João Brizzi
Esquinas Cariocas
Published in
3 min readMar 3, 2015

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Por João Brizzi

Do outro lado da calçada, uma mulher - dessas que parecem ser uma paixão aterradora em potencial - tenta, sem sucesso, caminhar mais rápido. Os velhinhos que passeiam pelo mesmo pedaço de chão impedem que qualquer apressado tenha sucesso em sua tarefa e, assim, atrasam-na apenas o tanto necessário para que ela chegue à faixa de pedestres a tempo de cruzar meu caminho.

A estreiteza das calçadas da Rua Voluntários da Pátria, por sinal, é quase hostil à permanência de qualquer um que por ali passe. Uma hostilidade até, por assim dizer, profética: não há como viver em Botafogo sem sentir-se intrusivo.

Intrusivo na necessidade de pedir licença para realizar qualquer movimento, no implorar por uma cerveja para um garçom pouco atento aos seus pedidos, no descobrir um novo ofício ou lar em um edifício invadido pela incessante contemporaneidade dos tempos e, mais do que tudo, intrusivo em cada olhar. Intrusivo em cada cruzar de pupilas e íris e cílios e sobrancelhas e rugas e bochechas e até onde sua visão periférica te permita ir em um só olhar, já que ele é quase tudo que se troca em um lugar tão pouco afeito a convites.

Convites estes feitos em situações hostis e intrusivas como esperar na faixa de pedestres após calcular cada passo em uma calçada estreita e chegar até a divisão da rua determinada para que você a atravesse mas não sem antes encontrar o olhar de outro alguém que também parece ter acabado de chegar de um instante apressado e carente de qualquer tipo de pontuação.

Instantes que duram o intervalo entre um piscar de palma de mão vermelho-luminoso e outro, mas que representam uma eternidade. Uma eternidade em que se vive, com sua testemunha ocular, toda uma vida cruzando quadras e memórias recém-criadas tão parecidas entre verdadeiras avenidas paralelas.

Uma vida paralela que se imagina enquanto se observa, do outro lado da rua, tudo aquilo que poderia ser, mas claramente não será. E que não será porque não há, nesta vida, maneira de ser mais veloz que o ritmo de Botafogo.

Este bairro de passagem, ao contrário de todo o Rio de Janeiro, não nos queima as vistas. Ele nos faz aprender a observar e não nos dá tempo para isso. Faz saber perceber e admirar cada detalhe de qualquer coisa que nos cruze o caminho, mas sempre nos impõe a derrota por impedir nosso envolvimento.

Em Botafogo, só se cria quem sabe viver uma vida nova a cada faixa de pedestres — mesmo sabendo que tal vida irá embora junto de cada troca de calçada.

Esquinas Cariocas é uma publicação especial da Revista Poleiro

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João Brizzi
Esquinas Cariocas

Designer e jornalista no The Intercept Brasil. Antes, trabalhei na revista piauí e fundei a Revista Poleiro.