Torcidas organizadas: Elas também querem ser protagonistas

Gabriel Goulart Lima
Esquina On-line
Published in
6 min readNov 16, 2017

A presença das torcidas organizadas ainda é contestada, mas você sabia que elas inspiraram o termo torcida? A presença da mulher inspirou, embora muitos não saibam, a própria palavra torcida. Segundo Bernardo Borges, sociólogo esportivo, essa é uma palavra de origem brasileira.

“Nos anos 20, a imprensa começou a perceber que as mulheres da tribuna torciam a luva, um lenço nos momentos mais emocionantes dos jogos. Então, essa é uma palavra que foi cunhada atribuindo-a a um comportamento feminino no estádios”

Tradicionalmente, as mulheres já faziam parte das torcidas, como as tias, como eram chamada as líderes de torcidas, ou a “Filhinha”, que era uma torcedora que estava sempre presente nos estádios e que era conhecida por todos por ali. Esse ano também ficou marcado pelo primeiro encontro nacional de mulheres de arquibancada, que contou com 300 mulheres, no museu do futebol, para discutirem a representatividade da mulher nas torcidas organizadas. Segundo ele, as primeiras gerações de torcidas organizadas traziam as mulheres como foco.

“Nos anos 40 foram criadas as primeiras torcidas organizadas, as primeiras geração de torcidas organizadas e, por exemplo, a torcida organizada do Vasco, a TOV, que existe até hoje, mais de 70 anos de existência ela foi fundada por mulheres que iam com saia, com mulheres que iam com adereços que faziam alusão ao vasco, mas eram mulheres”, Bernardo Borges

Apesar disso, a história das mulheres no futebol é complicada desde sempre. No ano de 1941, o então Presidente da república Getúlio Vargas instituiu, por meio de um decreto, que as mulheres não poderiam participar de desportos. Vinte e quatro anos mais tarde, em 1965, foi a vez do então presidente do Conselho Nacional de Desportos, General Eloy Massey, de reforçar essa proibição. O argumento? A fisiologia feminina. Para eles, e outros, qualquer esporte em que se tinha o contato como algo comum, poderia ser prejudicial, afetar a gravidez. E assim se seguiu por quase três décadas, quando os tratados caíram e as mulheres, finalmente, puderam aderir ao esporte.

Para Borges, essa situação não é só dentro de campo. “Evidentemente que isso tem toda uma correlação com o lugar da mulher na sociedade, não tem como avaliar o contexto futebol/torcida organizada sem analisar um contexto maior”. Para ele, o futebol sempre envolveu um processo de masculinidade, de virilidade, comandado, na maior parte das vezes, pelos homens da família. As raízes históricas se prenderam ao machismo, que não davam valor às mulheres que marcavam presença nos estádios. “Sempre foi uma preferência masculina e isso fez com que a gente visse arquibancadas com 90% de homens. Quando você vê uma mulher sozinha em estádio, elas eram inclusive ofendidas com coros, com gritos ofensivos, com palavras de baixo calão e isso tem mudado nos últimos anos, mas não se pode negar que é uma marca”. Embora lento, esse processo vem mudando com o tempo.

“Nós podemos dizer que nos últimos anos, nas últimas décadas, isso tem sido um pouco mais balanceado e tem havido um crescente interesse de mulheres em assistir futebol e isso reflete em um aumento um pouco mais substantivo da presença de mulheres nos jogos”, Bernardo Borges

E, mesmo com tantas dificuldades, você sabe porque as mulheres buscam entrar nas torcidas? “Primeiro porque o vínculo com a torcida organizada é uma dupla afiliação, você se identifica com o clube e no interior desse clube há uma sub identidade que é a torcida organizada. A torcida traz uma série de elementos que vem do próprio esporte”. Segundo ele, traz sociabilidade, a possibilidade de você criar vínculos coletivos, compartilhar experiências, viver uma emoção relacionada ao futebol que não ocupa só os 90 minutos que duram uma partida, mas envolve preparações, deslocamentos, viagens, ou seja, uma série de elementos que gira em torno do pertencimento clubístico. “A grosso modo ele compete a um estilo de vida, uma atração, você eventualmente já gosta de futebol, começa a frequentar o estádio, se torna um hábito e você vê que esse hábito é compartilhado por um grupo e esse grupo te dá a receptividade, te dá amizades, te dá inimizades também, te coloca em prol de uma série de coisas que seja atraente para você naquele momento”, finalizou.

O que se pode ver, com essa experiência, é que as mulheres estão cada vez mais inseridas nas torcidas. Elas já não tem mais aquela proibição de balançar o bandeirão ou de participarem da bateria.

É a vez delas contarem um pouco de suas histórias

O Brasil vive um momento de militância muito forte. A mulher luta, em todas as instâncias, para ganhar espaço, voz e respeito. No futebol não é diferente. Nas quatro linhas, elas sofrem, também, para estarem do lado de fora, organizadas com bandeirões e na batucada, como os homens. O número delas cresce, porém, o preconceito ainda é grande. “Você sabe o que é impedimento?” ou “Você só está aqui para ver os jogadores”, ainda são questionadas. Isso começou a mudar.

Em Brasília, há algumas torcidas organizadas. Nelas, mulheres que lutam por reconhecimento seja em âmbito familiar, seja no âmbito da própria torcida. No Gama, Allyne Freitas e Karlane Gomes representam as mulheres. No Brasiliense, Hapoliane Nascimento. No Luziânia, Ingrid Tauana, Tereza Raquel e Sheila Aparecida. Na Capital, também está presente um núcleo de 25 mulheres da torcida Raça Rubro Negra do Flamengo, o Comando Feminino. Em uma conversa descontraída, o Comando Feminino do Distrito Federal, torcida feminina do Flamengo, é um dos exemplos de que a mulher tem que se impor.

Elas adquiriram tanta força na torcida que bateram de frente até em relação ao mascote. Elas não ficam para trás no quesito organização e fanatismo. Em um momento da entrevista, fomos convidados a entrar na sede da torcida e vimos organização e animação. Homens e mulheres ali, conversam, se tratam com o respeito que deveria ser praxe.

Num jogo entre Flamengo e Fluminense pelo Campeonato Brasileiro, tambores e instrumentos musicais surgem com os homens. Mas só surgem. Em pouco tempo, algumas mulheres se apropriam.

Pelo menos aqui, elas podem participar livremente. A força de vontade permaneceu, mesmo com as dificuldades. Segundo Hapoliane Nascimento, a tese de que a mulher só atrapalha foi jogada para longe. “Eu consegui impor esse respeito, eu tirei essa incógnita de que estádio não é lugar para mulher”. Sabe aquela tese de que a mulher só estaria ali para arrumar um namorado? Ela chutou para escanteio.

A torcedora do Brasiliense também lutou pela identidade feminina no figurino. Afinal, onde já se viu as mulheres terem que usar roupa “de homem”? “Hoje em dia já é criada roupa feminina, já é criada bandeira. Eu causei uma revolução na minha torcida porque eu achava ridículo ficar usando roupa de homem, que mulher tinha que ter o seu símbolo, a sua identidade”.

Ela se mostra satisfeita. Apesar de ainda ter um certo preconceito por parte de algumas pessoas, seja dentro ou fora da torcida, essa discriminação diminuiu consideravelmente.

Você sabe como é o mundo das mulheres no futebol?

Elas estão inserido por completo nesse meio. Elas são jogadoras, árbitras, técnicas, jornalistas e estudantes que buscam sucesso nesse meio. Para saber mais, confira o rádio documentário abaixo.

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