Depoimentos

Ana Cristina Rodrigues
EspeculAtiva
Published in
8 min readJun 5, 2018

Toda edição da EspeculAtiva vai fechar com uma série de depoimentos do nosso grupo de participantes. A pergunta do depoimento desta edição foi:

Qual é a maior dificuldade para criar na área do fantástico no Brasil?

“ Síndrome do Impostor.

Hoje é o 100° dia de 2018 e eu tinha prometido a mim mesmo que escreveria um bocado toda a semana.

Bom…

Para não dizer que não escrevi nada, venho mantendo um diário pessoal que tem ajudado muito a desopilar. Mas escrever ficção, ou qualquer outra coisa? Hmm.”

Daniel Da Costa Bezerra

“Minha maior dificuldade é ter foco para levar uma criação até o fim sem cair na tentação de começar a trabalhar em ideias novas. Em especial, quando atinjo um ponto de dificuldade/bloqueio do projeto da vez.”

Carlos Rocha

“Minha maior dificuldade é manter o ritmo nesta nossa vida corrida e estressada em que o emprego “de verdade” suga toda sua energia.”

Camilla Ramos da Silva

“A realidade. Tem hora que ela ganha de qualquer coisa que eu possa inventar e aí fica complicado de competir. Fora a sensação de “obrigação” que às vezes aparece: sim, quero escrever sobre o Brasil, mas eu sou urbana nascida e criada, onde eu vou encaixar a cultura que me criou dentro desse cenário?

(síndrome de impostor, inveja do texto alheio, ritmo e falta de grana são complicados, claro, mas isso em qualquer tipo de produção: fantasia, romance ou mesmo não-ficção).”

Anna Martino

“ Varias das coisas citadas também tenho (síndrome do impostor, trabalho de verdade, ritmo)…

Mas mais especificamente no meu caso acho que os estudos complicaram um pouco, faço jornada tripla (trabalho, estudo e dona de casa) quando tenho disposição e inspiração vou pesquisar e estudar, acabo deixando a escrita literária de lado para me empenhar na escrita acadêmica.”

Adrianna Alberti

“Acredito que o maior problema é conseguir se sustentar enquanto persegue o sonho.

Eu tenho que trabalhar umas 12 horas por dia hoje. Some isso com os problemas do dia a dia, contas a pagar, família distante, apoio à namorada que tá afastada do trabalho, lidar com minha condição de bipolar e um vizinho que acha que apartamento sem isolamento acústico é estúdio de DJ.

Eu morro de vontade de ter possibilidade de trabalhar mais minhas habilidades de diagramação, arte, escrita. Mas onde se acha tempo e motivação, quando eu tenho que me estressar com absolutamente tudo e não há horas o suficiente no dia pra trabalhar o suficiente pra sustentar 2, descansar, comer e ainda perseguir meus ideais?

Além do mais, a pressão de ser “útil” é gigantesca, seja pela família, pela sociedade ou apenas pela necessidade de sobrevivência mesmo. A gente não pode contar nem com o apoio da sociedade, nem do estado (e as vezes nem da família e amigos) pra reconhecer que somos necessários e não vagabundos.

A força mental necessária pra aguentar tudo isso acaba sendo drenada da nossa capacidade de criar, de estudar, de se manter fazendo o que a gente ama.

E o mundo fica mais cinza e sem graça por isso.”

Gustavo Mancha

“Para criar de um modo geral, “a vida real” é o que mais atrapalha. Não sobra tempo, e ela te puxa pra longe das laudas.
Para criar na área do fantástico no Brasil em especial, é a sensação de que tem uma turba em bando que vai criticar se o trabalho tiver “influência da narrativa européia”, ou que “não tem representatividade suficiente dessa minoria”, ou outra pressão do tipo. Admiro quem domina a arte do “foda-se”.”

