o homem depende da ciência e a ciência depende do homem. Essa “parceria” vem se mostrando cada vez mais eficiente e inseparável.

Texto e foto: Felipe Ferraz

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