Fragilidade x Descaracterização feminina

Gabriela Vieira
Essentia
Published in
6 min readMar 4, 2020

A riqueza e a complexidade feminina são tamanhas a ponto de levar não só a mulher a enlouquecer, mas também toda a sociedade. Ilusões, devaneios, egocentrismo, desorientação, sentimentalismo, verdades que transcendem a razão, humanização e amabilidade. Todas essas características são face de uma mesma moeda: a fragilidade feminina.

Não é raro encontrar propagandas, conversas e associações constantemente pejorativas quando o assunto é fragilidade. Em pleno século XXI, ninguém quer ser o sexo frágil. Mas de fato é em nós, mulheres, que essa vulnerabilidade ganha destaque e não por uma questão de construção social, mas pela nossa própria biologia e outras características que fazem de nós quem nós somos.

Por vezes, notamos no comportamento feminino a irracionalidade ou até mesmo uma excessiva exposição de suas dores e sofrimentos, inclusive atitudes impulsivas, principalmente no que tange aos assuntos de ordem prática. Sem a devida orientação e ordenação, podem levar à nossa própria destruição e à destruição dos outros à nossa volta.

Entretanto, são a atenção e a consciência quanto à nossa fraqueza que nos fazem mais fortes e que convocam a complementaridade masculina, que também é tão combatida e tida como “dispensável” em eras em que se prega exaustivamente a “igualdade entre sexos”, muitas vezes de maneira até desconexa com a realidade.

E qual é o lado bom da fragilidade?

Não é segredo para ninguém a eterna batalha interior de uma mulher: razão x emoção. Se abraçamos uma narrativa simbólica, observamos que enquanto o homem veio do barro, a mulher veio da carne do homem. Ou seja, a essência feminina já é uma essência misturada e consequentemente temos uma composição diferente dos homens, com muito mais elementos e complexidade.

Essa mistura na composição traz esse misto entre a cabeça e o coração para nós mulheres. A própria essência feminina não é tão separada como a masculina e, por isso, temos características que nos são próprias e nos diferenciam do sexo oposto. Uma dessas características é a fragilidade, que, assim como qualquer outra, tem impactos significativos.

Devido a isso, é comum que nós mulheres tenhamos mais dificuldade em controlar certos sentimentos, adotemos comportamentos irracionais, sejamos propensas a ceder a “promessas de amor eterno”, nos magoemos com mais facilidade, nos enveredemos a sentimentalismos, nos perturbemos com problemas que ainda não aconteceram e até caiamos em egocentrismo.

Apesar de haver sentimentos ilegítimos e inválidos, não se pode ignorar que há sentimentos válidos e legítimos, e o rebaixamento desses sentimentos pode privar o ser humano de um campo rico de experiências. É aqui que a nossa essência feminina leva vantagem sobre o homem e também é aqui que nós mulheres podemos despertar, com sabedoria, a mente masculina. Pois nós, com uma composição complexa, estamos blindadas de uma racionalidade desgovernada que o homem não está.

Os discursos pós-modernos que relacionam a fragilidade feminina a algo pejorativo e que reforçam exaustivamente a protagonismo da mulher acabam por tentar anular uma característica que nos é própria e que nos faz mais mulher e única diante do sexo oposto.

Ou seja, caricaturar e anular a fragilidade feminina, como se fosse uma prerrogativa desvantajosa da mulher, reforça a sua masculinização e a torna escrava de um perfil que não é o seu, tudo sob um falso mantra de protagonismo.

Como pode uma mulher ser protagonista anulando características que lhes são próprias?

Essa fragilidade que advém da complexidade da mulher e que a protege de um racionalismo barato, como já falamos mais acima, traz para nós uma sensibilidade e uma capacidade intuitiva maior daquilo que é transcendente. E é por isso que a mulher consegue dar um significado nobre para o sofrimento. Somos nós mulheres que compreendemos, com muito mais facilidade, o valor do sacrifício. E também é aqui que a mulher tem maior vantagem sobre o homem, podendo chamá-lo a afiar a sua afetividade e humanizá-lo. Em O que há de errado com o mundo, Chesterton fala sobre a “dignidade feminina contra a brutalidade masculina”.