Marcos Santiago

“Um desafio ao criar na área do fantástico no Brasil, na área de jogos narrativos, é apresentar elementos que compõem a nossa matriz identitária (heterogênea, conflituosa e repleta de pontos de tensão) de forma não-enciclopédica e esquemática, sem sensos comuns e apelos a determinados esquemas (heroísmo da fundação da pátria do XIX, por exemplo). Não sei se este ponto é exatamente de um problema. Por isso optei pelo termo desafio, uma vez que ainda há leituras sobre muitos pontos do que podemos definir como parte de nossa cultura que reforçam questões problemáticas, sobretudo quando pensamos historicamente. A referência de “um fantástico brasileiro” ainda é tomada dentro de esquemas desafiadores de serem superados. Mas veja, isso é ótimo. Sem esse desafio, não seria um bom jogo — de criar — a ser jogado, não é mesmo?”

Jorge Dos Santos Valpaços

“Para mim o grande desafio e chegar ao leitor e ao mercado sem ter de (ou, no meu caso, sem poder) me mudar para o eixo Rio-SP.”

José Geraldo Gouvêa

“Tempo e saúde. Tem sido bem difícil ter o primeiro, encontrar brechas no cotidiano e nos afazeres. Está tudo aqui na cabeça, as chegar ao papel exige um cérebro descansado ou, no mínimo, capaz de se concentrar. Quando consigo o primeiro, o corpo cobra ficar quietinha, as mãos e as costas reclamam. Ando pensando em gravar e verter em texto. Por outro lado,, não sei se você sente isso, mas quando a escritos se acumulam, sem chegar aos leitores, dá uma sensação de: pra que tudo isso? E parece que a gente empaca.”

Nikelen Witter

“ Minha maior dificuldade é manter um ritmo de produção contínuo. Li certa vez — e isso me fez repensar bastante a coisa toda — que se você quiser ser um escritor profissional, tem que trabalhar como um profissional. Em nenhum emprego se trabalha apenas uma hora por semana.

Mas é complicado conciliar a escrita com a rotina, sono, vida pessoal, saída com amigos, trabalho, *leitura* e responsabilidades do dia a dia. Sempre alguma coisa fica devendo (mostly, sono).

Síndrome do impostor é complicado também. É perder horas e horas pra depois achar tudo uma merda.

O que tem me ajudado, nos dois problemas, é acompanhar blogs de escrita e escritores que passam *pela mesma situação*. É isso que me dá força pra tentar vencer autojulgamento, bloqueios e falta de tempo.”

Daniel Folador Rossi

“Tempo e ânimo.
Trabalhar 8 horas + freela pra ajudar nas contas + família + transporte + relaxar + dormir …
Difícil ter tempo e ânimo pra produzir, mesmo com as ideias e até diálogos na cabeça.”

João Beraldo

“Falta tempo. E olha que escrevo bastante. Mas ser escritor não é só escrever. Prefiro até usar minhas horas livres mais para ler. Sou bastante disciplinado. Escrevo todos os dias quando estou focado em um texto. Mas, se eu tivesse mais tempo para produzir, levaria um ano e meio para terminar um romance e não três anos.”

Ricardo Santos

“Ter energia e resiliência para continuar produzindo apesar do trabalho que paga as contas, dos estudos, da busca de oportunidades e da voz na minha cabeça gritando “Larga disso e vai fazer algo que dê dinheiro”.”

João Pedro Lima G

“Desvencilhar-me de tropes da fantasia medieval e urbana, e da FC, produzidas por EUA, Reino Unido e França que tem grande peso no meu imaginário. Criar personagens consistentes e complexas que sejam diferentes da minha vivência pessoal de homem branco heterossexual.”

Carlos Klimick

“O maior inimigo é o tempo, dificilmente falta inspiração. Mesmo porque se não estou inspirada para uma das histórias, me volto para outras. Problema é que até o fato de ter muitas histórias para contar me atrapalha na questão do tempo. Se não tenho pra me dedicar o suficiente pra uma só, imagina para várias?”

Má Matiazi

“Tempo, sempre o tempo. Ainda não consegui estabelecer uma rotina que garanta que eu tenha sempre espaço para escrever, de preferência todos os dias, ou ao menos na maioria deles. É preciso conciliar (muita) leitura, pesquisa e demais interesses com o trabalho, família, etc.”

