Tire os olhos da bola #10 — Precisamos falar sobre os Bills

Cassia Pires
Esportismo
Published in
5 min readDec 3, 2019

Se você não torce para o Buffalo Bills e não tem um grande amigo que torce, provavelmente você não prestou muita atenção nesse time. Torcedores dos Patriots podem ter ligado um alerta lá pro meio da temporada, mas verdade seja dita, os Bills são a maior surpresa deste ano.

A equipe está 9–3. Há quem diga que é por causa da agenda fácil. Não concordo 100%, porque tem time com a mesma agenda que não vence. E mais, algo que eu já falei no nosso podcast: embora perder de muito ou de pouco não faz diferença no recorde, um time pode jogar bem e mesmo assim perder. E precisamos estar de olho nisso. Aliás, o meu alerta para os Bills ligou na derrota para New England. Foi nesse momento que eu pensei: não foi sorte, não foram os Patriots que jogaram mal. Olho nos Bills!

O básico

Foram dois parágrafos inteirinhos para tentar te convencer que os Bills valem a pena, e talvez eu te decepcione um pouco ao dizer que a análise da semana não vai ser essa reverse, mesmo ela tendo sido bem bonita:

O segredo do Buffalo Bills é que o time tem feito o básico e é justamente por isso que não chama atenção. Mas acontece que o básico funciona.

A jogada da semana é a última do vídeo abaixo. Como não resultou em TD, não encontrei ela isolada nas redes sociais. Esse vídeo é curtinho, são high lights do Josh Allen, compensa assisti-lo inteiro e ver que embora o quarterback não seja “uau”, é consistente:

Se você estiver sem paciência, pode pular pro 1:30.

Partimos das informações básicas de costume. Uma 3ª descida, para 4 jardas, na linha de 46, ainda no campo do ataque. Início do último 4º e os Bills têm vantagem no placar.

O ataque está em shotgun, e vocês já devem ter percebido que é uma das formações mais utilizadas hoje em dia, né? Ela sempre aparece por aqui! O personnel é 11 (1 RB e 1 TE). O tight end dessa jogada faz um motion e alinha como recebedor (é o segundo, da direita para esquerda). Pela distância e o tanto de recebedor (4), as intenções de passe são claras e verdadeiras.

A defesa está em marcação individual (linhas pretas). O safety cobre o fundo do campo (cover 1) e 4 jogadores vão pressionar o QB (linhas vermelhas). O LB indicado pela linha amarela, a princípio, aponta como se também fosse tentar avançar ao pocket, mas ele está fazendo o papel de robber , de olho em uma possível corrida do quarterback.

Num primeiro momento, Josh Allen olha para os recebedores da sua esquerda, mas a marcação em press está sendo muito bem feita. Então, ele olha para o TE que corta da direita para esquerda, numa rota cross. O defensor responsável pela marcação individual nele ainda está se aproximando, mas aquele LB que eu falei que fazia o papel de robber está próximo. Uma vez que o QB não correu, ele ficou lá guardando caixão. Veja na imagem abaixo com as linhas vermelhas.

Com todo mundo muito bem marcado, Josh Allen decide resolver com as próprias pernas. E aqui, meus jovens, vem o pulo do gato, o que fez essa jogada ser escolhida. Se emocionem comigo.

O running back foi para a linha, ajudar no bloqueio. No que o QB começa a se deslocar lateralmente, ele sai da linha para fazer o lead block (e quando for ver o vídeo pela câmera técnica, perceba o bom trabalho que ele faz bloqueando). O tal do robber (seta amarela) deixa o TE para o defensor responsável e vai atrás do quarterback, afinal, era esse o papel dele.

E não foi só a adaptação do RB, não. O WR #16, que havia alinhado mais aberto do lado direito, corria sua rota para o meio do campo. Porém o CB que o marcava fazia um excelente trabalho e não dava espaço para ele pensar em receber a bola. Quando ele percebe a movimentação do quarterback, ele corrige rota para fora e consegue a vantagem, se posicionando de uma maneira que é muito difícil do CB cortar a linha de passe (seta amarela):

Josh Allen teria alcançado o first down com as pernas, mas uma jogada que acabaria com um ganho de 4 jardas, conseguiu mais de 10 e botou o time no campo da defesa, graças ao entrosamento e leitura dos jogadores.

Eu lembro que quando eu era coordenadora de defesa no flag, tive um head coach que insistia muito para os recebedores não ficarem presos às suas rotas caso a marcação estivesse em cima, eles deviam ajudar os seus QBs. E é exatamente o que aconteceu aqui. Com tudo isso em mente, é hora de tirar os olhos da bola e enxergar o que falamos até aqui. Só dar o play!

Essa coluna conta com a colaboração do Deivis Chiodini, analista no @OntheClockbr, podcaster do @MileHighBrasil e redator no @profootballbr.

Para ler as outras análises, clica aqui.

*Tire os Olhos da Bola* é o título de um livro escrito pelo ex-técnico de futebol americano Pat Kirwan. O autor explica, de maneira bem completa, que para entender o esporte é preciso tirar os olhos da bola. O nome dessa coluna se inspira no livro.

--

--