aalex.akira@gmail.com

Diversão, vício e outras fumaças

Alex Akira Peixoto
Esquina On-line
8 min readJun 13, 2017

--

A maconha é muito utilizada de maneira recreativa, e de algum modo ela faz os usuários se sentirem bem. Você já ouviu a explicação deles para o uso? Você já procurou saber o que psicólogos, antropólogos e neurologistas falam sobre o assunto? Você já conversou com um ex-usuário da droga? Na reportagem conseguimos entrar em contato com todos esses personagens e esperamos que ajude a sanar algumas dúvidas frequentes.

Vídeo de apresentação
Reprodução da internet

O consumo da maconha não é recente. A droga era usada por escravos e pelas camadas mais pobres da sociedade. O motivo? Ela era barata e de fácil plantio. O historiador e antropólogo Frederico Tomé explicou que o tabaco e o álcool, por serem comerciais, conseguiram fugir da imagem negativa que as outras drogas tinham.

O jornal "The Telegraph" analisou com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) a quantidade de usuários da maconha, no período de 2000 a 2015. De com a pesquisa, mais de 147 milhões de pessoas fazem o uso da maconha em todo o mundo, atrás apenas do álcool e do tabaco (entre drogas legalizadas e ilegais).

O mapa abaixo, mostra a relação de usuários e habitantes. Quanto mais escuro a relação é maior.

Reprodução: The Telegraph

De acordo com a pesquisa, os países, em proporção, que mais usam a maconha são: Islândia (18,3%), Estados Unidos (16,2%) e Nigéria (14,3%).

No Brasil, a pesquisa mais recente de uso da droga foi feita em 2012, pela Universidade Federal de São Paulo, por meio do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), e constatou que cerca de 7% da população adulta do País já havia experimentado maconha. É possível analisar também que 54% já consumiu bebida alcoólica e 15,6% já usou tabaco.

PESQUISAS

Foto: Harley Alves

A Escola Médica de Harvard e a Universidade Northwestern, ambas norte-americanas, realizaram pesquisas e submeteram usuários a exames de ressonância magnética. Foram divididos dois grupos, o primeiro relatou fumar em média 11 baseados por semana; já o segundo grupo foi de pessoas que usaram a droga menos de cinco vezes na vida. A conclusão foi que o consumo recreativo de cannabis pode estar associado a alterações no sistema de recompensa.

O Centro Médico da Universidade de Pittsburgh e a Universidade Rutgers, também norte-americanas, publicaram na revista científica “Psychology of Addictive Behaviors” que não houve diferenças nas conclusões de saúde mental ou física dos testes realizados, independentemente da quantidade e frequência do uso da maconha durante anos anteriores.

O antropólogo Frederico acredita que a maconha é mais uma entre tantas outras substâncias que são utilizadas, tanto hoje como ao longo do tempo pela sociedade. "Ela está ligada a transcendência, a fuga da realidade, ao bem estar físico, e dependendo de como ela é tratada pode ter um impacto positivo ou ela pode ter um impacto negativo", completou.

Foto: Harley Alves

N o Brasil, o álcool e o cigarro são legalizados e por isso existem mais casos comprovados dos malefícios que da maconha. É o que acredita o neurologista especialista em neurologia endovascular Eduardo Waihrich.

“É difícil falar se o cigarro e a bebida são, realmente, mais maléficas que a maconha. Eu diria que pelo fato de ser legalizado, essas drogas acabam sendo consumidas com muito mais frequência e muito mais intensidade que a maconha e ai você percebe os efeitos devastadores mais facilmente e frequentemente.”

“Nossa sociedade em geral é muito careta. Também já fui. Agora tenho minha opinião e tento conhecer sobre o assunto, diferente de muitos que costumam julgar as pessoas que fumam”, lamentou Rafael*, 26.

“Sou muito discreto e não costumo expor minha vida pessoal para ninguém, mas já sofri difamação em um antigo emprego. Disseram que eu usava maconha no banheiro”, contou Michael*, 27.

"Muitas pessoas acreditam que a existência do crime organizado é, unicamente, culpa do usuário. Mas não percebem que a responsabilidade maior é de quem mantém o sistema, a política proibicionista.", avaliou Manoel*, 27.

O medo em serem descobertos, principalmente por familiares, também é um motivo de preocupação dos usuários.

Foto: Harley Alves

“Não faço da minha vida um livro aberto, e meus pais são contra o uso. Por isso não me exponho para que eles descubram", contou Adenor*, 28.

"Fumo todo dia, mas meus pais não sabem e, com certeza, não reagiriam bem se souberem que fumo", disse Madalena*, 21.

O antropólogo Frederico Tomé acredita que o preconceito que existe com os usuários se deve à política que é feita hoje contra as drogas, e isso torna o uso negativo. “A criminalização desse tipo de substância que torna a sociedade cada vez mais violenta. Isso sim é negativo”, completou.

