Histórias do trem
Perto de completar 50 anos, a antiga estação Bernardo Sayão guarda lembranças
O dia era 21 de abril do distante ano de 1968. Na estação Bernardo Sayão havia uma movimentação incomum. Chegavam duas locomotivas, as primeiras de Brasília. Uma vinha de São Paulo. Outra, do Rio de Janeiro. Além da festa dos trens, havia por ali mais uma comemoração: o aniversário de oito anos de Brasília.
Todos queriam tirar fotos. A imprensa em peso estava por lá. As imagens estão hoje no Arquivo Público, como prova daquele momento especial.
Num vídeo da época, um apresentador resume para a TV a situação: “É um grande marco para a economia nacional”. Como trilha sonora, as caixas de som reproduziam a música A banda, de Chico Buarque, grande sucesso da época.
Muitas pessoas guardam a memória daquele dia tão especial. O trem levaria histórias pelo Brasil afora. Uma delas é a de Sebastião Picolo, hoje aposentado. Naquela época, trabalhava como manobrista de uma das composições. Ele havia saído da cidade natal, Pires do Rio, em Goiás, para tentar ingressar na polícia. Mas um primo avisou do concurso para trabalhar na ferrovia e deu certo. “ O trabalho era pesado, mas era bom”, disse o aposentado. Sebastião mora com a esposa em uma das casas construídas na estação Bernardo Sayão para alojar os funcionários.
Outro que trabalhou no trem é Antônio Carlos Cordeiro da Silva, ferroviário há 34 anos. Como Sebastião, o futuro reservou outros caminhos para Cordeiro, como é conhecido. Trabalhador do Banco Nacional, largou a atividade para se tornar um ferroviário. “Não me arrependo. Foi a melhor coisa que já fiz”.
As pessoas que fizeram parte da história do trem que levava passageiros sentem saudade da época. A cabeleireira Eliane de Assis saiu de trem de Pires do Rio, GO, rumo a Brasília. “Seria maravilhoso se voltasse. Que sonho voltar para a minha cidade de trem”, diz Eliane.
Privatização
No final de 1989, o presidente da época, Fernando Collor de Melo (1990–1992), privatizou as ferrovias. Aos poucos, as viagens alegres acabaram. Hoje, o trem transporta cargas agrícolas (soja e milho) e minerais (minério de ferro, manganês, enxofre, cobre, etc). O trem conduz de 20 a 30 vagões e percorre cerca de 300 municípios e nove estados brasileiros.
Situação da malha ferroviária brasileira
“ O Brasil é o único país continental que não tem uma rede de trens regionais para mobilidade urbana”, diz o atual presidente do Metro do Distrito Federal Marcelo Dourado. Nos últimos 50 anos, a malha ferroviária brasileira diminuiu. Antes abrangia cerca de 50 mil quilômetros. Atualmente, tem menos de 30 mil quilômetros.
Os investimentos para a mobilidade da população são feitos em transportes rodoviários. O presidente conta que há estudos e projetos para a revitalização das ferrovias. Porém, depende de autorizações de outros órgãos e agências responsáveis pelo transporte terrestre. “ A implantação da Rede de Trens Regionais (RTR) tem que acontecer imediatamente. O Brasil já perdeu muito tempo com o fato de não construir uma rede de trens de passageiros, de caráter regional.”
Nos dias de hoje, a antiga Bernardo Sayão guarda as memórias da época.Ela está desativada, mas ainda faz parte do percurso do atual trem de cargas. O cenário é diferente. Pichações nas paredes e bancos quebrados, que antes serviam como espera para os passageiros, compõem o cenário de abandono. Os visitantes e pessoas que passam por ali contemplam o lugar.
Estação Saudade- Documentário ( Trailer)
Confira o trailer do documentário “Estação Saudade”, que conta a história do primeiro trem de passageiros de Brasília.