Onde estão os homens?

Maria Paula Reis
Essentia
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6 min readJul 11, 2020

Certamente é importante começar este texto, explicando meu objetivo: compartilhar, desde um olhar feminino, como a conduta masculina nos dias atuais tem afetado a forma que nós mulheres nos sentimos em relação aos homens. É importante ressaltar que não foi realizado nenhum tipo de estudo ou trabalho de pesquisa, além da observação de pessoas de meu convívio ao longo destes vinte e poucos anos. Trata-se de uma visão um tanto quanto limitada? Sim. Ainda assim considero ser uma reflexão importante.

Não é raro, para nós mulheres, escutar frequentemente ou até mesmo proclamar com nossa própria boca o seguinte questionamento: “onde estão os homens?”. Evidentemente, não se trata de uma pergunta direcionada ao espaço físico, mas sim ligada às atitudes e aos valores dos mesmos. É uma pergunta que vem com complementos subentendidos. Onde estão os homens: respeitosos, trabalhadores, viris, honestos, valentes e etc? Homens como, por exemplo, o personagem Jean Valjean, da obra Os miseráveis de Victor Hugo.

“Nascido na França e de família muito pobre, Jean Valjean perdeu os pais ainda muito jovem. Seu pai morreu após cair de uma árvore e sua mãe foi vítima de uma febre não curada. Para não ficar sozinho, foi morar com sua irmã que já possuía sete filhos com idades entre oito meses e doze anos. Quando o esposo da irmã morre, Jean se vê na responsabilidade de sustentar a família que o acolheu e começa a trabalhar como podador, cavador e toda sorte de trabalhos pesados e ingratos. Já mais adulto, Valjean é preso e condenado a cinco anos de trabalho forçado por roubar um pedaço de pão. Terminou por cumprir dezenove anos como consequência de suas diversas tentativas de fuga. Após adquirir sua liberdade, tenta roubar os pertences de um bispo, que lhe dá o perdão. Essa atitude do religioso, marca Jean profundamente. Passa toda a vida fugindo de Javert, um oficial turrão que estabeleceu como objetivo de vida destruí-lo. Sumindo no mundo e determinado a ser uma boa pessoa, termina por ficar muito rico. Durante o livro não é mencionado romance algum que o envolva. Sua única herdeira é Cosette, garota que ele adotou ainda criança e se torna a menina de seus olhos. Para protegê-la de Javert, ele decide se esconder em um convento e lá ficam por anos. Após Javert atentar contra a própria vida, Jean Valjean morre ao lado de Marius e Cosette relembrando o passado e todas as lutas e conquistas que viveram.”

Desde pequenos, os meninos já demonstram suas características masculinas, na maneira como brincam, na sua força, na atenção e na fala. Conforme vão crescendo, essas características tendem a modelar-se mais, e aperfeiçoar-se — um menino que tinha quando pequeno, gestos mais brutos, já maior não deixa de tê-los, mas sabe se controlar melhor, caso seja necessário. Fisicamente também vão se desenvolvendo, crescem os pêlos, a voz se modifica (ficando um pouco mais grossa), os músculos se desenvolvem, por vezes ficando até mais definido; alguns ficam mais fortes, outros crescem na estatura ou até com o porte maior. Para além destes aspectos físicos, o homem vai também desenvolvendo o mais importante: seu caráter, seus valores, a moral, suas responsabilidades perante a família; e seus instintos naturais, como o da proteção.

Utilizei o exemplo do personagem Jean Valjean, por se tratar de um homem que, apesar das adversidades da vida, tem ao longo dos anos a formação e o desenvolvimento de seu caráter. As circunstâncias de mortes de entes queridos, fazem com que Jean traga para si a responsabilidade de provedor, que é a mais natural do homem. Caso você já tenha lido a obra, sabe que o momento mais feliz da vida de Jean é quando, após prometer à sua ex funcionária Fantine, que estava em seu leito de morte, que cuidaria de sua filha Cosette como se fosse dele, realmente cumpre o prometido. Não é o amor por alguma mulher que faz com que Jean venha a sentir-se realizado, mas sim a situação de prover, proteger e amar uma criança que não é sua filha, mas depende dele. A partir de todo o sofrimento que passa, aprende mais do que o domínio da tecnologia ou da medicina; ele aprende o domínio de si, de suas paixões e vontades.