Já o neurologista adverte que apesar do preconceito que muitos sentem, a maconha pode sim ser a porta de entrada para outras drogas. "O uso de droga já abre espaço para o próximo passo. Geralmente, o indivíduo não começa usando cocaína ou crack. Ele começa usando drogas menos agressivas como a maconha e até lícitas como o álcool e o tabaco", completou.

Reprodução da internet

E m 2014, pesquisadores norte-americanos do National Institute on Drug Abuse constataram que aproximadamente 9% dos usuários ficam dependentes e sofrem crises de abstinência.

A frase acima é do neurologista Eduardo Waihrich. Ele ainda disse que existem dois tipos de dependência: Física e Psiquica. “Na física, o usuário sente falta de determinada substância no corpo, e na psíquica o pensamento é na droga, pelo simples motivo de se sentir bem”.

Neurologista Eduardo Waihrich

Eduardo Waihrich também explicou que foi percebido que os receptores dos canabinóides são ligados ao THC, portanto ocorre a produção de prazer, influência na memória, na concentração, na percepção sensorial e na concentração.

Como explicou o neurologista, a maconha possui o THC como princípio ativo e essa substância trabalha como depressor do sistema nervoso central. No infográfico abaixo apresenta alguns dos pontos do cérebro que são influenciados pelo uso da maconha.

Reprodução: comsaude.com

A psicóloga comportamental cognitiva Adriana Lemgruber explicou que a droga pode tornar o usuário dependente da emoção proporcionada. “O vício pode existir justamente por causa da dependência emocional. Porém, cada usuário possui uma reação diferente”, disse.

O antropólogo Frederico Tomé pensa de maneira semelhante à psicóloga. “Acredito que a droga pode viciar sim. Mas isso não significa que quem usa já é viciado. Há pessoas que usam ocasionalmente, assim como o álcool e o tabaco”, disse.

"Não sou viciado. Até porque não uso frequentemente, mas acho que precisamos desmitificar o que é considerado vício", acredita Manoel, que fuma maconha desde os 17.

Arte: Alex Akira

Existem casos que a internação é necessária. A droga também pode influenciar a vida do usuário de maneira negativa.

Foto: Harley Alves

A psicóloga e o neurologista concordam que o tratamento é de difícil controle. A recuperação é cansativa e, em muitos casos, a falta de confiança ou até mesmo a ansiedade para resultados rápidos pode atrapalhar a reabilitação.

“Não é legal estar em um lugar que toma todas as decisões por você. Hora de comer, o que comer e horário de dormir” Michael, 27 anos

Michael foi internado duas vezes. Para que fizesse as internações, houve uma certa pressão psicológica da família. "A relação com a minha família estava horrível, era discussão o tempo todo", contou.

Porém, Michael admite que a relação melhorou e além dele já entender um pouco do lado dos pais, eles também passaram a mudar o comportamento em relação a ele. "Antes eu queria estar longe de todo mundo, hoje a situação já mudou".

O neurologista Eduardo Waihrich também lembrou que o tratamento não funciona para todos. O programa deve ser adaptado para atender as necessidades de cada viciado. A adaptação pode variar o tempo de internação e o tipo de tratamento aplicado.

Existem tratamentos alternativos, eles são feitos em forma de terapia.

Waihrich aconselha o usuário a acompanhar o tratamento corretamente e ter paciência e confiar no médico. “Procurar soluções milagrosas têm vários riscos, como efeitos colaterais que ainda não foram muito bem mapeados por estudos".

Reprodução da internet

N o Brasil a proposta de legalização da droga está em tramitação na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 7187/14, do deputado Eurico Júnior (PV-RJ), libera o plantio em residências, além do cultivo para o uso medicinal e recreativo.

O antropólogo Frederico acredita que a legalização além de favorecer a diminuição da violência e o enfraquecimento de organizações criminosas que tem no tráfico, pode fornecer ao usuário um entorpecente e uma substancia de melhor qualidade, controlada e taxada pelo Estado. "Com a taxa cobrada pelo Estado é possível fazer campanhas de conscientização ao usuário alertando quanto ao uso", sugeriu.

Frederico também lembrou do nosso vizinho Uruguai. "É um pais que recentemente tem adotado uma politica onde privilegia o plantio e evita, ou tenta evitar, o turismo baseado na maconha", disse.

Reprodução da internet

Através da lei 19.172 (confira o documento) o Uruguai regulamentou a produção, distribuição e venda de cannabis como parte de uma estratégia para minimizar a política de riscos e redução de danos, promover a informação, educação e prevenção uso problemático desse produto.

Reprodução: smokebuddies.com.br

Entenda um pouco a visão do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, sobre a liberação da maconha no País.

Saiba mais?

Foto: Harley Alves

* A pedido dos personagens os nomes utilizados na reportagem são fictícios para preservar suas identidades

Confira a matéria feita para Revista Esquina.

- Texto e edição: Alex Akira

- Fotos e vídeos: Harley Alves

- Produção: Alex Akira e Harley Alves

Você também pode ler todas as reportagens do Esquina-Online

Foto: Harley Alves

--

--