Trabalho após o cárcere
Voltar para o mercado depois de muito tempo fora é complicado, principalmente para quem tem ficha policial
Na reportagem publicada na Revista Esquina, contamos a história de mulheres que viveram dias eternos na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia. Hoje, batalham para reconstruir histórias e conseguirem uma vaga no disputado mercado de trabalho.
A rotina puxada de Karina hoje é diferente de quando esteve detida na Penitenciária Feminina do Distrito Federal. Tudo começou em uma briga de bar. Condenada em primeira instância a 12 anos de prisão por dupla tentativa de homicídio, a pena caiu para oito anos em segunda instância. Ela cumpriu quatro anos em regime fechado, e está em regime aberto até 2021.
Há quase um ano, Karina trabalha em uma funerária em uma região administrativa do Distrito Federal, onde é responsável pela limpeza das salas. Em liberdade e com carteira assinada, ainda tem muitos objetivos a alcançar.
Diferentemente da situação de Karina, encontrar trabalho é um desafio para uma ex-detenta. A dificuldade se agrava de acordo com os anos de detenção: quanto mais tempo, maior a insegurança para a reinserção no mercado. No Brasil, 726.712 pessoas estão presas atualmente, e mais da metade são jovens com idades entre 18 e 29 anos.
Pessoas que já foram presas concorrem com quase 13 milhões de brasileiros desempregados. Mais de três milhões deles procuram emprego há pelo menos dois anos.
Reinserção
Segundo a psicóloga Eliúde Felix, que trabalha com as mulheres do Distrito Federal detidas na Penitenciária Feminina, o fator que mais interfere é o trauma psicológico causado pelo cárcere. O ponto de partida para o início de todo o processo é ter o contato com o mundo real, o passo mais difícil de ser dado.
Projetos
Durante o cárcere, o Núcleo de Assistência Social (NUAS) da Penitenciária Feminina de Brasília media o contato entre as detentas e as oportunidades de emprego. O assistente social da Colmeia, Lenilton Martins, explica que existem dois tipos de trabalho. “Tem aqueles oferecidos pela FUNAP e as cartas de trabalho, que são oferecidas por algum empresário, por exemplo, a alguma interna ou para algum trabalho em específico.”
A FUNAP/DF (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso) intermedia essas contratações junto aos interessados. Busca, assim, oportunidades para os que estão no regime semiaberto do sistema prisional e precisam de uma oportunidade para retornar ao convívio social.
Atualmente, o maior contratante da Fundação é o Governo de Brasília, além de órgãos federais e empresas privadas. Os cargos variam de assistente administrativo a serviços gerais, conforme a qualificação profissional da reeducanda.
A Fundação também conta com programas e projetos voltados para a ressocialização, como o Programa de Formação Profissional, Programa de Trabalho Intramuros e Extramuros, o projeto Plantando Mudas e Reciclando Vidas, Formação Profissional Continuada, além do Festival de Arte e Cultura no Sistema Prisional do DF — Fest-art.
Segundo Lenilton Martins, após a liberação das detentas, o NUAS não se responsabiliza por essas questões, que passam para a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP) ou para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
Os projetos de reinserção ajudam nesse momento, como o Começar de Novo do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Implantado desde 2009, busca sensibilizar órgãos públicos e da sociedade civil a fornecer vagas de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes. Para cadastrar a sua empresa, clique aqui.
Atualmente, o CNJ não está tocando o projeto, que funciona de forma independente e descentralizada em outros tribunais brasileiros. Segundo a assessoria do Conselho Nacional de Justiça, o projeto foi deixado de lado por conta de prioridades, mas a intenção é que seja retomado na nova gestão.
Eliúde coordena o Projeto de Preparação para o Trabalho Externo, idealizado pelo psicólogo do Centro de Psicologia da Pessoa (CPP), Altamir Macêdo, que ajuda no primeiro contato com o mercado de trabalho. Para a psicóloga, a realização de projetos reflete positivamente na saúde psicológica do apenado.
Carteira assinada
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED-DF) feita pela Coodeplan mostra que, no segundo semestre de 2018, 1,3 milhão de pessoas estavam ocupadas no DF, mas menos da metade possuía carteira assinada.
Karina se orgulha de ter a carteira assinada há quase um ano, realidade diferente da maioria das companheiras de cela.
Confira aqui o rádio documentário com mais depoimentos das ex-presidiárias, e ouça também a música Relato de um ex-detento — Grupo Revolta.