Além da câmara clara

Zilta
Esquina On-line

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Zilta Marinho

Raimundo Nonato, com sorriso fácil, tem um jeito tranquilo. Está ali desde 1980. Começou com máquinas manuais, sem tantos recursos. Em sua cabine de trabalho há um espelho e um painel de fundo claro e outro escuro alternados conforme o objetivo da foto. Um acolchoado servindo de almofada sobre um pequeno armário de ferro faz as vezes de um banco. Na placa que anuncia seu “Foto União” a religiosidade explícita. Ele é um dos mais antigos dos oito fotógrafos lambe-lambes que trabalham na rodoviária do Plano Piloto.

Eram duas horas de uma tarde seca e quente quando fomos conversar com Nonato. A rodoviária do Plano Piloto estava cheia de gente que chegava e partia.

Rodoviária do Plano Piloto de Brasília

Gente que precisava de uma foto 3x4. O negócio ali já foi melhor, explica ele. Depois das máquinas digitais todo mundo fotografa. O barulho surdo, onde todos falam e nada se ouve além de um burburinho, faz parte daquele universo de tantas vozes, sotaques e sons. Um grita oferecendo amendoins, outro compra ouro, um terceiro vende acessórios para celular. Todos irregulares, movimentando suas banquinhas conforme caminha a fiscalização. As escadas rolantes apinhadas levavam gente de uma plataforma à outra. Um casal se beija apaixonadamente enquanto uma mulher vende flores.

Nonato, a vontade, conta causos, lembranças e lamentos. Aquilo é sua vida, ali o seu lugar como diria mais tarde, “com muito orgulho”. Assim como ele, Thiago Brandão, terceira geração de fotógrafos lambe-lambe da família, passa o dia na rodoviária do Plano Piloto. Perto dali, na 302 Norte, fica Fernando Bizerra que começou como Lambe-lambe aos nove anos ajudando o pai a fotografar os candangos que chegavam na antiga Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante.

Raimundo Nonato aos 66 anos, mais da metade deles fotografando. Fernando Bizerra 67, quase a vida toda entre filmes e máquinas e Thiago Brandão, na casa dos 20, assume aos poucos o negócio do pai. Todos, orgulhosos de sua trajetória, tinham muitas histórias para contar, como mostramos no documentário Vidas em 3x4:

Nossos três personagens foram unânimes em afirmar que é preciso um contrato para uma boa foto. Não um desses impressos e assinados, mas o que é feito pelo olhar. É nisso que se baseia a relação de confiança entre o fotógrafo e o fotografado. É uma experiência subjetiva essa de olhar e ser olhado, que pode ser um incômodo ou um prazer. Se o olhar for hesitante, a relação não se estabelece plena.

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Os registros em imagens sempre foram importantes para contar a história da humanidade. Primeiro com pinturas em cavernas, paredes, depois em telas. Com o avanço da ciência e os estudos sobre ótica, foram desenvolvidas as primeiras câmeras fotográficas mecânicas. Hoje, na era da imagem digital há diversos outros recursos.

Claudemir Bezerra quando começou como lambe lambe. (arquivo pessoal)

Mas antes dessas máquinas, as imagens já eram construídas não só pela pintura, mas também pelas palavras. Autores clássicos descrevem cenários com tal detalhamento que é possível vê-los. Clarice Lispector integra esse seleto grupo de grandes fotógrafos da alma humana que usa as palavras como instrumento para transmitir a imagem. Aqui voltamos a outra dimensão do registro fotográfico, que também está relacionado com o universo do lambe-lambe e do “contrato” que se estabelece entre o fotógrafo e o fotografado.

Clique e ouça um papo superinteressante com a professora e doutora em semiologia Cláudia Busato e com o fotógrafo Lourenço Cardoso que é também antropólogo e professor.

Saiba mais sobre o encantamento do rosto.

Fernando Bizerra matando a saudade dos tempos de lambe lambe em foto de Ruth de Souza (arquivo pessoal)

O universo da fotografia continua em evolução, mas Fernando Bizerra mantém um pequeno museu com os equipamentos que usou. São várias gerações de máquinas, muitos slides e fotos com registros de momentos importantes. Num tempo em que os textos eram enviados para as agências por código Morse, Bizerra usava aviões mandando as fotos da cidade em construção para serem reveladas nas grandes capitais. Mais tarde, já com sua agência montada, tornou-se correspondente de vários veículos de comunicação e adquiriu equipamentos capazes de transmitir a imagem para qualquer destino.

Os primeiros fotógrafos foram os responsáveis por eternizar instantes significativos da história como, por exemplo, a guerra do Paraguai. O olhar deles revelou muita coisa que era distante da realidade do dia a dia da maioria das pessoas. Sobre o registro da imagem para o jornalismo, fui conversar com o fotojornalista Alan Marques. Ouça o que ele diz:

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