Autoestima, beleza… e dar o nome certo a cada coisa

Gabriela Vieira
Essentia
Published in
6 min readAug 14, 2020

Não é segredo para ninguém que eu acho mesmo um grande privilégio ser mulher. E uma das melhores partes disso é poder me cuidar e me enfeitar. Deus me deu a honra de nascer em uma família que sempre me cuidou com muito carinho e eu sempre fui incentivada a estar arrumada, independentemente da circunstância.

Nada disso nunca chegou a ser uma dor de cabeça, uma cobrança que me atormentasse ou algo, de certa forma, negativo. Muito pelo contrário, sempre foi visto como algo importante, mas de uma forma leve e divertido.

Algumas pessoas podem pensar: “hmm, muito fácil você dizer isso, você tem dinheiro.” Não, nada disso. Primeiro, porque eu venho de uma família humilde, mas que trabalha e se dedica absurdamente muito. Nem sempre os recursos financeiros estavam à disposição para que eu comprasse o que quisesse vestir (e ainda é assim). Em segundo lugar, estar apresentável não tem a ver com condições financeiras necessariamente, mas com dignidade.

Beleza não quer dizer ter um creme fantástico, a roupa mais cara ou acesso a cirurgião plástico (e nada contra nenhuma dessas coisas). A beleza quer dizer a forma como nós nos vemos e isso é muito importante porque repercute no papel que, nós mulheres, exercemos na sociedade. E que papel é esse? Gerar vida, ser fecunda. E isso não acontece só do ponto de vista biológico.

Geramos vidas biológicas sim, mas também geramos vida nos nossos familiares, geramos vidas no nosso trabalho e em qualquer pessoa e circunstância ao nosso redor. A verdade é que a nossa vida pode ser muito frutuosa e viver na esterilidade não deveria ser uma opção. Esse é um papel que só uma mulher pode exercer e que depende necessariamente de como nós nos vemos. Por isso, é fundamental reconhecer a própria beleza, tornar-se forte, bem formada para ser capaz de dar vida. Afinal, só se dá aquilo que se tem.

O fato é que, nas rodas de amigas, o assunto "se arrumar", "blusinhas" e afins sempre acontece e muita gente traz à tona a história da autoestima ou até que ponto se arrumar alimenta a nossa vaidade. De fato, se preocupar excessivamente com SE arrumar pode levar a uma idolatria. Mas o oposto só reflete dois lados de uma mesma moeda: o centro em si mesmo, da própria vontade e a escravidão aos próprios sentimentos.

A ausência de temperança é reflexo de um vazio, um vazio que não é nada, mas que tem muita força. O sintoma disso é visualizado nas queixas sobre autoestima. Não é difícil ouvir as pessoas se declarando preguiçosas, luxuriosas e acomodadas – isso tudo sob o manto de “eu só quero uma vida simples”. A falta de humildade é tamanha, que há pessoas que se gabam de viverem de forma medíocre e muitas vezes infra-humana.

E aí começa a história do tóxico. Na redes sociais, vemos, o tempo todo, textos, vídeos e discussões acusando quem é bom, quem é rico, quem exibe um corpo arduamente conquistado, uma viagem para o exterior ou uma rotina produtiva como sendo "tóxico".

Atualmente, qualquer demonstração de hierarquia ou de pessoa que pareça superior em determinado aspecto causa desconforto e muitas vezes é tido como opressor. Talvez realmente nunca cheguemos ao patamar de determinada pessoa. Mas isso não significa que essa pessoa precisa ser acusada, quando, na verdade, ela é digna de toda a admiração.

Ter autoestima passa por aceitar que tem certas coisas que não conseguimos mudar e que não precisamos medir os outros com a régua da nossa inveja. Gente melhor, mais bonita, mais inteligente, mais rica, mais generosa, mais sacrificada, mais heróica, mais valente, mais competente, mais virtuosa sempre vai existir. E isso é ótimo, porque sem pessoas melhores e sem beleza, não temos como nos guiar no mundo. A hierarquia é importante para que possamos nos inspirar e nos elevarmos, com uma referência clara do que somos capazes de conquistar.

