Luta Antimanicomial: de Simão Bacamarte aos dias atuais

Lucas Santin
Esquina On-line
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3 min readNov 16, 2017
28.03.2003. Crédito Ministério Público do DF/Divulgação.

Por Lucas Santin e Paulo Gonçalves

O médico Simão Bacamarte cria um hospício chamado Casa Verde para acolher pacientes com sofrimento psíquico. Porém, suas teorias sobre a loucura saem do controle e ele começa a internar a qualquer pessoa, mesmo que não haja diagnóstico. Ironicamente, a narrativa do conto O Alienista (1882), de Machado de Assis, segue a prática vista na história dos manicômios brasileiros.

O mesmo aconteceu no Hospital Colônia, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais: “esse lugar acabou recebendo todo tipo de pessoas: negros, pobres, homossexuais, militantes políticos, meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento, todo tipo de indesejável social passou a ser candidato a ser encaminhado para lá. Inclusive os chamados ‘insanos’”, afirma Daniela Arbex, autora do livro O Holocausto Brasileiro, sobre o assunto.

O discurso original para a criação dos hospitais psiquiátricos não era de exclusão, mas sim de cuidado. O médico francês Philippe Pinel foi o primeiro a separar os loucos dos criminosos. O problema é que a prática levou aos grandes manicômios superlotados e com técnicas desumanas no tratamento. O dia 18 de maio de 1987 marca início da luta antimanicomial no Brasil. Nessa época, começa a ser implantado o sistema substitutivo, com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Existiram no Brasil pelo menos cinco grandes manicômios. Pedro II, o primeiro manicômio oficial do Brasil (fundado em 1852), a Colônia Juliano Moreira e o Philippe Pinel, todos no Rio de Janeiro. Em São Paulo, O Juqueri, que foi o hospital psiquiátrico brasileiro que passou mais tempo ativo.

A superlotação é uma constante na história dos manicômios. O hospital Pedro II tinha capacidade para 350 pacientes, mas chegou à marca de 3 mil. A Colônia Juliano Moreira recebeu, em 1944, todos os pacientes do Pedro II, que foi fechado. O Juqueri, em São Paulo, chegou a abrigar entre 16 e 20 mil pacientes entre 1970 e 80. O Hospital Colônia surpreende não pelo número de pacientes, mas pelo número de mortes, mais de 60 mil durante os 80 anos de funcionamento do manicômio.

Atualmente, nenhum desses manicômios funciona. Os que não foram fechados, hoje, operam com a lógica do serviço substitutivo. A Rede de Apoio Psicossocial (RAPS) começou a ser implantada no país desde 1987, com a criação dos primeiros Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Entretanto, no DF, o primeiro centro — especializado em transtornos causados por uso de álcool e outras drogas — só foi criado em 2005, no Guará. De acordo com a Secretaria de Saúde, existem apenas 17 CAPS no DF e até hoje não há Residências Terapêuticas.

A intenção da RAPS é extinguir os hospitais psiquiátricos. Com a rede implantada de maneira correta, hospitais como o São Vicente de Paulo (HSVP), por exemplo, serão obsoletos. Isso porque haverá CAPS 3 e Residências Terapêuticas, que poderão atender pacientes em crise 24 horas por dia e leitos para pacientes que não têm família nem onde ficar.

A psicóloga Tânia Inessa brinca sobre uma sociedade sem manicômios: “Eu ainda espero, ainda em vida, poder dizer pros meus netos ‘meu filho, na minha época existia uma instituição chamada hospital psiquiátrico que era um horror. Como é que alguém pode ter achado que isso era uma boa ideia? Isso não é jeito de cuidar?’”, e complementa que, segundo as experiências, a liberdade é terapêutica.

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