Marcel Breton

“Para mim, a maior dificuldade em escrever na área do fantástico no Brasil está no fato de não ter vivido imerso na cultura do fantástico do meu próprio país. Talvez o mais próximo que tive disso foram os trabalhos de Monteiro Lobato e Maurício de Souza, quando era criança. Não temos, como em outros países (hoje menos até), o hábito de contar histórias e lendas aos nossos filhos, no máximo vemos isso no interior com os “causos”. Por outro lado somos muito bombardeados pelo fantástico de outros povos, principalmente europeu, particularmente inglês, atravessado pela mídia norte-americana, e um pouco do japonês nos mangás e animes. Somos, em geral, uma cultura colonizada, e isso se reflete em nossa fantasia, ficção científica e terror.
Por tudo isso, até mesmo cogitar a possibilidade de se escrever na área do fantástico no Brasil é difícil. Nos causa estranheza. Mas quando nos abrimos a esta, novas histórias podem ser contadas. Histórias “estranhas” com um novo viés, uma nova cara, um novo… fantástico.”

Sandro Quintana

“Eu interpreto essa pergunta de dois jeitos e, vendo a resposta da galera, acho que dá pra responder de dois jeitos mesmo!

Em termos “técnicos”, por assim dizer, a parte mais difícil de criar é fazer escolhas na hora de transpor a ideia pro papel. Acho que escolher pessoa, tempo e demais escolhas narrativas é muito importante — e não é algo que se aprende com livros, é algo que você só aprende testando, experimentando e botando o resultado final a prova. E essas escolha na real não terminam nas grandes, né… ponto de vista de cena, balanço entre sumário e diálogo, registro que o narrador usa e detalhes que você insere ou não em determinada descrição fazem toda a diferença.

Em termos de “ofício”, acho que o mais difícil é ter à disposição de escrever sabendo que é um ofício que não vai trazer dinheiro a curto-médio prazo (talvez nem a longo). E em disposição eu incluo vários fatores, mas acho que o mais importante é o tempo mesmo. Muitas vezes não dá pra comprometer uma tarefa chata que vai gerar grana, não tem o que fazer…”

Janayna Bianchi Pin

“A maior dificuldade de criar pra mim tem a ver com tempo. É difícil manter a cabeça no lugar quando você precisa lidar com outros trabalhos, pagar conta, arrumar casa e ainda estudar. Então, geralmente, eu tento encontrar resquícios de tempo onde posso. E, as vezes, escrever é um trabalho. Por exemplo, se faço um serviço de ghostwriting, isso me suga e eu não consigo trabalhar nas minhas coisas, porque passei minha energia pro serviço encomendado.”

Jim Anotsu

“Minha maior dificuldade está em conseguir me concentrar. Eu faço homeoffice (pegando tradução e revisão), mas não tenho escritório; trabalho num quarto com videogame e cama macia. Imagina o que dá vontade de fazer quando acaba o expediente das encomendas? Isso quando dá pra fazer, pois ainda tenho academia, vida social, vida amorosa, auto-escola (temporário, mas consome muito mais alma do que eu imaginava)… E morando em casa com a família, ainda tem o agravante de vira e mexe alguém tocar a campainha, entregar pacote, fazer mercado, dar um auxílio quando chamam… São pequenas interrupções, pra maioria deve ser ridículo, mas elas vão minando meu “mindset”, até eu me ver procrastinando. E quando procrastino, eu passo o tempo inteiro me questionando se realmente mereço me dizer “escritor profissional”.”

Heitor Vasconcelos Serpa

“Dificuldade? Puxa, tem algo que me pega mesmo: é perceber o quanto há pessoas interessadas no gênero, mas, por problemas com leitura, ou mesmo o preço dos livros, não se engajam.
Percebo também que a falta de olhar pro ofício de escrita de uma maneira mais técnica nos dificulta.Escritores com uma noção básica sobre literatura, a gramática de suas próprias línguas, e pesquisa do gênero que escolheram escrever. Uma pesquisa acurada.
Mas também há de convir que muitos de nós não possuem recursos para essa empreitada.”

Caio M Bessa

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