O que a COVID-19 me ensinou sobre a morte — e a vida

Isabela Cardoso
Essentia
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5 min readOct 8, 2020

Uma das grandes tristezas que a pandemia me trouxe foi a morte de um senhor, amigo de longa data. Empresário bem sucedido, pai de muitos filhos e avô muito querido, tinha tudo o que um homem poderia pedir a Deus. Já bastante idoso, era tão saudável que ainda não havia se aposentado e trabalhava diariamente na administração dos negócios da família.

Quando a pandemia chegou, sua rotina agitada ganhou então um ar mais sereno e ele finalmente passou a viver de modo sossegado, como normalmente se espera que viva um senhor de idade. Em casa, o hoje se misturava com o ontem, que em nada se distinguia do amanhã. Deixou de conviver com os filhos e netos, de sair para caminhar, de conversar com os funcionários da empresa… e assim foi se acostumando com o “novo normal”, na esperança de que o “velho normal” voltasse prontamente.

Depois de muito tempo em casa, um dia resolveu sair com sua esposa. Chamou-a para dar uma volta de carro e visitar um lugar em especial do qual sentia falta. Não imaginava, porém, que essa decisão lhe custaria a vida. Nessas poucas horas fora de casa, contraiu COVID-19 e, em alguns dias, faleceu.

Esse não é um texto para alertá-lo sobre a importância de ficar em casa, ou uma chamada de atenção para o quão isolado(a) você está nessa pandemia, mas um alerta para a maneira como temos encarado a vida e, mais ainda, o que vem depois dela.

Nem os melhores médicos, nem o melhor hospital, nem as fervorosas orações da família e dos amigos puderam salvar aquele senhor. Foi-se sem despedir-se, sem que sua família lhe desse um abraço ou sua esposa lhe fizesse um último gesto de carinho. Partiu, apesar de todos os esforços para que ficasse. Não porque tomou uma decisão errada, mas porque seguiu o espírito audacioso que lhe era característico.

Essas reflexões me ocuparam a mente e nelas fiquei absorta por um certo tempo, decerto muito influenciada pela “energia pandêmica” do momento. Pensei em como reagiria se a personagem dessa história fosse, ao invés, a minha única avó. Em muito ela se parece com esse senhor: é ativa, de bem com a vida, construiu um grande legado, tem família e amigos fervorosos e é privilegiada com um fácil acesso a bons hospitais.

Ao pensar na possibilidade de seu falecimento repentino, me vi extremamente pesarosa e até desolada. É que a morte, para mim, não é algo com o qual eu saiba lidar. Não é de se espantar que eu viva em uma sociedade que se preocupa demais com o imediato, sem se importar com o futuro próximo e, por isso, acaba por enxergar a morte com um sentido extremamente pesado e bastante desesperado, pois não está acostumado a refletir sobre ela ou ao menos concebê-la como uma realidade natural.

Imagino que muitos sejam semelhantes a mim nesse quesito. Eu respondo sempre com um: “Vira essa boca pra lá” quando me é abordada a mínima possibilidade de a morte chegar para alguém que amo. E tudo bem, realmente não queremos desejar a morte a ninguém. O problema é quando essa resposta esconde um medo vivo, um esquivo que nos leva a não meditar sobre o fim da vida e, em última análise, a não nos prepararmos para ele.

“Se não estás preparado hoje, como estarás amanhã?” — Tomás de Kempis

A morte chega para todos, e mesmo que nos esforcemos, que hajam avanços científicos e tecnológicos, que façamos orações fervorosas, não podemos evitá-la. Mas, mesmo sabendo disso, levamos a vida como se ela fosse ilimitada e infinita. Ignoramos a realidade inexorável da morte, sem perceber que ao fazê-lo, sabotamos o nosso próprio destino.

Precisamos passar a conceber a morte como o que ela realmente é: algo natural. E devemos levar isso para a nossa vida diária, não como algo pesado e triste, mas como uma realidade natural que não necessariamente é de todo ruim.

“Se tua consciência estivesse tranquila, não terias muito medo da morte.”- Tomás de Kempis

Mais do que nos lembrar de aproveitar a vida com o que nos engrandece e aos outros também, a pandemia deveria nos fazer perceber que a realidade na qual vivemos não é o fim último da nossa existência. A verdade é que não vivemos para morrermos, mas, ao contrário, morremos para vivermos uma vida ainda mais plena e verdadeiramente feliz.

Se nos desprendemos um pouco dessa realidade em que estamos, percebemos que todos carregam dentro de si um desejo pela eternidade para a qual fomos criados e à qual pertencemos.

Tal eternidade haverá de ser muito melhor do que a vida finita que conhecemos. Se sabemos que viraremos todos pó, para quê temos vivido, construído nossas histórias, amado nossos amores, se não para ajudá-los a chegar também na eternidade? Entender, desde cedo, que essa vida não é tudo o que temos, nos faz viver mais preparados para encarar o seu fim, e nos ajuda a lidar com a morte mais serenamente, encontrando consolo na esperança de uma vida melhor.

Lutemos, portanto, para ter os olhos voltados para a eternidade, e nos agarremos na esperança de um dia voltar para o lugar para o qual somos destinados, onde poderemos desfrutar da felicidade eterna, tomara que com aqueles que amamos e os quais ajudamos e nos ajudaram a chegar lá.

“Em todas as tuas ações, em todos os teus pensamentos, deverias te comportar como se tivesses de morrer hoje.”- Tomás de Kempis

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Isabela Cardoso
Essentia

Biotecnologista e mestranda em Biologia, amo fazer perguntas, divulgar a ciência no IG vida.de.cientista e escrever sobre relações humanas no Essentia.