[1822] Concerto barroco

Arthur de Siqueira Brahm
Prosa distraída
Published in
2 min readApr 20, 2022

Alejo Carpentier

Veja bem, é muito difícil escrever um livro como ‘Concerto barroco’ tal qual ele foi escrito. Quase impossível não tivesse sido feito por Alejo Carpentier, um homem que trabalhava com o impossível como se fosse um saco de pães da padaria buscados na padaria.

Em certo momento da leitura, o leitor ou leitora que já conhece outras obras do autor e suas história vai se dar conta de que é tudo uma grande brincadeira. Que esse livro (perdido entre conto e novela) foi uma oportunidade desse homem se entregar aos seus gostos e peculiaridades dentro do infinito controlado da literatura, seu ofício por excelência.

Livremente ele vai cruzar Vivaldi e Louis Armstrong, discussões técnicas sobre música com cenas históricas do México do século XVIII (esse século em si, mais uma das suas obsessões), a descrição detalhada de certos prédios em Veneza com o jeito que os negros latinoamericanos tocam os seus tambores.

O protagonista é menor que a sua estória. Poucos personagens estão à altura dessa estória. A verdade é que, com suas ferramentas de homem nascido no início do século XX, literato latino-cubano-franco-americano exilado de muitos anos, este livro é aquilo que em inglês chamam de ‘jam session’. Eu prefiro ‘palhinha’. Mas concordo que ‘jam session’ talvez descreva melhor o livro, que embora seja um livre tocar de instrumentos sem fim definido, é marcado pelo rigor, profissionalismo e estrutura que se espera de um vulto como Alejo Carpentier.

Está aqui a expressão dos muitos interesses de um homem, plasmadas numa narrativa comprometida com eles muito mais do que com tempo, personagens, história, etc. Pode-se dizer que é uma versão enxuta e mais bem-executada do Fausto II. Um Goethe mais solar e disciplinado.

Todo escritor, não, todo ser humano deveria ter o seu concerto barroco.

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