Controvérsias além do rótulo

Constance Laux
Especializado News
Published in
6 min readJun 22, 2015

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Novos capítulos de um antigo debate: há mais de uma década incorporada à produção agrícola, a transgenia segue polêmica

A autorização para o uso dos transgênicos no Brasil completou doze anos em 2015. Apesar de estar em circulação há mais de uma década, a utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) na agricultura segue controversa. A aprovação na Câmara de um projeto de lei que dispensa o símbolo transgênico de rótulos de produtos que contenham matéria-prima geneticamente modificada reacendeu a polêmica na sociedade, opondo ambientalistas e ruralistas e levando a discussão para o âmbito político.

Na safra de 2003, as primeiras sementes de soja geneticamente modificadas foram introduzidas nas lavouras do Rio Grande do Sul. Desenvolvida pela empresa transnacional Monsanto, a soja transgênica foi produzida para resistir ao herbicida glifosato. A transgenia foi autorizada pela lei nº 10.688/2003, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde a autorização, os transgênicos se impuseram como uma realidade nacional e conquistaram espaço no mercado, despontando como o avanço mais recente do agronegócio para as monoculturas de larga escala, com a promessa de aumento da produtividade e da redução da quantidade de agrotóxicos necessários.

“De fato, um aumento de produtividade é atingido, mas ao custo do esgotamento constante de muitos recursos, o que gera uma demanda cada vez maior por insumos agrícolas. Aí entra o interesse das empresas de sementes”, afirma o biólogo, mestrando em ecologia com ênfase em exploração sustentável de recursos biológicos, Paulo Barradas.

Segundo o relatório do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês), referente ao ano 2014, o Brasil ocupa o segundo lugar na lista dos maiores produtores mundiais de alimentos geneticamente modificados, com 42,2 milhões de hectares de plantações transgênicas, atrás somente dos Estados Unidos, que possui 73,1 milhões de hectares. No ano passado, 93% da área plantada de soja correspondia a variedades transgênicas, enquanto o percentual do milho foi de 82% e o do algodão, 66%. Paralelamente, entre 2000 e 2010, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%, ritmo muito mais acentuado do que o registrado pelo mercado mundial (93%) no mesmo período, segundo dados da a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde responsável pela liberação do uso comercial de agrotóxicos.

Embrapa desenvolve pesquisas em sementes de soja transgênica (Imagem: Wilson Dias/Agência Brasil)

As lavouras de soja, milho e algodão, principais apostas das grandes empresas de transgenia, são líderes do consumo de insumos agrícolas. A expansão dos cultivos transgênicos contribuiu para que o Brasil se tornasse, desde 2008, o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de 20% do mercado global do setor, de acordo com a Anvisa. O consumo somado de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros, atinge mais de 1 milhão de toneladas e movimenta cerca de 8,5 bilhões de dólares por ano no país. Os principais produtores de defensivos agrícolas são justamente as seis grandes empresas transnacionais que lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

O glifosato, vendido no Brasil desde 1978, é o herbicida mais usado no mundo. A Monsanto detém metade do mercado mundial desse princípio ativo, composto primário do seu produto Roundup. Empresas como Syngenta, Basf e Bayer também têm produtos à base de glifosato. Em abril de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, em inglês), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou um artigo em que classificava o glifosato — e também os inseticidas malationa, diazinona, tetraclorvifóis e parationa — como prováveis agentes carcinogênicos para humanos. Em resposta, a Anvisa anunciou oficialmente que reavaliaria a liberação do uso do composto no país.