Requer tempo, dedicação, autodomínio para sorrir quando se quer chorar ou brigar. O mesmo vale para uma dieta e atividade física para manter um corpo ou para fazer um bom trabalho no âmbito profissional. Isso ainda se aplica para fazer aquela viagem para o exterior ou comprar aquele carro. Alguém nessa história se dedicou muito ao invés de se atrofiar na tristeza e na irritação, que nada mais são do que truques da nossa soberba.

Sorriso habitual e boa disposição são conquistas árduas, lutas diárias, mas que nos conduzem para o autoconhecimento e nos levam à humildade. Se arrumar, procurar deixar tudo belo não diz respeito a mim, mas ao que eu tenho para oferecer para o outro. E não há nada de tóxico nisso. Autoestima nada tem a ver com o narcisismo gourmetizado que se prega por aí, travestido de amor próprio. Ter autoestima diz respeito a ter o que estimar — e isso requer dedicação.

Uma vez li um texto que contava a história de um sujeito que fazia pesquisas de porta em porta. Foi recebido na casa de um casal e os questionou sobre qual era a profissão do marido. O esposo ficou um pouco sem jeito de dizer, mas a mulher se adiantou com o um sorriso largo e disse: ele é lixeiro aqui do bairro. Mas ela disse de uma forma tão alegre, que foi difícil o pesquisador não perceber e não ficar curioso com o orgulho que a esposa tinha dele.

- Não, meu amor, ele não quer ouvir essa história — disse o esposo envergonhado.

- Imagina, quero sim — disse o pesquisador cheio de curiosidade.

- Meu marido, é o melhor lixeiro que eu já conheci. Aqui no bairro, ele é o que pode empilhar mais lixo no caminhão do que qualquer outra pessoa. Ele consegue colocar tanto lixo em um só caminhão que o caminhão não precisa fazer várias viagens e dessa forma ele consegue economizar dinheiro do bairro — disse ela cheia de paixão e entusiasmo.

- As horas de trabalho diminuíram aqui no bairro e custo do caminhão de lixo também é menor — afirmou o esposo.

Aquela história deixou o pesquisador impressionado, porque a maioria das pessoas poderiam reclamar daquele trabalho, mas ele fez disso algo muito bom. Ouvindo um pouco mais da história do casal, descobriu que o esposo tinha um outro trabalho antes, mas a empresa teve que demitir muitos funcionários e aquele homem foi um dos demitidos. Ficou um desempregado por um bom tempo — e a esposa estava dando à luz ao terceiro filho. Por fim, o único trabalho que conseguiu foi o de lixeiro naquele bairro. Precisaram inclusive alugar uma casa ali e se mudaram.

No contexto aqui da nossa reflexão, o “esposo” poderia se ver como uma vítima, encarar o seu novo trabalho como algo ruim e qualquer outro “superior” a ele como tóxico. Mas houve nobreza o suficiente para acolher e acolher com dedicação. Não há nessa história alguém que se deixou vencer por amargura, pessimismo, juízo de condenação — sem esperança ou um vazio cético.

Quando olhamos para grandes obras de arte, vemos ali uma marca pessoal, personalidade, novidade e, assim, nos enriquecemos culturalmente e nos inspiramos. O mesmo pode ser feito com o nosso trabalho, onde deixamos ali a nossa marca pessoal. A ideia de que o grande artista é um grande homem é muito ingênua.

Ainda na história do esposo lixeiro, a esposa fazia questão de dizer que sempre teve muito orgulho dele e que sempre reconheceu, no marido, a dedicação e a nobreza, jamais notando qualquer espécie de falta de boa vontade.

Quando alugaram a casa naquele bairro, para que o esposo ali trabalhasse, a esposa achou uma moldura pendurada na porta, o que deu muita segurança para ela e a fez ter certeza de que estavam fazendo a coisa certa. Ela entregou essa moldura ao pesquisador e dizia assim:

“Se um homem é chamado a ser um varredor de rua, ele deve varrer as ruas da mesma forma que Michelangelo pintou ou Beethoven compôs música ou Shakespeare escreveu poesia. Ele deve varrer as ruas tão bem, de modo que todos os exércitos do Céu e da terra pausarão para dizer: Aqui viveu um grande varredor de ruas que fazia bem o seu trabalho.” — Martin Luther King

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Gabriela Vieira
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Colérica sangue nos olhos, apaixonada por uma boa conversa e um cafézinho. Entusiasta quando o assunto é arte, política, literatura, música e filosofia.