Para: quem quer uma carta — correio de esquina #2

Elisa Rabelo
esquina bh
Published in
3 min readJun 28, 2021

Tenho pensado muito em para quem endereçar o próximo “correio de esquina” — vulgo um quadro desse projeto que de vez em nunca aparece por aqui. Tenho tido dificuldades, também. Quem seria o destinatário deste fragmento de desabafo? Dessa materialização de um dos milhões de fluxos pensantes da minha mente tão bagunçada? Quem merece tal honra?

Ilustração de Jenya Datsko

Ora, claro que é você. Sim, você que está lendo. Decidi não me martirizar e apenas fazer uma carta para quem quer uma carta, afinal, quem nunca pensou consigo mesmo “poxa, nunca recebi uma carta”? Para ser sincera, não sei se esse é um pensamento recorrente, mas para mim é. Sem querer ser saudosista, acredito que receber uma carta tenha o seu valor.

Se você quer algo tão simples quanto uma carta, presumo que você seja um apreciador das miudezas da vida. Das pequenices mesmo. Da insignificância recheada de significados. Ou significantes. Ou qualquer termo semiótico que você queira adicionar aqui. Acredite, a semiótica cabe em tudo.

Mas voltemos a você. Eu espero que você esteja adicionando significados nas coisas, nesses dias tão difíceis. Agora mesmo eu estava significando alguns sonhos que tive nas noites passadas. Você tem prestado atenção nos seus sonhos? Se não, eu aconselho. A psique pode nos dar dicas importantes, ou deixar a gente meio doido. Ou os dois. Também sugiro que você preste atenção na lua. Ela esteve cheia há três dias, e muito bonita por sinal. O céu limpo de inverno nos tem permitido uma visão bem nítida desse astro que tá perto da gente, acompanhando essa loucura toda.

O que diriam os lunáticos sobre essa bagunça de planeta? Estariam eles acompanhando a CPI do Senado, ou dizendo que é caso perdido? Ultimamente vejo muita gente oscilando entre ter esperança que vai dar em alguma coisa e não esperar mais nada de bom. É, esperança tem sido uma palavra difícil mesmo. Esperança, futuro, expectativas, sonhos. Acho que, como nunca, estamos tendo que pausar o futuro, ainda que isso signifique acelerar o presente. Você também tem achado que o tempo está passando rápido?

Mas, destinatário, tem coisas que passam devagar. Assar um pão, por exemplo. Lavar a louça. Esperar a resposta de um e-mail importante. Revelar fotos analógicas. Ver a lua. Decidir qual filme assistir no streaming.

E já que estamos falando de miudezas e do tempo, aqui vai uma descoberta interessante: na Rússia, existe uma ilha composta apenas por meteorologistas. Pessoas do tempo. Essas pessoas, creio eu, não ousam falar de miudezas. Isso supondo, claro, que a grandeza esteja na precisão da medição dos fenômenos da natureza. E na semiótica. Inclusive, acredito que esses russos têm muito o que nos falar sobre a crise climática.

Fotografia de Evgenia Arbugaeva, para a série “Weather Man”, projeto que retrata a vida do meteorologista Vyacheslav Korotki

Mas, há quem ache que o clima é apenas um detalhe. O que importa mesmo é a CPI. E, afinal, vai dar em alguma coisa?

Destinatário, a não ser que você esteja lendo isso no futuro — aquele que pausamos — creio que você não tenha essa resposta. E nem eu.

São poucas as respostas que tenho tido ultimamente. A vida, afinal, tem sido uma carta destinada a não sei quem. Sem respostas.

--

--