As mulheres por trás da mulher
Conheça um pouco das histórias das mulheres que inspiram Gina Ponte Vieira de Albuquerque
Gina é a criadora do Mulheres Inspiradoras, um projeto escolar dividido em três partes. A primeira consiste na apresentação de livros de autoria feminina aos alunos: Carolina Maria de Jesus, Irena Sendler, Malala, Maria da Penha, Nise da Silveira e Cristiane Sobral. E aqui, você, leitor, irá conhecer um pouco mais sobre algumas destas mulheres.
Vamos começar com a já conhecida por todos, Maria da Penha. Ela era casada com um homem que estava com ela por puro interesse. Ele mesmo simulou um assalto na casa onde os dois moravam, e atirou na esposa enquanto ela dormia. Maria sobreviveu, mas perdeu os movimentos das pernas. Quando saiu do hospital, o marido proibiu que a família fosse vê-la. Ela dependia dele para tudo: alimentar-se, tomar banho, trocar de roupa, locomover-se... Um dia, na hora do banho, Maria percebeu que ele pretendia matá-la eletrocutada, e conseguiu escapar. Hoje, a proteção Lei Maria da Penha existe para proteger a segurança da mulher.
Para conhecer a história de Gina em detalhes, leia a reportagem da Revista Esquina.
Nise da Silveira estudou medicina em 1962 , e era a única mulher da turma de 156 homens. “Tentaram convencê-la a desistir do curso”, conta Gina. “Disseram ‘você não vai dar conta, isso não é coisa de mulher. É coisa para homem’.” E contrariando a tudo e a todos, ela fez medicina. Formou-se em psiquiatria e reinventou o ramo. “Hoje, a psiquiatria se divide em antes e depois de Nise da Silveira”, conta Gina. “Foi ela quem acabou com os tratamentos que representavam violação de direito, como o uso exagerado de eletrochoque, medicação psicotrópica e outras coisas.”
Carolina Maria de Jesus nasceu em Minas Gerais, mas teve de fugir para o Morro do Canindé, em São Paulo. Estudou só até a segunda série primária, porque não havia escola na região onde morava. Cuidou dos três filhos sozinha, porque nenhum dos pais quis assumi-los, e se tornou catadora de lixo. No trabalho, ela achava livros, cadernos, estudava por meio deles. A situação de pobreza na qual ela vivia, era tão absurda, que Carolina teve pensou muitas vezes em suicídio. Para não se matar, começou a escrever. Todos os dias, ela anotava em um caderno velho o que acontecia com ela (assim como a Gina).
Um dia, um jornalista foi para o Morro do Canindé produzir uma reportagem. Carolina, que era uma mulher muito atenta, estava discutindo com o repórter, que tinha invadido o parquinho das crianças e disse a ele, “se você fizer isso que você está fazendo, eu vou colocar seu nome no meu livro”. Ele ficou sem entender como uma mulher naquele lugar e naquelas condições tinha um livro e foi atrás para saber quem era ela. Ele foi ao barraco dela, olhou as anotações, ficou impressionado e transformou em um livro, hoje best-seller.
Na época, a primeira edição vendeu mais de 100 mil exemplares. Um dos livros foi traduzido na França antes de ser publicado no Brasil. Ela, no lugar de mulher negra, favelada, semi-alfabetizada, escreveu seu nome na história da literatura brasileira e deu voz a quem nunca era ouvido: os favelados.
Cristiane Sobral nasceu no Rio de Janeiro, em um bairro chamado Coqueiros. Ela é escritora, atriz, diretora e professora de teatro e mãe. Veio morar em Brasília no início dos anos 1990 e costuma dizer que divide a identidade entre o Rio e a Capital, cidade escolhida para viver. Ainda na infância, Cristiane já tinha o desejo de ser escritora. “Eu sempre fui muito apegada com a leitura, desde o meu processo de alfabetização. Fiquei encantada com o universo das letras e ali ainda nessa temeridade, eu comecei a pensar nas possibilidades de trabalhar profissionalmente como escritora”, relata ela.