A beleza de um menino que se transforma em um homem, conhecendo-se e sabendo qual é o seu papel dentro da família e da sociedade, é o naturalmente esperado. Entretanto, de maneira geral, não tem funcionado assim. Homens valentes e dispostos a enfrentar as adversidades da vida, como o exemplo do Jean Valjean, já não são tão comuns.

Como comentei no início, não foi realizada nenhuma pesquisa pelas ruas (ainda mais por conta da situação atual). Somente posso falar à partir dos homens com quem tenho convivido ao longo desses anos. Para isso, volto à pergunta do título: onde estão os homens?

Era comum na geração do meu avô e logo na do meu pai, por exemplo, homens que talvez não tivessem estudo, que não soubesse que carreira seguir, mas que estavam convictos da necessidade de trabalhar para sustentar suas famílias e serem fortes para proteger os que estavam sob sua responsabilidade. Fossem esses homens profissionalmente bem sucedidos ou não, eram bem sucedidos na sua maior missão: a de provedores e protetores de suas famílias. Qual é o cenário atual? Como vemos os homens hoje? Ou pelo menos para nós mulheres: como nos sentimos em relação às atitudes dos homens de hoje? Decepcionadas.

Se você é mulher, sabe do que estou falando. Decepção é o sentimento que sentimos em relação à maioria dos homens com quem temos cruzado na vida. Por vezes, nossos avós, pais, tios, primos, amigos, ficantes, ex-namorados ou paqueras. “Homens” que, diferente do perfil do personagem que descrevi, não querem ter a responsabilidade de prover e proteger. “Homens” que tem medo de compromisso, que tem medo de abordar uma mulher que lhes parece interessante ou que, se tomam iniciativa e se machucam, ficam “traumatizados” e “sentidos”. E tantos outros exemplos que não vejo necessário ficarmos comentando aqui.

Enquanto isso, nós mulheres, vamos tomando esse espaço. Se o homem não toma atitude: “pois bem, eu vou tomar”. Se o homem não quer ser o provedor da casa: “sem problemas, eu posso sustentar a minha família” — e realmente pode. “Ele não vai me pedir em namoro? Okay, eu posso fazer isso”. E por aí vai. Cada vez mais a mulher vai se apoderando e carregando responsabilidades e atitudes que são do homem, como se fossem suas. Assim, os homens vão perdendo cada vez mais sua essência e sua identidade.

Veja bem, certamente a mulher é livre para se apoderar e carregar todas essas responsabilidades e tomar atitude se isso a faz feliz. Mas como tenho dito desde o início, o que tenho visto (incluindo o tempo que morei em outro país) são mulheres decepcionadas, perguntando-se “onde estão os homens?”, pois se veem obrigadas a carregar todas essas responsabilidades. Nós, mulheres, vemos que se não o fizermos, ficaremos sozinhas. Os homens tornam-se inúteis. E as mulheres, sobrecarregadas.

Por isso, homens: assumam sua essência de homens! Assumam sua força, suas qualidades de protetores, provedores, cuidadores, pais, etc. Não se vitimizem. Reajam, crescendo e amadurecendo. Mulheres, não se contentem com meios-homens. Insistam em levá-los à uma verdadeira masculinidade, que não agride, que não desiste em frente aos problemas. Uma masculinidade que cuida, que ama, que eleva a nossa própria feminilidade. Não tenham medo de ser exatamente quem são e o que foram chamadas a ser: belas. Carreguem o que cabe à vocês, (à nós) sejam livres e felizes.

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Maria Paula Reis
Essentia
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Sanguínea ansiosa, apaixonada por musicais e cantora de chuveiro. Escreve para Essentia.