A barreira da linguagem: as dificuldades de imigrantes no Brasil

Sair do país natal requer coragem, mas nada preparou esses imigrantes para as situações a serem enfrentadas

Larissa Lustoza
Published in
6 min readMay 30, 2018

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A venezuelana Yainy Buitrago foi enganada pela atendente de uma loja de roupas e assinou um contrato de novecentos reais por um seguro de vida que não queria. O marido Oscar, argentino, trabalhou sem carteira assinada enquanto o chefe mentia sobre o pagamento do INSS. No banco, o caixa fez venda casada com Yainy e Oscar quando pediram um financiamento para comprar um carro. São problemas que qualquer um pode enfrentar, mas no caso deles, um fator complica mais a situação: são imigrantes.

Há cinco anos vivendo no Brasil, Yainy, 38, veio da Venezuela em busca de um recomeço e porque temia a extrema divisão política no país. O que não esperava era que passaria por situações que a levariam a se questionar se migrar foi uma escolha certa. Na primeira vez que se sentiu enganada, no episódio da loja de roupas, a atendente a convenceu a assinar um contrato que mal conseguia ler por causa do idioma. O documento incluía um seguro de vida do qual ela não precisava e nem pensava em ter.

Por quatro meses, Yainy pagou parcelas do contrato. Ela só conseguiu ter o problema resolvido quando uma aluna do curso de idiomas em que era professora avisou que aquilo era errado. As duas foram para a loja e aluna falou no lugar de Yainy. “Ela chegou e disse: olha o que vocês estão fazendo com ela. Em nenhum momento, negou pagar nenhuma parcela. Isso estava errado, vocês se aproveitaram dela”, a colombo-venezuelana lembra.

Yainy Buitrago, professora de inglês e espanhol em Brasília

Enquanto alguns problemas decorrem da dificuldade do idioma, outros surgem por má informação. No caso do financiamento para o carro, o atendente fez venda casada para forçar a contratação de um seguro de vida. Yainy tinha deixado o marido acertar o financiamento e levou um susto quando recebeu a ligação dele. “Não sei qual o relacionamento, mas é o Brasil. Se minha gerente recomendou, então tá”, Yainy lembra ter pensado.

Mais uma vez, outra aluna que também era advogada viu que se aproveitaram do casal e foi com eles ao banco. Só depois de uma discussão forte é que Yainy e Oscar tiveram o seguro cancelado e conseguiram o financiamento. Mas a lista de problemas não parou por aí. Oscar trabalhava e tinha carteira mas, para o sistema, continuava desempregado. O patrão descontava o INSS do salário, mas nunca colocava no PIS. E,além disso, trabalhava de domingo a domingo, das sete da manhã às sete da noite. “Nós fugimos de um país que estava ruim, mas nós sabíamos lidar com as coisas ruins porque era nosso território”.

Diferentemente da situação de Yainy, Rafael Mauricio Bustamante, 19 anos, é boliviano e veio ao Brasil por causa do trabalho do pai. Ele chegou em 2008 e tinha oito anos de idade. Passou o primeiros anos no Rio de Janeiro e depois se mudou para Brasília. “No começo, a principal diferença e o principal problema era o idioma”. Mas, por ser criança, acabou aprendendo rápido e, hoje, já fala fluentemente.

O único problema que ainda persiste é a documentação. Quando ia à Polícia Federal, ao banco e até ao aeroporto, percebia que as pessoas não sabem lidar com documentos de estrangeiros.

Já o estudante franco-brasileiro Lucas Duque Dutra, 23 anos, teve dificuldades com a língua. Mas esse não foi o único choque que sentiu ao viver em outro país. Como tem família na França, viaja frequentemente para a Europa para ver os familiares. O problema é que se sente deslocado na própria terra natal. “Cada vez que eu volto lá, eu me sinto desatualizado em vários aspectos”.

Curiosamente, quando morou no Rio de Janeiro, Lucas teve contato com turistas franceses, mas ao contrário do esperado não se comunicava tão bem em francês. Parece que a rotina em português afetou a língua materna: “Quando eu ia conversar com eles, não conseguia falar. A gente se comunicava em inglês”.

Lucas conta como é viver no Brasil:

Presente na mídia com mais frequência desde que a crise na Venezuela ficou mais crítica, o termo “refugiado” pode trazer algumas dúvidas. Quando o assunto é migração, a legislação brasileira apresenta três definições: refugiado, imigrante e asilado. Apesar de cada um desses termos ter sido definido por leis diferentes, os três possuem algumas garantias iguais. A especialista em direito internacional, Ana Flávia Velloso, explica que “os direitos de cada um começam pelas liberdades essenciais. São direitos elementares de todos os seres humanos, como o direito à segurança, à intimidade, todas direitos elementares”.

O Ph.D. em Direito Internacional e Relações Internacionais, Renato Zerbini, afirma que "o Brasil possui duas legislações muito vanguardistas tanto na área de refúgio quanto na área migratória em geral”.

Conheça os detalhes neste podcast:

Como dito no podcast acima, o Brasil tem o compromisso de ajudar refugiados. O órgão responsável pelo registro e aceitação dos pedidos de refúgio é o Comitê Nacional para Refugiados (Conare). O coordenador-geral, Bernardo Laferté, conta que o Conare recebe muitos pedidos de refúgio e que o trabalho se tornou complicado.

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“Há um excesso e sobrecarga de trabalho aliado a dificuldade de encontrar o solicitante de refúgio no território. Além disso, os processos estão complexos e muito individualizados. São poucos casos que você consegue aplicar a mesma decisão”. Veja o gráfico abaixo com a quantidade de imigrantes e refugiados no Brasil:

Segundo o coordenador, a quantidade de registros ativos de refugiados significa que eles não têm ainda o estado de refugiado no Brasil, e as razões variam: “Ele [o refugiado] pode ter sido naturalizado brasileiro, retornado ao país de origem, conseguido residência no Brasil, ou até preferido viver como estrangeiro no país ao invés de refugiado”.

No Brasil, não há ainda políticas públicas estruturadas para fornecer educação ou emprego aos refugiados. Mas, Bernardo Laferté conta que “tanto no governo federal, estaduais, municipais e entidades civis estão discutindo o que fazer”. Ainda assim, vê que o apoio da população brasileira é fundamental para dar segurança a essas pessoas que procuram uma nova vida em outro país.

Esta edição da Revista Esquina On-line também traz reportagens sobre a saudade da terra natal após a migração e o êxodo rural.

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