O que há de ser?
Dia 17 de março. Dia em que presenciamos o início da quarentena em Brasília, DF. E hoje estamos há 5 meses dessa data. Desde então, já ouvi de vários amigos as seguintes frases:
– 2020 não valeu, a gente vai fazer aniversário só no ano que vem!
– Acordo às 12h pra mexer no celular e só saio dele às 3h da manhã.
– Ano sem Páscoa, festa junina e bar com os amigos foi um desperdício.
Brincadeiras à parte, não podemos negar que há um fundo de verdade em cada uma dessas falas. Qualquer expectativa para 2020 foi “por água abaixo” quando o primeiro sinal do novo coronavírus foi encontrado no Brasil. Mas o que estamos fazendo desde então?
Depois de relutar bastante, aproveitei a quarentena para finalmente assistir à série “This is Us”. Tinha bastante receio, pois me apego rapidamente a personagens – algo que filmes e séries de drama não favorecem. Contudo, me deparei com uma história surpreendente.
É fascinante como todo e qualquer episódio da série traz uma lição. Cada filho da família protagonista possui sua jornada, dor e dificuldade, mas todos são envoltos pelo emaranhado de ensinamentos e sacrifícios que seus pais deixaram como legado. E é desse novelo que vamos puxar um fio especial.
Para ajudar aqueles que possuem “spoilerfobia”, a próxima parte pode ser pulada (apesar de comprometer boa parte da mensagem desse texto):
(Início do spoiler)
No oitavo episódio da primeira temporada, William, o pai biológico de Randall, é questionado sobre como é sentir que está morrendo, pois se encontra na fase terminal de um câncer no estômago. Ele, então, traz uma perspectiva frágil, singular e delicada sobre a vida:
(Busque ler este trecho com calma, frase por frase)
“Parece… como se todos esses lindos pedaços de vida estivessem voando ao meu redor e… estou tentando pegá-los. Quando minha neta dorme no meu colo, tento captar a sensação de sua respiração contra mim. E quando eu faço meu filho rir, tento ouvir o som dele rindo. Como (a risada) cresce no seu peito. Mas os pedaços estão se movendo mais rápido agora, e não posso pegar todos.
Eu posso senti-los deslizando pelas pontas dos meus dedos. E logo onde costumava haver minha neta respirando e meu filho rindo, não haverá… nada. Oh, eu sei que parece que você tem todo o tempo do mundo. Mas você não tem. Então pare de fingir. Capte os momentos da sua vida. Pegue-os enquanto você é jovem e rápido. Porque mais cedo do que você imagina, você estará velho. E devagar. E não haverá mais deles para pegar.”
(Fim do spoiler)
Agora é difícil imaginar que a vida, neste ano, foi desperdiçada. Afinal, ela está presente e pulsante em cada um de nós. Em cada risada depois de uma mensagem inesperada no seu dia, em cada detalhe da sua casa que, na correria de antes, você não percebia que precisava de um olhar a mais.
Você repara agora que uma louça rachada no canto pode contar uma história única, e se pergunta quantas memórias passaram despercebidas na pressa da rotina. Quantos encontros ou quantas pessoas você desdenhou, pensando que teria outro momento para fazer a sua parte em uma “obrigação” social?
Ainda que a ansiedade e a insegurança estejam aqui, fazendo os contornos de uma nova realidade, não posso deixar de falar dos bons momentos que ainda somos capazes de criar em meio às adversidades.
Não posso deixar de reconhecer aqueles que lutam tanto para resgatar o que há de mais belo e valioso na Humanidade, pois sabem como cada sopro de vida é importante para aqueles que nos amam e nos querem ao seu lado. E espero que você possa se juntar a mim nessa busca diária do que nos faz mais humanos.
Hoje me vejo um pouco mais parecida com William, ainda que não o suficiente. Tento agarrar cada momento de humanidade que passa diante dos meus olhos. Quando tenho a chance de ver alguém na rua enquanto caminho, seus gestos se tornam mais vivos e contrastantes para mim. Coloco o máximo de gentileza que cabe em um "bom dia" ou "boa tarde", ainda que tenha perdido o costume de fazer isso. E agora percebo a falta que um abraço amigo faz, repensando todas as vezes que abracei alguém de um jeito tão frio e distraído.
Para a minha surpresa, tenho notado alguns faróis de humanidade nessas pequenas ilhas que formamos nos últimos meses. Quando precisei assumir, por um dia, o atendimento ao consumidor na empresa em que trabalho, suspirei e lembrei da experiência que tive em atender clientes ensandecidos pelo telefone durante um ano em um outro emprego. Mas fui tirada das minhas defesas quando encontrei pessoas, e não vozes, do outro lado da linha.
Esperava que todos fossem preferir atendimento por mensagem, mas a maioria seguiu a conversa pelo telefone com calma e descontração. Pude fazer as perguntas, ouvir o problema e agradecer por toda a atenção, sem precisar correr ou me justificar. Acho que todos, neste momento, estão buscando pequenos sinais de humanidade. E como é gratificante — e único — poder viver esses segundos de encontro!
Quero deixar claro que não estou tentando trazer mais uma dose de otimismo cego para o seu dia. Em meio a esse turbilhão de emoções que chamamos de Humanidade, estou apenas buscando uma visão mais bela, real e condizente sobre a vida. Afinal, ela pode simplesmente escorrer pelos nossos dedos — e o que teremos feito desde então?
“Capte os momentos da sua vida. Pegue-os enquanto você é jovem e rápido”.