Sebos e tecnologia: amigos ou adversários?

Ana Carolina Lopes
Especializado News
Published in
5 min readJun 22, 2015

A era digital pode ser considerada tanto uma inimiga quanto uma aliada para quem sobrevive do sebos na Capital

A infiltração causada pelas chuvas não impediu a Martins Livreiro de continuar seu negócio.

Uma infiltração em um dos sebos da Rua Riachuelo, em Porto Alegre, em função de chuvas, não conseguiu acabar com as obras que a loja Martins Livreiro oferece. Ivo Alberto Almansa, 61 anos, é proprietário da livraria desde 1980. Em 1999, a loja se mudou para a Riachuelo, e, antes disso, passou por três locais diferentes na Capital.

A história da Martins Livreiro se iniciou 57 anos atrás, quando o ex-sogro de seu Ivo se tornou o primeiro dono do sebo. Atualmente, há uma equipe de cinco pessoas trabalhando na livraria todos os dias. Grande, a loja apresenta não somente obras literárias, mas também quadros, mapas e fotos de figuras importantes como Getúlio Vargas, Leonel Brizola e João Goulart, decorando as paredes. Seu Ivo considera isso um atrativo para seu negócio, mas quando perguntado sobre como anda a procura por livros, ele é sincero: “Em números de livros comercializados, a demanda tem decaído. Mas acho ótimo que na internet tu tens uma vitrine para todo o Brasil”. Para ele, o desenvolvimento da tecnologia é bom para ambos os lados, tanto para o leitor quanto para os donos de sebos. “Existe uma concorrência com os sites de livros usados. O risco que se corre, neste caso, é o livro vir com um carimbo no meio ou alguma página faltando. Antigamente tudo era muito restrito, e hoje com editoras pequenas há facilidade de conseguir até mesmo livros estrangeiros. Nisto a ciência tem ajudado”.

Para quem está acostumado a ler o livro em papel é muito difícil desistir dele. Mas, quem já está habituado, não vê problemas em ler suas obras favoritas na tela de um computador ou de um celular. Seu Ivo, particularmente, prefere ler o livro em mãos. “Não consigo ler em computadores”, confessa.

Seu Ivo Almansa, 61 anos, é dono da Martins Livreiro desde 1980.

Se a Martins Livreiro mantém seu negócio há mais de 50 anos, a loja Sebo com Café é novata em um meio comercial e literário diversificado. Com um ambiente confortável e convidativo, o nome não é apenas para enfeite. Antes de ser sebo, o antigo Beco dos Livros, como era chamado, mudou de nome recentemente, mas já era bar há oito anos. A identidade do local mudou, mas o livros continuaram. Jonas Moesch, 24 anos, trabalha no local há quase uma década, e conta que o diferencial da loja é exatamente o que o nome quer dizer: as pessoas podem comprar livros e iniciar a leitura lá mesmo, apreciando um café oferecido pela casa.

Apesar disso, Jonas e Leona Nunes, também funcionária, contam, assim como seu Ivo, que a compra dos livros diminuiu com o desenvolvimento de novas formas de texto. “A venda do livro palpável decresceu. Mas apesar disso, acredito que ao mesmo tempo o livro em si nunca deixará de existir. Tu teres o livro, encostar nele, envolver o tato, o cheiro, traz uma história com ele que a tela com computador não transmite”. Limitação de bateria e dor nos olhos são alguns dos motivos que Moesch prefere ter o livro em mãos para apreciação. O dono do Sebo com Café é Peter Dullius, 64 anos. Entrou para o mercado dos livros em 1992, e apenas uma loja não era suficiente. Em 98 abriu um estabelecimento na Rua General Câmara e, em 2004, na Rua dos Andradas. Para Peter, os pontos fortes dos sebos são o preço e as raridades. Segundo ele, trabalhar no ramo dá a possibilidade de encontrar edições históricas de uma obra. Além disso, levar o cliente ao passado permite um reencontro com outras épocas.

O Sebo com Café apresenta um fator diferenciado: os clientes podem aproveitar a leitura enquanto tomam um café também oferecido pela casa.

Diferentemente de seu Ivo, Jonas, Leona e Peter, Letícia Bogado, 19 anos, estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul (UCS) acredita que há maior facilidade na compra de uma obra pela internet do que indo à livraria. “Claro que eu gosto de ter os livros, mas se eu preciso de algo rápido, o primeiro lugar que procuro é na internet. Na maioria dos casos, se não estiver disponível nessa área, passo para as livrarias”, relata. Sua visão está dividida em procuras de curto e longo prazo. A estudante diz que pesquisa com calma exemplares que não são urgentes e que podem ser contemplados com mais calma fora das bibliotecas digitais. Daniel Steigleder, 30 anos, Relações Públicas, falou sobre suas experiências com os sebos durante os tempos de faculdade. “Desde que eu saí do colégio, eu procuro montar minha própria biblioteca. Então, na faculdade, eu procurava livros físicos pra que isso pudesse acontecer, não somente os exigidos pelos professores, mas também o que poderiam complementar o meu estudo”.

Quando as livrarias convencionais não tinham a obra disponível, nem mesmo a internet por ter a possibilidade de ser uma obra antiga, Daniel ia aos sebos e ao longo dos anos foi montando sua estante particular. Segundo seu Ivo, da Martins Livreiro, e Jonas, do Sebo do Café, a época do ano com maior saída de mercadoria é início de semestres das universidades. “O livro didático é vendido principalmente em março. Depois disso, ele é vendido esporadicamente. Início de semestre sempre se vende”, diz seu Ivo. Filosofia, jurídico e história do Rio Grande do Sul são os gêneros mais procurados pelos estudantes na Martins. Jonas dá destaque para as leituras obrigatórias dos vestibulares em seu empreendimento: “Nós também expomos as obras do todo ano na Feira do Livro de Porto Alegre, e a maior demanda fica por conta da literatura em geral”.

Texto e Foto: Ana Carolina Lopes

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