Bianca Cristina
Esquina On-line
Published in
5 min readJun 21, 2017

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A Reconciliação dos Montagues e dos Capuletos sobre os cadáveres de Romeu e Julieta, 1855. Frederick Leighton

Após a Netflix lançar a série “Os treze porquês” em março deste ano, um grande debate foi aberto, pois a muito tempo não se falava tanto sobre o suicídio e suas causas. Mesmo chamando atenção para um assunto que é considerado tabu e que precisa ser discutido, a série despertou a preocupação de profissionais da saúde sobre como o suicídio e outros assuntos como bullying e depressão são abordados na narrativa, e os efeitos que podem causar para quem a assiste.

A história de ficção gira em torno da personagem Hannah Baker, uma adolescente que cometeu suicídio. Na série, a jovem sofre de depressão e um dos catalisadores para a doença é o bullying exacerbado na escola. O sofrimento leva Hannah para o desfecho trágico, e a história é explicada por meio de treze fitas cassetes gravadas pela jovem.

Os temas tratados, a depender do estado emocional de quem a assiste, podem ser como gatilhos para quadros de depressão, bipolaridade e ansiedade, como explica o psicólogo Antônio Monteiro. “Gatilhos são elementos que disparam comportamentos e ações, dentre eles, o suicídio. Esse tipo de série pode servir para ajudar o jovem a refletir sobre o assunto e a quem sabe, se apresentar algum problema sério, buscar ajuda”.

O especialista ainda relaciona o equilíbrio emocional do espectador com a série, e chama atenção para jovens que apresentam maior vulnerabilidade ao tema. Ele cita os principais sinais que podem indicar um comportamento potencialmente suicida. Confira na entrevista com Antônio Monteiro:

Para o psicólogo Antônio Monteiro, pessoas que possuem transtornos psicológicos ou que estão em situação de vulnerabilidade devem manter distância de produções com temas sensíveis, a fim de barrar possíveis tragédias e sofrimentos.

Em contraponto, o psicólogo Felipe Anjos defende a série por ser uma manifestação artística e alternativa de conscientização, pois traz à tona um tema delicado. No vídeo abaixo, ele aborda mais profundamente o conceito de gatilho e conta um pouco sobre a experiência como psicólogo clínico. O especialista também fala da importância de ouvir as pessoas que estão sofrendo e de enfrentar o assunto para mudar a realidade.

Veja também reportagem sobre suicídio e questões de saúde pública nesta edição do Esquina On-line.

Romantização

“Há muitos séculos no Japão, em um período marcado pela sanguinolência das guerras, daimyous, poderosos senhores de terras, e samurais praticavam o Seppuku. Essa prática era louvada por grandes artistas e intelectuais, e constituía-se no suicídio como punição e ao mesmo tempo redenção para guerreiros sem honra no campo de batalha. Com intestinos derramados ou a cabeça decapitada pelo próprio suicida, essa morte era vista como um ato glorioso que foi tema de vários emakis (contos ilustrados similares às literaturas de cordéis). O Seppuku não era visto como cruel ou bárbaro na época, e sim como algo muito nobre. Também era muito comum guerreiros cometerem seppuku ao serem interceptados pelos adversários, a fim de protegerem os segredos militares das mãos inimigas, já que as mesmas poderiam ser extraídas por outros métodos, como a tortura. Essa ação protegia a honra das pessoas que a praticavam, com isso o suicídio foi tratado de forma romantizada, forma esta que se repete em histórias de amor trágicas como a de “Romeu e Julieta.”

Paulo Quênedi, artista plástico em entrevista ao Esquina On-line.

Tristão e Isolda (Morte), 1910. Rogelio de Egusquiza

Sob holofotes

A morte de Madame Bovary, 1883. Albert Fourié

O tema do suicídio sempre foi fonte de inspiração para diferentes obras artísticas. A mais célebre, “Romeu e Julieta”, clássico literário de William Shakespeare, ganhou incontáveis adaptações para o cinema e teatro. “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, “Amor de perdição”, de Camilo Castelo Branco, e da ópera “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner, baseada na lenda medieval homônima, também trouxeram o final suicida para personagens, com o viés do amor trágico.

A tragédia está até mesmo na literatura infantil, com o conto “O Soldadinho de Chumbo”, do escritor dano-norueguês Hans Christian Andersen. Na trama deste conto direcionado para o público infantil é possível notar como o autor capta a morbidez como um elemento de desfecho para a obra. “Andersen tece na morte o ato final para a narrativa, romantizando o fim do casal apaixonado”, explica o artista plástico Paulo Quênedi Souza.

O suicídio tem sido tema recorrente em várias obras audiovisuais e na música. Artistas populares já fizeram canções sobre o tema, como Legião Urbana em “Pais e filhos” e Metallica em “Fade to Black”.

Outro exemplo é o documentário “A Ponte”, do diretor norte-americano Eric Steel. No filme, o diretor flagra pessoas que se atiram do parapeito da ponte Golden Gate, que atravessa a baía de São Francisco.

Segundo Paulo Quênedi, o artista flerta com o inimaginável. “Ele aprecia a subversão da moralidade e enxerga a estética da morbidez. Na morte é possível capturar todos esses elementos”. Poetas como Fernando Pessoa também enxergaram no suicídio um caminho para a arte, como é demonstrado neste trecho do poema “Se Te Queres Matar”:

“Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida, se ousasse matar-me, também me mataria… Ah, se ousares, ousa!”

“O suicídio é uma morte incomum, se observadas as circunstâncias que o compõem. Sendo assim, toda ou qualquer ideação suicida evoca uma carga de subjetividade que inspira qualquer artista”, finaliza Quênedi.

Outras vezes na mídia, os holofotes se voltaram para artistas das mais diversas áreas, ou só evocaram a importância deles algum tempo depois a morte. Em maioria, esses artistas possuíam algum transtorno psicológico e colocaram fim à própria vida, mas não ao legado que construíram. Veja na lista a seguir:

Confira a reportagem “Perigo em ‘Os treze porquês’” para a Revista Esquina:

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