A Rainha do Ignoto — O começo de tudo

Ana Cristina Rodrigues
EspeculAtiva
Published in
2 min readJun 5, 2018

Por Gabriele Diniz

A Rainha do Ignoto — O começo de tudo

Como falar de literatura fantástica no Brasil sem mencionar um dos nossos primeiros romances do gênero? A Rainha do Ignoto, publicado em 1899, foi escrito por Emília de Freitas, uma professora do Ceará, e só teve três edições. A mais recente é de 2003 da Editora Mulheres da EDUNISC (Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul).

O narrador é um homem, porém ele é apenas uma janela pela qual podemos acompanhar uma narrativa primariamente construída e protagonizada por mulheres. Pelos olhos de Edmundo, um advogado que decide retornar à sua terra natal, vemos a história da Rainha do Ignoto. Ela é autoridade de uma organização feita apenas por mulheres, sediada na Ilha do Nevoeiro, um lugar cheio de encantos e oculto dos olhos dos homens por uma neblina mágica. O objetivo dessa organização é, simplesmente, ajudar as pessoas. Além da Rainha, vemos de passagem várias outras histórias de mulheres e suas relações complicadas com os homens, que as machucam, destratam e as levam à loucura. Porém, essas mulheres são agentes de mudança para si próprias e para as demais, acolhendo as que não possuíam condições de fazê-lo.

Em paralelo, temos os dramas corriqueiros de Passagem das Pedras, vilarejo para onde Edmundo retornou. De maneira mais realista, discute-se os mesmos pontos tratados no subenredo da Rainha e suas paladinas e é impossível não se identificar com Carlotinha, que esperou e definhou pelo seu amor, e Henriqueta, cujo ódio a outras mulheres era uma maneira de se autoafirmar. O mundano do interior do Ceará enfatiza e se entrelaça com o fantástico, dando espaço para personagens mais próximos da realidade em que vivemos.

O único ponto fraco é a falta de personagens negras e indígenas em posição de destaque, embora houvesse abertura para isso no contexto. Certos recortes acabaram por não ser abordados, então não temos, nas páginas d’A Rainha do Ignoto, um leque muito variado de experiências: algo não muito surpreendente, levando em consideração a época que o livro foi escrito.

Ainda assim, é difícil imaginar que um romance de fantasia do século XIX fosse capaz de exprimir tão bem em suas páginas a experiência de ser mulher, sujeita às limitações de uma sociedade patriarcalista, da dor e vitimização até a solidariedade e resiliência.

A Rainha do Ignoto é uma leitura necessária em uma sociedade que tanto carece de conhecer e discutir a experiência feminina, e um sopro de vento fresco em um gênero tão comumente machista.

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