Barbie e o carnaval em baixa resolução — caso de esquina #2

Elisa Rabelo
esquina bh
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4 min readSep 25, 2020

Aos 4 ou 5 anos, fui presenteada com uma câmera analógica da Barbie. Na época, as câmeras digitais estavam chegando aos mercados e se tornando febre. Assim, imagino eu, a Elisa mirim decidiu que queria uma câmera. Como não tinha condição nenhuma de portar uma “de verdade”, ganhou uma de baixo custo da sua personagem preferida (antes de que ela se tornasse a face do “o PT destruiu a minha vida”, claro).

Minha festa de aniversário da Barbie, fevereiro de 2004

Queria poder falar que com ela comecei a registrar a minha visão de mundo, mas a vida real nem sempre nos permite romantizar os fatos. Tirei algumas fotos sim, mas os filmes queimaram ao longo de mais de 10 anos fechados e esquecidos.

O fato é que, agora sim em um momento em que a Barbie já havia se tornado um ícone fascista, a câmera me apareceu com um brilho especial em uma gaveta de tralhas. Então, no início de 2020, decidi que o carnaval seria registrado analogicamente pelas lentes dela. E aí começou a tour.

Quando levei a câmera para a lojinha de artigos de fotografia, localizada na Rua da Bahia, no centro de BH, a atendente — que não conseguiu segurar a expressão de “que câmera de brinquedo é essa, querida?” — me disse que provavelmente ela funcionaria. Então me agarrei ao otimismo, que nem mesmo a vendedora sustentava, e paguei com o resto do meu dinheiro um filme de 36 fotos.

Então o carnaval chegou. As fantasias estavam prontas e planejadas para cada dia, assim como os blocos em uma página de caderno. Aquela ansiedade que antecede a melhor época do ano — e que, talvez, corrobora com esse rótulo — já estava instaurada.

O bloco da sexta-feira era à noite e marcou um início épico. Do lado do trio elétrico, eu e meus amigos nos expremíamos na multidão, levando mangueirada e cantando os axés mais clássicos. Ronaldinho Gaúcho apareceu no trio e eu jurei que ele me deu tchau e que era de fato o jogador, quando na verdade foi um sósia. Mas a verdade não importava tanto ao som de “Mila, mil e uma noites de amor com você”.

A câmera não deu conta de registrar nada desta noite, porque seu flash parou de funcionar. No teste, se foram quatro fotos totalmente pretas. Bom, na verdade, acho que foram registros representativos.

No sábado, como de costume, madruguei para ir ao Então Brilha. No meio da multidão rosa e dourada fui plenamente feliz. Até que, quando o trio chegou bem perto e a aglomeração virou uma pasta homogênea, percebi que meu celular não estava na minha pochete, tinha sido furtado. Sim, foi um drama. Mas o foco aqui é: nesse momento, a câmera da Barbie ganhou uma relevância nova.

Bloco Então Brilha, 22/02/2020

Não era sobre as fotos em si. Era sobre a relevância da câmera de brinquedo ser praticamente o meu único bem naqueles 5 dias. Não que bens materiais sejam relevantes no carnaval, mas meu imaginário sempre guarda um elemento que representa um momento marcante e, sem dúvidas, a câmera representou o carnaval de 2020 em sua totalidade.

Sem celular, sem dinheiro, sem lenço e sem documento, mas com uma câmera de brinquedo e uma cidade inteira para abraçar, registrar analogicamente, dançar e andar até dar calo no pé. Isso tudo acabou sendo um exercício de conhecimento, e o resultado foram fotos imperfeitas e muitas histórias para contar. E assim se criou o selo de qualidade “esse momento merece ser registrado pela câmera da Barbie”.

Viaduto Santa Tereza, 25/02/2020

Para mim, carnaval é sobre o trecho da música Amor de Índio de Beto Guedes: “ser o que for e ser tudo”. Mas, na verdade, queria que todos os dias fossem assim. Quem sabe, se eu passar a fotografar mais nessa câmera velha, a vida se torne um eterno carnaval?

Caso de Elisa Rabelo

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