Música de rua: palco e inspiração

As ruas são espaço para debate e trocas culturais

Bruno Santa Rita
Esquina On-line
5 min readJun 6, 2018

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O espaço das ruas sempre foi ocupado por pessoas que espalham arte, seja ela sonora, visual ou cênica. Por outro lado, também servem de inspiração para as composições de alguns músicos. Com a capital do Brasil não seria diferente. Embora haja problemas dos artistas com a Lei do Silêncio, a cidade recebe várias formas musicais de expressão na rua.

Um dos casos que ilustram a intervenção cultural das ruas de Brasília é o grupo “Vai Tomar no Cover’’ . Como o nome já diz, a proposta é trazer música autoral itinerante para as ruas do DF. Agora, o projeto expandiu-se e alcançou, inclusive, outras cidades do país, como o Rio de Janeiro.

Movimento “Vai tomar no cover” chega ao Rio de Janeiro e recebe a banda The Snow Twins. Foto: Lawrin Ritter/divulgação

Para o presidente da ONG Apenas Um Rock , Armin Reinehr, as ruas sempre foram um espaço para protestos de artistas do gênero rock, em Brasília. ‘’Eu acho que a música de rua é o jeito mais fácil de se disseminar a cultura’’, afirma. Ele entende que muita gente se incomoda com os músicos itinerantes, mas também enxerga esse tipo de manifestação como uma forma de lazer inerente à sociedade.

Sobre o Vai Tomar no Cover, Reinehr explica que a ideologia do grupo vai ao encontro da proposta da ONG — que busca fomentar o cenário cultural do rock da cidade. No caso da Apenas um Rock, não só pela utilização das ruas como palco. Também é oferecido apoio de infraestrutura para os “rockeiros” no que tange assessoria de imprensa, planejamento de shows, produção de conteúdo imagético e redes sociais.

“A ideia do Vai Tomar no Cover é justamente criticar os espaços destinados à música cover, que acabam com o espaço das músicas daqui. Então, eles iam para as portas dos shows covers tocar na entrada. A música de rua aqui é muito mais manifestação do que só propagação de cultura’’, Armin Reinehr.

O presidente da ONG critica que faltam espaços culturais na cidade. Segundo ele, é muito difícil para pequenos agentes conseguir pautas em locais como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e isso as força a irem para as casas de show privadas, que visam principalmente o lucro. "Os donos dessa casa não estão muito preocupados com quem é a atração. Eles querem saber se a casa vai lotar ou não’’, critica.

Outro fator que constrange a cultura noturna da cidade, segundo Reinehr, é a questão da lei do silêncio. “Eu acho a lei do silêncio horrível. Ela está impedindo que coisas boas aconteça. As pessoas que saem tarde da aula, não conseguem aproveitar um show’’, lamenta. Ele também lembra que a lei acaba por atrapalhar não só a cultura, mas as manifestações.

Aventura

O Trio Gravitante foi às ruas da Suíça com cantigas populares e influências celta. Foto: Arquivo pessoal.

Ahistória da música itinerante de Brasília não gira em torno apenas das manifestações do rock. Outros músicos passam tardes em pontos estratégicos da cidade, como a Rodoviária do Plano Piloto, o Conjunto Nacional, dentre outros. Há também grupos que se aventuram de bar em bar para arrecadar dinheiro e comprar passagens para as terras estrangeiras.

Esse é o caso do grupo O Gravitante, composto por Milton Tosta Leite (Tararau), Antônio Suassuna (Tom) e Matheus Aguiar. O grupo ganhou as ruas com cantigas inspiradas na música celta e música popular brasileira. Eles costumam encantar as pessoas com o clássico “Scarborough Fair”, de Simon & Garfunkel, dentre outras canções clássicas.

Confira entrevista com o vocalista e violonista do grupo, Tararau:

O percussionista do grupo, Matheus Aguiar, explica que o valor que o músico de rua recebe em cada um dos países que ele visitou é diferente. “O valor dado na Europa é maior. Aqui eu fico meio triste com o valor que recebemos”, lamenta. Ele explica que o artista, em si, já é desvalorizado e que isso se agrave quando a vertente é itinerante.

Porém ele explica a visão do público. Muitas vezes, as pessoas realmente querem ajudar e aproveitar a música tocada, além de interagir com os músicos.

“Como eu vim de um cenário de banda de rock e fui para a música de rua, percebi que são coisas bem diferentes. O contato com o povo que passa é muito gostoso. É muito bonito esse tipo de relação que a gente cria com o público”, Matheus Aguiar.

“Eu vejo como profissão mesmo”, comemora. Aguiar explica que, por cerca de dois anos, a música de rua foi a forma que ele encontrou de levantar dinheiro para as atividades pessoais, pois os estágios do curso de psicologia não são remunerados. Então, o que garantia um conforto era o trabalho musical.

Segundo o musicologista Luiz Roberto, a área pública se configura como ciberespaço dinâmico, que pode comportar uma diversidade de interpretações variadas dos artistas. Conheça algumas canções que ficaram famosas nas vozes de outros intérpretes:

O documentário “Sons da rua” mostra a visão dos músicos itinerantes brasilienses sobre o espaço oferecido na capital do Brasil:

A discussão do assunto também se estende ao debate sobre preconceito, lei do silêncio e cobertura jornalística. Confira o podcast com o musicologista Luiz Roberto, a subeditora da revista Traços, Fábia Pessoa e o músico e engenheiro de som Torres de Mello:

Construção que inspira

As curvas arquitetônicas de Brasília e a peculiaridade da construção da cidade foram informações cruciais para a construção do álbum “Modinha”, em processo de produção, do artista Torres de Mello. Ele explicou que, além da temática das letras, a estética sonora que ele aplica nas gravações representa algumas características da cidade.

“Eu fui na catedral e outras igrejas bater palmas para medir o tempo de reverberação delas. Com isso, fiz o efeito de ‘reverb’ nas minhas músicas”, Torres de Mello.

A capa do álbum “Modinha” foi um presente de um amigo próximo que inspirou o conceito e a idealização da obra

A capa do álbum foi produzida pelo artista inglês Lou Stanley, amigo de longa data de Torres de Mello. Então, Stanley resolveu presentear o músico com um desenho. Torres de Mello decidiu utilizar a arte como capa.

“O desenho veio antes da ideia do álbum, propriamente dito. Me inspirou a fazer o conceito e a estética sonora”, Torres de Mello

Ele construiu uma mitologia sobre a cidade que dá base para o álbum. A ideia, segundo ele, é trabalhar com imagens colossais — que remetem à arquitetura de Brasília — e os homúnculos, que seriam algo parecido com uma caricatura do ser brasiliense. “Eu me inspirei no Abaporu, de Tarsila do Amaral para escrever sobre os homúnculos”, explica.

Torres de Mello também apoiou-se na literatura para colher informações para o álbum. Mergulhado em Nicolas Behr e outros escritores de Brasília que falam sobre a cidade, o artista passou cerca de um mês apenas lendo conteúdos para, enfim, dar início ao processo de composição e gravação da obra. Ele também é engenheiro de som, o que possibilita um processo diferenciado de produção musical. “Eu componho as músicas enquanto as gravo”, informa.

Conheça o álbum “Quem Sabe”, de Torres de Mello:

Saiba mais sobre a vida de Tararau pelas ruas de Brasília, na reportagem da Revista Esquina:

Em Brasília, movimentos de rua, coletivos, ganham espaço e se tornam a resistência de outro gênero musical, o Techno. Confira aqui.

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