Para: Emicida — Correio de esquina #1

Elisa Rabelo
esquina bh
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3 min readDec 13, 2020

Belo Horizonte, ontem.

Te escrevo em primeira pessoa como quem fala consigo mesmo nos últimos cinco minutos do dia, antes de dormir até que o sol só venha depois. Há tempos, acho que mais de um ano, venho pensando, ouvindo podcasts e lendo sobre a experiência solar que seu último álbum me trouxe. Inclusive, nos vimos no Mineirão pouco tempo depois do lançamento, quer dizer, eu te vi. Você viu uma multidão energizada com a potência das suas palavras, dos arranjos dessa cocriação que veio a te dar um Grammy Latino. Eu fazia parte daquelas dezenas de milhares de corpos aglomerados como quem não conhecia um tal de coronavírus. Era 8 de fevereiro.

menção honrosa ao meu amigo Gabriel, essa cabecinha aí na frente.

Hoje, dia 8 de dezembro, muita coisa mudou. Nu. Não sei nem dizer quanta coisa. Eu definitivamente não sou a mesma daquele nosso encontro no Festival Sensacional. Creio que você também não e espero que por aí esteja tudo bem, que suas filhas e esposa estejam com saúde, assim como você.

Eu acabei de assistir o seu documentário “AmarElo: É tudo pra ontem”, lançado hoje mesmo na Netflix. Nessa experiência sensorial catártica, fui transferida a muitas realidades, fui apresentada a gente por quem eu sempre fui grata e nem sabia. E, neste momento, acho que até que enfim consigo traduzir um pouco da experiência desse álbum: ele é potência. Quando digo ele, abarco todas as suas repercussões, interpretações, reconfigurações e recepções. Vejo, através do processo criativo mostrado no documentário paralelamente à influência de pessoas que vieram antes, que você eleva tudo a sua enésima potência. Seja o potencial das pessoas com quem trabalha, as letras, a simbologia de cada escolha comunicacional, etc.

“AmarElo: tudo é pra ontem” está disponível na Netflix | Foto: Twitter

AmarElo (disco) simbolizou, na minha visão, o plantar — ato I — desse novo ciclo que estamos inaugurando. Foi semente que englobou toda uma história e criou raízes resistentes em solo fértil, regado por muita gente. Parece ironia ele ser fruto — ou melhor, semente — de um cenário tão apocalíptico, mas, olhando bem, faz todo sentido. Como em 1922, o seu neo-samba veio dissipar a dor da doença, simbolizar uma nova era. Talvez até escancarar os paradoxos do antropoceno — afinal, já estava passando da hora de gritar pro mundo que todo mundo é um.

Emicida, nesse 2020 eu acreditei muito na ideia de escolher entre ser pessimista ou otimista. E, de certa forma, os otimistas estavam perdendo feio nessa guerra fria. Mas AmarElo, coincidentemente a cor de 2021 escolhida pela Pantone, me mostrou que entre a descrença e a esperança tem tanta potência que, de certa forma, essa dicotomia fica desnecessária. Vi que explorar o potencial das pessoas, do som, da história e dos sentimentos rega — ato II — coisas fortes demais, mesmo que o resultado não seja imediato.

Sim Emicida, tudo é pra ontem. 2021 é para ontem. Amar é para anteontem. Essa carta, independentemente do dia em que é lida, foi para ontem. Porque “todas as nossas chances de consertar os desencontros do passado moram no agora”.

No hoje, seguimos topando qualquer luta pelas pequenas alegrias da vida adulta.

Cordialmente,

Elisa.

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