Masculinizar a mulher é o mesmo que diminuí-la. Permitir que ideologias pós-modernas projetem uma mulher que se apropria de características masculinas em detrimento daquelas que nos são próprias, como a fragilidade, nada tem a ver com o nosso protagonismo. Muito pelo contrário, nos deforma e nos retira nossa riqueza essencial, nos levando para um caminho distante daquilo que desejamos como realização plena.

Quando penso em situações cotidianas, diversos exemplos me vêm à memória, mas uma em especial ganha destaque. É uma das histórias da minha amiga Taís, hoje advogada, mas na época, uma jovem de 22 anos em busca de estágio em um renomado escritório de advocacia no centro de Brasília, capital federal. Taís tem uma beleza que é a própria representação da fragilidade da mulher, cheia de delicadeza.

Durante a entrevista de estágio, Taís foi indagada sobre as suas habilidades profissionais brevemente, inclusive quanto a sua competência com outros idiomas, o que ela dominou com facilidade. Mas a pergunta final da entrevista não foi sobre as habilidades profissionais de Taís, mas sim se ela, com tanta feminilidade e delicadeza, estaria apta a dar conta de todo o trabalho. Taís foi contratada e desempenhou um papel significativo na equipe em que atuou. Contudo, ficou evidente a tentativa, em primeiro plano, de descaracterizá-la como mulher.

Associar o termo fragilidade a necessariamente e tão somente algo pejorativo é mesmo que ir à praia, não mergulhar no mar e sair dizendo que conhece o litoral, que o mar é muito salgado e que areia gruda e incomoda. Sob certo aspecto, do ponto de vista meramente racional, está certo sim, no sentido em que a mulher é realmente mais vulnerável e muitas vezes se precipita, se confundindo em meio a tantos sentimentos. Mas ainda é muito superficial. Só mergulhando no mar se tem uma experiência mais plena do que ele é, de qual é o real sabor da água e a sua textura. É algo que nenhum dado científico ou argumento poderá detalhar em plenitude.

A atriz hollywoodiana e roteirista Brit Marling, no texto Eu não quero ser a mulher protagonista forte, relata a sua dificuldade em ver características femininas serem abordadas, incluindo a vulnerabilidade, como fortes. Brit acrescenta que quando se quer uma personagem mulher, protagonista e forte, é o mesmo que falar em destreza física, ambição linear e racionalidade focada. Ou seja, “me dê um homem, mas no corpo de uma mulher”.

A fragilidade feminina pode fazer da mulher muito mais destrutiva do que um homem, mas também muito mais virtuosa e muito mais heróica. Associar a palavra frágil àquilo que é fraco não necessariamente está errado, mas é uma pobreza se reter a algo somente depreciativo.

Fragilidade também se trata de delicadeza, algo que, se não for zelado, pode ser quebrado. É a partir da fragilidade feminina que se convoca o homem à piedade e, consequentemente, à complementaridade do sexo feminino. Privar a mulher de uma característica que lhe é tão própria também é privar o homem da sua masculinidade; é privar o homem da sua convocação. Não só a mulher perde uma nobreza que lhe é própria, mas a sociedade como um todo.

Referências:

Quando éramos mais femininas, Constanza Miriano

O privilégio de ser mulher, Alice Von Hilderbrand

Por um novo feminismo, Sueli Caramel Uliano

Eu não quero ser a mulher protagonista forte, Brit Marling

Mulieris Dignitatem, Papa São João Paulo II

--

--

Gabriela Vieira
Essentia
Writer for

Colérica sangue nos olhos, apaixonada por uma boa conversa e um cafézinho. Entusiasta quando o assunto é arte, política, literatura, música e filosofia.