Do picho ao grafite, a intervenção urbana nos muros das cidades

Uma é bem-vinda, a outra é vandalismo?

Mario Henrique Faria Vieira Santa Rosa
Esquina On-line
4 min readJun 11, 2019

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O grafiteiro Atoismo termina um trabalho com os amigos — Foto: Mário Santa Rosa

Manifestações artísticas de rua, a pichação e o grafite são vistos de formas diferentes pela população em geral. O grafite parece ter saído do estereótipo de arte marginalizada e ocupando mais espaços nas galerias de arte, enquanto o picho ainda é visto como ato de vandalismo.

Artistas urbanos como Bansky e os gêmeos tem muitas de suas obras expostas em museus, instalações urbanas que eles acabam fazendo são muitas vezes retiradas dos murros e leiloadas ou expostas em galerias.

Grafite e pichação são duas formas de manifestação artista dentro de uma cultura urbana. Enquanto a primeira e visto como uma forma de arte elaborada e pensada no desenho que sera transmitido, a pichação e vista como rabiscos que tem como função passar mensagens politicas ou marcar territórios.

Segundo a professora e pesquisadora Ursula Diesel, esse fator da separação entre o grafite e a pichação ocorre só no Brasil e em outros poucos países, sendo que em nível geral e mundial tudo é visto como pichação. Para ela, todo ato de se pegar um espaço do ambiente público e se manifestar, independentemente da forma, pode ser visto como pichação. Ainda de acordo com a pesquisadora, toda pichação ou grafite vem da periferia. Por isso, são processos políticos de transgressão, de queixa e de manifestação que registram a existência dessas outras vivências sociais.

“Por isso são consideradas artes marginais, mas que hoje em dia estão sendo assimiladas pela cultura de massa e perdendo seu papel de protesto e de incômodo”, complementa a pesquisadora.

A pichadora Artemis concorda, afirmando que a entrada do grafite na cultura mainstream trouxe esse rompimento com a pichação. Para ela, não existe diferença entre grafite e pichação: “O padrão estético traz essa suposta diferença onde o grafite é visto como bonito e a pichação como feia, vandalizadora.” Ela se utiliza do exemplo do “bomb”, uma técnica de grafite feita rapidamente com uma frase ou o nome da pessoa, que é visto tanto como ilegal e legal dependendo do local feito.

Um exemplo de “bomb”

Mesmo assim a grafiteira Ana, mais conhecida pelo pseudônimo Lumi, acredita que são linguagens diferentes “ O picho está mais relacionado a marcar território. O grafite é mais arte pela arte, esteticamente são diferentes” afirma. Para os leigos tudo é pixação, complementa a grafiteira Ayo. Ela sempre carrega o portfólio para apresentar aos moradores do local onde irá grafitar. “Após mostrarmos as artes eles percebem como o bairro irá ficar mais bonito”. Ainda que exista uma diferença estética entre os dois, a grafiteira comenta que se deve respeitar todas as formas de manifestações artísticas na rua.

Confira o minidoc Mulher grafite, sobre a atuação feminina nesse tipo de intervenção urbana:

A grafiteira Ayo e a pesquisadora e professora Ursula Diesel discutem o papel da mulher no grafite.
Grafiteiro Amoik no Plano Piloto de Brasília — Foto: Mário Santa Rosa

O pesquisador Caio Sato afirma que grafite se propõe mais como forma artística, enquanto pichação é mais um ato de “estar no mundo”, que foge da concepção estética e visual que temos por arte hoje em dia. Por isso, acaba por ser menos aceita socialmente.

Ouça o podcast sobre a discussão a respeito da cultura do grafite e a opinião de diferentes pessoas sobre o tema pelas ruas da região administrativa de Águas Claras, no Distrito Federal:

Apesar da discussão sobre se existe uma diferença ou não nas duas formas de arte, o Governo do Distrito Federal já se decidiu sobre isso e vem tentando criar projetos de lei para oficializar o grafite como arte e a pichação como vandalismo:

A pichadora Artemis acha ridículo, pois “Agora todo policial vai virar crítico de arte”. Como as principais diferenças são “estéticas”, existe um certo entendimento entre os grafiteiros e os pichadores. Rafael, conhecido como Atoismo, afirma que “com o tempo você entende que alguém vai pichar em cima de um grafite seu e você vai grafitar em cima de um picho de alguém, mas deve ter respeito pela arte do outro”. Para Ayo, mesmo sendo uma manifestação de rua, não é legal pichar e grafitar em cima do trabalho de outras pessoas, isso é desrespeito.

Saiba mais sobre a trajetória de vida do grafiteiro Atoismo, assim como sobre a cultura do grafite, na matéria da revista:

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