Jornalismo e memória

Amanda Azevedo Meirelis
Esquina On-line
Published in
3 min readAug 30, 2019

Comentar, curtir e compartilhar são suas primeiras marcas no jornalismo

Amanda Meirelis e Samara Schwingel

O ser humano começou a criar memórias artificiais bem antes da era digital. No período Neolítico, um de nossos ancestrais riscou uma pedra na outra, gostou do que viu e então começou a deixar marcas de existência. Outras técnicas como pinturas rupestres possibilitaram o compartilhamento da memória. E, até os dias atuais, continuamos a criar lugares de memória.

Sendo a criação de ‘lugares de memória’ uma forma de estender os registros humanos além daquilo que é passado oralmente, o jornalismo ocupa um papel relevante desde a Modernidade. Estudar aquilo que foi ou não publicado auxilia pesquisadores a reconstruir a história. Jornais eram espaços de produção da atualidade, agendamento imediato, de testemunhos e produtores de repositórios de registros do cotidiano.

Ao analisar o passado das produções jornalísticas, é preciso dar ouvidos ao “clamor popular” quando dizem que jornalismo não tem passado, pois ele consiste na construção da memória. Um passado que se renova a cada dia, com relatos contínuos do cotidiano por vários pontos de vista. Consequentemente, a externalização da memória é múltipla, coletiva, plural e individualizada.

Outras utilidades

Não pense que a criação de memória é uma ferramenta usada apenas por historiadores que buscam conhecer o passado. Em diversas produções jornalísticas, o acionamento da memória serve para: matérias de caráter comemorativo, obituários, em reportagens-sínteses, nas tradicionais retrospectivas e, sim, nas produções de atualidade – e de modo quase natural nesta última.

Memória na internet

Após o advento das redes, a forma de consumir e produzir informação se dá por polos de alternância e não, necessariamente, de permanência. Marcos Palácios, em capítulo sobre memória no livro “Webjornalismo-7 características que marcam a diferença”, explica que para propósitos práticos, as redes digitais disponibilizam espaço virtualmente ilimitado. A informação pode ser produzida, recuperada, associada e colocada à disposição dos públicos-alvos visados.

Com o espaço disponível na rede e a facilidade de produzir “notícias”, cada pessoa pode se tornar um produtor potencial de memória e testemunhos. E cada registro pode sobreviver mais que os respectivos produtores – assim como as pinturas em pedras.

As memórias jornalísticas se tornaram fáceis de pesquisar, guardar e, ainda, múltiplas. Palácios afirma que:

“Em outras palavras, além do incremento do uso da memória como ferramenta narrativa pelos produtores de informação jornalística, um processo de empowerment está ocorrendo no que diz respeito à construção de contextos para as notícias por parte do próprio usuário através da memória arquivada e os conteúdos das bases de dados à sua disposição.”

Consequências

Obviamente, a digitalização da informação e da memória faz com que a rotina das redações e os modelos de negócios incorporem as novas formas de produzir e armazenar informações na rotina. Além disso, é preciso revisar a forma de interagir com o público e com o produto jornalístico (as novas narrativas).

Comentários

Com o ciberjornalismo, os comentários de leitores passaram a ter o valor de anotações de margem, no sentido físico do termo. Tudo que envolve os comentários se torna importante: aquilo que foi comentado e, principalmente, aquilo que foi silenciado. Além disso, o valor semântico, ou seja, o contexto em que os comentários estão inseridos tem alto valor histórico.

É diferente das ‘Cartas ao Leitor’, comuns em jornais impressos. Há a possibilidade de se manifestar em anônimo, característica que empodera o público – apesar de ser ferramenta que, talvez, esteja com os dias contados.

--

--