Minha primeira e última entrevista para a televisão — caso de esquina #1

Elisa Rabelo
esquina bh
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2 min readSep 6, 2020
Centro de BH, anos 80 | Fonte: Fotos Antigas de Belo Horizonte no Facebook

Era um dia qualquer no final da década de 70. O regime militar instaurado em 1964 dava os primeiros passos em seus planos de abertura com a restauração do pluripartidarismo e decretação da lei de anistia.

Eu, naquela época estudante de Engenharia Elétrica da UFMG, havia acabado de fazer uma prova de Mecânica dos Sólidos. Neste período, a escola se localizava em um prédio próximo à Praça da Estação em Belo Horizonte, ou, como dizíamos, no “Baixo Belô”.

Após entregar a prova, segui o trajeto costumeiro, rumando a minha casa, e subi a rua Espirito Santo a pé. Mentalmente, ia refazendo as questões da prova, desconfiado que estava de que a nota não seria suficiente para passar de ano.

Chegando na esquina da avenida Amazonas, totalmente absorto e mergulhado nestes cálculos mentais, não percebi a presença de toda uma equipe de reportagem.

De repente, estava no meio de um círculo formado por transeuntes, com uma câmera apontada para o meu nariz e uma repórter, muito séria, com um microfone intimidador perguntando a minha opinião sobre a possível indicação de Petrônio Portela à sucessão presidencial pelo PDS. Fato que não chegou a ocorrer, já que o ex-senador e então ministro da Justiça indicado pelo presidente João Figueiredo viria a falecer em janeiro de 1980, vítima de ataque cardíaco.

Concluí que aquela situação exigiria uma reposta rápida, inteligente e se possível brilhante. Mas tudo que meu cérebro conseguiu me enviar do meio daquele emaranhado de números, equações, álgebra e cálculo foi: “Não sei…”

O “Não sei…” foi ainda utilizado para responder as duas próximas perguntas. Me pareceu, então, que a repórter desistiu da entrevista. Provavelmente foi em busca de alguém menos alienado.

Continuei subindo a rua Espirito Santo totalmente desiludido com a minha performance, quando, já na esquina com av. Afonso Pena, percebi que tinha ótimas respostas para todas aquelas perguntas.

Me ocorreu então, com uma ponta de tristeza, que tive o azar de ter sido entrevistado uma quadra antes. Se a entrevista tivesse ocorrido na quadra seguinte, já na Afonso Pena, o resultado certamente teria sido diferente.

A entrevista foi ao ar no mesmo dia no noticiário do horário nobre daquela TV. Foi utilizada para ilustrar o resultado de uma pesquisa de opinião que havia identificado uma parcela da população totalmente indiferente àqueles primeiros sinais de transição para a democracia.

Caso enviado por Carlos Rabelo e editado por Elisa Rabelo

O quadro “casos de esquina” conta com a participação dos leitores para a publicação de seus casos cotidianos de vivência em BH. Se quiser participar, entre em contato pelos comentários ou pelas redes sociais relacionadas ao esquina :)

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