A beleza como ato de serviço e redenção

Gabriela Vieira
Essentia
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4 min readApr 8, 2020

A procura da beleza é uma das motivações mais fortes que a humanidade tem para mudar o mundo. É a partir dela que compreendemos a natureza do mundo e a sua essência espiritual. Assim como a bondade e a verdade, a beleza é também uma expressão de força e, talvez, uma das mais fortes.

Isso pode soar um pouco estranho, tendo em vista que, no século XX, a beleza deixou de ser tão importante. Infelizmente, observamos que a arquitetura, a música, as pinturas, as obras de artes têm se tornado cada vez mais estéreis, chegando a cultuar o feio.

Esse fenômeno se estendeu também para os nossos hábitos, o que pode ser significativo em tempos de quarentena. Clama-se, cada vez mais, por uma sociedade que tenha empatia, que pense no outro. A Humanidade tem tido a chance de aprender que, para satisfazer suas necessidades materiais e psicológicas, necessita dos demais desde o nascimento e até a morte.

E o que a beleza tem a ver com isso? Já dizia Fiódor Dostoiévski, “a beleza salvará o mundo”. Segundo o escritor, filósofo e jornalista, a Humanidade poderia viver sem ciência e até sem pão, mas jamais sem a beleza, pois já não haveria motivo para estar no mundo.

Atualmente, é como se a beleza e o bom gosto já não tivessem mais espaços na nossa vida. A arte pós-moderna se tornou vazia, refletindo apenas o egoísmo: “meus lucros”, “meus desejos” e “meus prazeres”. Uma comunidade utilitarista e alienada. Essa perda de beleza reflete a perda de harmonia e demonstra a perda de sentido na vida.

Em uma sociedade consumista, se pensa primeiro na utilidade, e a beleza vem como um efeito colateral, incerto ou, às vezes, inexistente. De maneira que não importa mais o que você lê, vê, ouve e tampouco os seus hábitos ou se você considera o outro. O que importa é a propaganda do que se ganha em favor próprio.

O Papa Emérito Bento XVI, em um encontro com artistas na Capela Sistina, sinalizou essa propaganda como algo ilusória, superficial e deslumbrante. Além disso, ela não faz o homem sair de si mesmo, muito menos abrir horizontes, ressaltando a importância do artista em despertar sonhos na humanidade.

A necessidade do Homem pela beleza não é traduzida superficialmente em aparência, mas perpassa por ela. O filósofo Roger Scruton afirma que a beleza importa e não se trata de algo subjetivo, mas sim de uma necessidade universal do Homem que o guia para casa. Ignorar isso é como caminhar em um deserto espiritual, vazio e instável.

Platão, Michelangelo, Sandro Botticelli, Rembrandt, Immanuel Kant, Andrea Mantegna, Giovanni Pergolesi e Oscar Wilde são exemplos de grandes pensadores e artistas que estavam cientes de que a vida humana é cheia de caos e sofrimento. E o remédio que deram para isso é a beleza.

A arte pós-moderna esqueceu disso. Muitas vezes zomba da beleza, buscando chocar e se torna vazia e chata. Tenta colocar a arte como qualquer ideia desprovida de habilidade, técnica ou atenção, sendo escrava do consumo e se alimentando de prazeres e vícios.

Mas arte e a beleza autêntica necessitam de criatividade, e criatividade exige empatia, dividir. E é por isso que a beleza é também um ato de serviço. Além disso, um verdadeiro artista não só mostra sua ideia, mas também transfigura-a, como fez Michelangelo em seu original Davi.

As obras de arte trazem consolação para as nossas tristezas e desordens, além de afirmação para a nossas alegrias. Por isso, a necessidade do homem pela beleza está ligada profundamente à sua essência. As manifestações verdadeiramente criativas demonstram que a vida vale a pena. A arte é uma forma de redimir a vida, de revelar beleza e encontrar harmonia.

Ao compor Stabat Mater, Pergolesi enfrentava a tuberculose, que logo depois foi a causa de sua morte. Em sua grande obra, o compositor simboliza o sofrimento do mundo com a Virgem Maria, que sofre pelo filho morto na Cruz. Era um filho morrendo nos braços da mãe.

Andrea Mantegna, em O Calvário, pega aquilo que é doloroso e redime como algo belo. O pintor renascentista transforma a pior das mortes, que é a crucificação, em serenidade. Mesmo diante da morte, os seres humanos ainda são capazes de mostrar compaixão e nobreza.

Assim como a verdade e a bondade, a beleza é um elemento de força que guia o Homem, seus hábitos e, acima de tudo, quem ele é. O cultivo de bons hábitos, o próprio se vestir bem, sorrir, escolher boas obras para ver, ouvir e ler são instrumentos que nos abrem para a beleza e refletem na maneira como nos damos ao outro.

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Gabriela Vieira
Essentia
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Colérica sangue nos olhos, apaixonada por uma boa conversa e um cafézinho. Entusiasta quando o assunto é arte, política, literatura, música e filosofia.