A realidade no sofrimento

Maria Paula Reis
Essentia
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4 min readNov 6, 2020

A sociedade contemporânea vive o que podemos chamar de cultura de descarte. Não é muito difícil enxergar o quão sem valor tudo tem se tornado e, se não sem valor, torna-se infimamente válido. Veja, um exemplo disso são os relacionamentos descartáveis, o que não faz o conceito relacionamento sem valor, mas tem tornado cada pessoa como um objeto que se tira proveito de alguma forma e depois se descarta, como qualquer outra coisa.

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Essa cultura do descarte em que vivemos faz com que o nosso nível de insatisfação com a rotina, com a nossa realidade e com a vida, seja cada vez maior. Porém, perceba que tudo isso, apesar de evidenciar o sofrimento, nos afasta da tentativa de solucioná-los, ou até de investigar as suas causas. O sofrimento faz parte do cotidiano e, justamente por isso, deve receber uma certa atenção, mas não em si, senão que como um impulso para enxergar nele uma realidade maior.

Pessoalmente falando, para ilustrar, todos os dias estou sofrendo por algo que eu deveria fazer e não fiz; ou pelos planos que organizei e não realizei. Pelo tempo que desejo passar com minha família, com meu namorado, ou pela saudade de pessoas que amo e já não estão mais na Terra. Reitero, o sofrimento é um sentimento comum no dia a dia, que devemos refletir e administrar, não reprimir.

O que sempre se ouve

“É triste, mas não é para tanto”, “vai passar, está tudo bem”, “não é nada”. Essas são algumas frases que geralmente escutamos de quem não aceita pedir ajuda aos demais e não se permite sofrer. Não aprendemos a ter equilíbrio nas nossas emoções: ou sofremos de maneira exagerada, ou não aceitamos o sofrimento. Pois aceitar um sofrimento é fazer-se vulnerável e reconhecer que não se é autossuficiente.

Quanto ao sofrimento como doenças psicológicas ou patológicas, somente médicos podem tratá-las devidamente, e possivelmente com medicamentos. Mas existe um nível de sofrimento como sentimento, algo que em certo sentido podemos dizer natural, por fazer parte da realidade humana. Um sentimento que, com a ajuda de pessoas que nos amam, podemos administrar e nos formar. Por vezes o sofrimento pode até estar enraizado em alguns vícios, como por exemplo o egoísmo e a soberba.

Então, o que fazer?

Já dizia Victor Frankl que “quando não é mais possível moldar o destino, então se faz necessário ir ao encontro deste destino com a atitude certa.” E a atitude correta quando o destino causa sofrimento, não é abandoná-lo, mas ir ao encontro e vivê-lo. É necessário tocar a realidade do sofrimento e enxergar nele um sentido, encontrar um ponto de sustento que fará suportar qualquer adversidade que ele contenha. Pense sobre a perda de alguém que se ama, por exemplo. A atitude devida, e de respeito à pessoa, é sofrer por sua morte, chorar a sua falta, viver o luto, solicitar ajuda às demais pessoas e conversar sobre o assunto.

Tenho me dedicado a escutar mais as pessoas à minha volta e é curioso perceber como aquelas que não aceitam seu sofrimento terminam sofrendo mais. Conheço uma pessoa que vive um casamento doloroso e difícil por falta de amor, atenção e desprezo do marido. Essa mulher, ao invés de assumir para o cônjuge que está sofrendo por tudo isso e resolver a situação, escolhe ser avessa ao seu sofrimento e mostrar uma posição irreal de autossuficiência, independência e amor próprio.

Não se deixe levar pela tentação de recorrer à soberba ou ao orgulho de se fechar no sofrimento. Assuma a dor para si mesmo. Seja coerente com a realidade e não irreverente. Tome o conselho de Frankl, encontre a atitude certa para o destino que lhe acomete. Todos temos um sentido para nossas vidas, o que não exclui o sofrimento. Seja forte, assuma, ame e permita-se ser amado. Assim, tendo aquele forte sustento, a que chamamos sentido, você encontrará a cada dia forças para lidar da maneira correta com os sofrimentos corriqueiros.

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Maria Paula Reis
Essentia
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Sanguínea ansiosa, apaixonada por musicais e cantora de chuveiro. Escreve para Essentia.