A relação entre os agrotóxicos e a transgenia é determinada pela forma como se dá a manipulação genética das sementes transgênicas. O gene inserido artificialmente confere às plantas a capacidade de resistir a determinados agrotóxicos, enquanto outros organismos tidos como danosos são destruídos, permitindo que o cultivo alcance maiores índices de produtividade. Paulo Barradas explica que é essa tolerância a agrotóxicos específicos que possibilita o lucro das empresas, uma vez que “a mesma empresa que fornece as sementes, fornece também o agrotóxico, e tudo vem ‘embalado’ num grande pacote ao qual o agricultor tem a escolha — quando tem — de aderir ou não”. Mesmo após a compra das sementes, as empresas continuam sendo suas donas. Por se tratar de um produto da biotecnologia, a semente é protegida por leis de patentes. “Dessa forma o agricultor está proibido de guardá-las para cultivar na próxima temporada, sob a pena de multas severas”, afirma Paulo.

No âmbito político

De acordo com o Decreto Federal nº 4680/03, qualquer produto deveria ser rotulado caso possua acima de 1% de ingredientes transgênicos em sua composição. O decreto pode vir a ser modificado pelo Projeto de Lei 4148/08, o chamado PL Heinze, por ter sido proposto pelo deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS). O projeto, que já passou pela Câmara e agora segue para a aprovação do Senado, extingue a exigência do símbolo da transgenia nos rótulos dos produtos com organismos geneticamente modificados.

Câmara aprovou projeto que dispensa símbolo de alimentos transgênicos em embalagens

Segundo o deputado Heinze, o seu projeto foi baseado nos estudos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que atestam a confiança nos transgênicos. “O projeto que propus prevê a substituição do triângulo amarelo com a letra ‘T’ ao centro por uma das inscrições grafadas em destaque: ‘Nome do produto’ seguido da palavra transgênico ou por ‘contém nome do ingrediente transgênico’”, explica o deputado em relação à proposta de disciplinar as informações sobre o conteúdo dos produtos que devem constar nas embalagens.

Para o biólogo Paulo Barradas tais mudanças do governo acontecem por pressão do lobby das empresas de biotecnologia. “A proposta de retirada do símbolo do dos rótulos de alimentos contendo ingredientes transgênicos é apenas o exemplo mais recente dessa influência, e deixa transparecer a forma como o assunto é tratado: empurrado goela abaixo da população, para que fique ainda mais desinformada sobre o que está consumindo”, defende Barradas.

O deputado Heinze, no entanto, argumenta que a aprovação visa apenas mudanças na norma de rotulagem de alimentos geneticamente modificados e não estabelece prejuízos. Ressalta que “a legislação não pode provocar na sociedade receio de consumo de produtos cuja segurança alimentar e ambiental foi garantida e atestada pelo próprio governo, por meio da principal autoridade no assunto do país, a CTNBio”.

A CTNBio é o órgão responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no país. A instituição citada pelo deputado Heinze é também alvo da oposição de ambientalistas na luta contra os transgênicos. A comissão técnica já aprovou, desde 2003, cinco tipos de soja transgênica, 18 de milho, 12 de algodão e uma de feijão.

O agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), acredita que a CTNBio aprova os projetos dessas seis empresas baseados apenas no laudo técnico que a própria empresa fornece acerca da segurança apresentada pela semente transgênica. Segundo Fernandes, muitos desses relatórios possuíram técnica para serem publicadas em uma revista científica. Outro problema ressaltado pelo agronômo é a nomeação política, por parte do Ministério da Ciência e Tecnologia, dos indicados a integrar a comissão. O Ministério tem direito a indicar 12 das 27 pessoas que compõe a CTNBio. “Com 14 votos tu aprova qualquer conteúdo: o Ministério, cujo representante também tem direito a voto, indica 12 pessoa; basta outra pessoa entrar no time para que tudo seja aprovado na comissão”, argumenta.

Fernandes afirma que os tipos de transgênicos existentes hoje, no mercado, não cumprem a promessa das empresas que fazem essa manipulação genética. Vendem uma planta supostamente resistente a herbicidas, que, no final, demanda um uso cada vez maior de agrotóxicos. “O que leva o debate para a questão de quem consome, da saúde, do comprometimento técnico dessas empresas, de como foi aprovado, da Comissão, enfim, política”, explica Gabriel.

Texto: Constance Laux

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