No passar do tempo, foi fortalecendo essa minha perspectiva de colocar o meu ponto de vista tanto na literatura, como no teatro, em função do desejo de escrever histórias que representassem o povo negro, que representassem o universo feminino e que fossem contadas a partir do nosso ponto de vista, do meu ponto de vista enquanto mulher negra, mulher brasileira e isso me pautou.
“Não vou mais lavar os pratos” é o título desta obra que levou uma moça a procurar Cristiane para pedir um autógrafo em São Paulo. “Ela me relatou que quando leu minha obra, trabalhava como empregada doméstica, e que aquele livro foi muito impactante”, é assim que a escritora começa a história.
A leitora era mãe solteira, com quatro filhos, que trabalhava em uma residência de luxo na Capital Paulista. Os patrões não permitiam que ela frequentasse a escola e ainda faziam com que ela dormisse na casa, deixando os filhos sozinhos para poder trabalhar.
“No momento que ela leu a obra, ela sentou no chão, começou a chorar e fazer uma revisão de vida. Decidiu que iria abandonar aquele emprego para poder voltar a estudar e fazer alguma coisa diferente daquilo que ela estava fazendo. Ela esperou o patrão chegar e com muita humildade foi pedindo desculpas, agradecendo por tudo que ela tinha recebido daquela família e pedindo a demissão”, Cristiane narra a história da ex-empregada, que se surpreendeu com a resposta do patrão, que foi a pior possível.
Segundo a escritora, a mulher contou que ele a humilhou. Disse que ela poderia sim estudar os manuais dos aparelhos eletrodomésticos, que ela era como um animal de estimação para a família e que achava muito triste perdê-la. E como se não fosse suficiente falou mais, “que, se ela fosse trabalhar, ela teria que fazer um currículo e ele achava que isso não seria possível, porque o currículo teria que ter uma foto 3x4, e o cabelo dela era muito feio, ela era muito feia, segundo ele, não caberia numa foto 3x4”, conta Cristiane, indignada.
A tal moça saiu da casa deste homem terrível de cabeça erguida. Foi atrás do que ela queria, conseguiu fazer um pré-vestibular oferecido para a população negra e pobre e começou a estudar. Segundo Cristiane Sobral, chegou um momento da conversa que, ela parou de falar, abriu a bolsa, tirou um cartão de visitas e a entregou. “Estava escrito o nome completo, ‘advogada’ e o número da Ordem dos Advogados do Brasil.”
A história desta mulher mostrou para Cristiane a importância do que ela escreve, desse tipo de representatividade, desse outro olhar para a história das mulheres negras e periférica. “Eu sempre gosto de compartilhar e eu deixo aqui como uma mensagem de esperança, uma mensagem de luta. Ainda temos muito a trabalhar, mas estamos aqui, estamos de pé.”
Pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), evidenciam a tamanha desigualdade de gênero presente no mercado de trabalho. Os dados de tais estudos estão explicados nos infográficos abaixo.
Note que as únicas categorias em que a porcentagem de mulheres é mais alta que a dos homens, são as de desemprego e assalariamento. De resto, os homens são sempre maioria ou recebem mais, no caso do rendimento médio mensal, que difere em cerca de quase R$500.
Já no infográfico seguinte, são apenas dois dados que mostram o claro contraste entre os gêneros. Os homens estão presentes em maior números nos cargos gerenciais, mas as mulheres são quem trabalha mais, em questão de horas de trabalho.
Sobre essas lutas das mulheres negras e brancas, ouça o podcast abaixo que aborda como é ser mulher no mercado de trabalho. Especialistas e mulheres discutem as dificuldades enfrentadas no dia a dia. Ouça abaixo:
Cristiane tem um recado importante para toda a sociedade: é preciso esquecer as ideias produzidas pelo preconceito geral e olhar o mundo com “lentes” mais humanas.