A loucura que salvou 75 homens

Laura Poffo
Essentia
Published in
4 min readNov 19, 2020
Imagens: IMDB

(Contém spoilers de Até o Último Homem)

Durante a Segunda Guerra Mundial, o alistado Desmond T. Doss (Andrew Garfield) se recusa a pegar em uma arma para ir à guerra, buscando servir unicamente como médico das tropas.

Após inúmeras rechaças por parte de seu superior direto e de seu próprio batalhão, Desmond é levado à corte marcial por desobedecer a uma ordem direta e simples de seu major: segurar um rifle. Entretanto, por conta de seus direitos como Opositor de Consciência, ele é autorizado a “ir para o fogo infernal do campo de batalha sem qualquer arma para protegê-lo”.

O que é Objeção de Consciência?

Um cidadão não está obrigado, em consciência, a seguir prescrições das autoridades civis se forem contrárias às exigências da ordem moral e aos direitos fundamentais das pessoas.

Assim, é frequente que leis injustas coloquem homens moralmente retos diante de problemas dramáticos de consciência. E quem recorre à objeção de consciência deve ser sempre poupado de qualquer tipo de sanção, ainda que a reprovação da opinião pública seja inevitável – como no caso de Desmond Doss.

As consequências de uma escolha

Desmond é uma figura simples e típica do interior dos Estados Unidos. Cristão e comprometido com Dorothy Schutte (Teresa Palmer), o soldado possui um histórico familiar duro e intenso, infestado por momentos conturbados criados pelo seu pai Tom Doss (Hugo Weaving), alcoólatra e também veterano de guerra, cujos traumas e fantasmas regulam seu temperamento.

Contudo, isso não impede seu filho de seguir em frente com o alistamento. Quando questionado pelo seu pai como faria a guerra se encaixar em seus valores, Desmond afirma com segurança: “Enquanto todos estiverem tirando vidas, eu estarei salvando outras, e essa será minha maneira de servir”.

Ao longo do filme, vemos um homem esguio e aparentemente frágil deixar de ser considerado louco para se tornar um verdadeiro herói, singelo e íntegro em seus valores. Como a narrativa do filme é desenhada a favor dos americanos, torna-se difícil criar empatia e piedade pelos combatentes do outro lado do campo de batalha, o que enaltece ainda mais o homem que resolveu dar a outra face ao “inimigo desumano”.

Entretanto, percebemos a fraqueza do outro no momento em que Doss fica frente a frente com um soldado japonês ferido. Vemos a expressão não de um “monstro oriental”, mas de um homem igualmente abatido e aterrorizado pela guerra. Doss, em sua natureza bondosa e autêntica, não tem outra reação que não seja cuidar de mais um homem ferido por forças externas e esmagadoras a qualquer um.

O protagonista, assim, questiona a incoerência entre amar o próximo, mas não o diferente. De forma sutil e simples, ele nos pergunta: até que ponto estamos dispostos a viver os nossos próprios valores? Somos capazes de lutar no território inimigo das críticas, das reprovações e do abandono? Sempre é mais fácil permanecer no conforto daquilo que é aceito pelo discurso geral da sociedade, mas é infinitamente mais gratificante arriscar a nossa zona de segurança pelo chamado autêntico do nosso coração.

A loucura em ser autêntico

Como Doss, devemos sair de nosso próprio lar para irmos ao campo de batalha e alcançar tantas pessoas que precisam reconhecer o seu próprio valor. Em um momento de defesa, Doss nos dá, de forma acidental, um belo conselho: “Com o mundo tão determinado a se destruir, não parece uma má ideia querer construir alguns pedacinhos de volta no lugar”.

Durante a Batalha de Okinawa, Desmond, como ocorreu na vida real, salvou mais de 75 homens através de seus serviços médicos. E em cada momento que resgatava um soldado, apesar de todo cansaço e temor, ele rezava, pedindo: “Senhor, me ajude a alcançar mais um”.

Assim, contra todas as chances, Desmond Toss se tornou o primeiro Opositor de Consciência da história norte-americana a receber a Medalha de Honra do Congresso. E você? A quantos quer de fato alcançar com os seus valores? Está disposto a essa loucura?

“Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes”. – G. K. Chesterton

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Laura Poffo
Essentia

Cinéfila, maratonista de séries e apaixonada pela realização de grandes histórias. Também escreve sobre relações humanas em Essentia.