Não olhe apenas para você

Isabela Cardoso
Essentia
Published in
4 min readApr 16, 2020

“Seja você, por você, para você!”

O amor próprio é um conceito que tem sido bastante discutido e almejado em nossa sociedade. Na busca pela autoconfiança, prega-se que devemos encontrar apenas em nós mesmos a felicidade que sonhamos. Formamos, assim, uma sociedade alicerçada no egoísmo. Pela falta de confiança entre os indivíduos e o excesso de convicção de si mesmo, muitas vezes perdemos a esperança tão necessária para superar as crises e sofrimentos do dia a dia.

Quantas vezes já nos foi dito que não se pode dar ao outro o que não se tem, que “é preciso amar-se a si mesmo antes de amar o outro.” É evidente que não conseguimos sobreviver se não tivermos o mínimo de amor por nós mesmos, se não amarmos nossa vida e não formos capazes de reconhecer que temos, sim, muitas qualidades.

Contudo, por acaso não deveria haver um sentido por trás do amor próprio? Será mesmo que ele deveria ser um fim em si mesmo? Não devemos almejar algo mais belo e profundo, com maior propósito do que apenas se sentir bem e ser feliz consigo mesmo?

Se, por um lado, pregamos o amor próprio como a solução para muitos dos problemas do indivíduo, por outro, presenciamos a construção de uma sociedade completamente individualista e egoísta. Enquanto bradamos o famoso “fique em casa, pense no próximo”, continuamos cultivando, em nossas relações quotidianas, esse mesmo egoísmo que repudiamos.

“Você é suficiente, ame-se, e pronto!”

A crise do individualismo vira, então, a crise do amor, que é a real fonte de confiança em nós mesmos e também no outro. Temos, assim, a impressão de que, não bastando ter que amar somente a si, também não se deve confiar em ninguém senão em si mesmo.

O Homem é um animal social

O valor do amor próprio está em reconhecer que somos importantes para o outro, assim como o outro é para nós. Afinal, ninguém foi feito para viver completamente sozinho e contar apenas consigo mesmo.

Já dizia Aristóteles que o homem é um ser que necessita se associar com outros para alcançar sua plenitude, que "aquele que nada precisa para bastar-se a si próprio, é um bruto ou um deus. A natureza compele assim todos os homens a se associarem"(1). Temos a necessidade de nos relacionar, e o relacionamento envolve confiança mútua.

Sem ignorar a importância de estar bem consigo mesmo, precisamos aceitar que é só em alguém, nunca apenas em nós mesmos, que encontramos a felicidade que nos preenche e que tanto procuramos. Não é voltando-me para mim que encontrarei o verdadeiro sentido da vida, mas olhando para o próximo, percebendo-o fraco e vulnerável assim como eu, aceitando que necessitamos um do outro.

Não há nada melhor do que ter alguém em quem confiar, em quem derramar as dores ou problemas, alegrias ou vitórias, e não ter medo do que vamos receber em troca.

Para isso fomos feitos: poder dividir com os outros nossas dificuldades e falhas confiando que ainda seremos amados por isso. Quando aceitamos que precisamos de alguém, que não conseguimos nada se caminhamos sozinhos, vamos ao encontro da nossa essência. Precisamos de quem se importe, escute e nos faça sentir melhor nas derrotas, ou aumente ainda mais a alegria nos momentos de êxito.

Não precisamos ter medo de dividir nossa vida e de abri-la para o outro. Nós mesmos sabemos que precisamos encontrar e ser abrigo para alguém, que não se vive cada um por si, que necessitamos um do outro. É hora de aceitar que precisamos amar, bem como sentirmo-nos amados.

Na doação encontramos sentido e esperança

Quem confia não precisa se proteger e se esconder em um amor próprio. Quem confia se doa, e nisso encontra sentido, no doar-se, preenche-se. É a doação, e não o amor de si próprio que dá sentido a vida.

E é justamente nesse movimento mútuo de confiança que encontramos a esperança tão necessária em nossas vidas. A alegria de saber que temos em quem confiar e nos entregar nos enche de esperança e nos impele a nos aprofundar no amor.

É de esperança que mais precisamos no contexto de pandemia em que nos encontramos.

Ao ficarmos expostos ao medo, aos riscos, às notícias que nos causam uma sensação de tristeza ou abandono, agravado pela falta da convivência social que necessitamos, podemos cair no erro de nos fecharmos em nós mesmos. Ficamos presos em momentos de solidão, recorrendo ao “amor próprio” excessivo, que não dá fruto algum.

Aproveitemos esse tempo para nos agarrarmos na esperança, para, mesmo longe da convivência social que desejaríamos, anunciar a alegria que encontramos em amar e ser amado. Se decidirmos celebrar que a morte não tem lugar para quem confia, aumentaremos em nós o amor e a esperança que nos preenchem.

Sei que te portaste bem porque te encheste de esperança, e a esperança te trouxe de novo ao Amor. (Josemaria Escrivá, O Caminho, 264).

Referência:

  1. Aristóteles, Política, 1960. 1,2

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Isabela Cardoso
Essentia

Biotecnologista e mestranda em Biologia, amo fazer perguntas, divulgar a ciência no IG vida.de.cientista e escrever sobre relações humanas no Essentia.