Uma vida responsável

Gabriela Vieira
Essentia
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7 min readMay 8, 2020

Segundo o psicólogo Jordan Peterson, é a responsabilidade que dá sentido à vida e não uma gama de direitos. Todos somos responsáveis pelas escolhas que fazemos e, quando a liberdade se desvincula da responsabilidade, caímos na libertinagem que condena o ser humano a ações determinadas por impulsos e apetites. É a liberdade, acompanhada da responsabilidade, que constitui a vontade e direciona o nosso agir.

O tema aborto sem dúvidas é um tema que desperta fortes sentimentos. Muitas vezes pautado mais em um apelo emocional ao invés de uma racional articulação de argumentos, principalmente em um debate público.

Vale lembrar que o tema não é monopólio da mulheres, tendo em vista que filhos não nascem a partir de uma geração espontânea do corpo. Filhos são frutos de uma parceria conjugal, planejada ou não, boa ou ruim. Os homens tem uma participação efetiva no surgimento de um novo ser humano, sendo importante que arquem com todo tipo de ônus.

Se não há coerção, o ato sexual é livre e evitável. Uma gravidez não acontece por acidente, mas sim como uma consequência de um ato deliberado. Salvo abstinência, nenhum método contraceptivo é 100% eficaz. Portanto, a prática de um ato sexual não abrange somente o prazer ali envolvido, mas também as consequências de uma gravidez. Sendo assim, a gravidez é uma resultante previsível do ato sexual e os agentes ali envolvidos são responsáveis por ela.

Há uma falsa dicotomia entre o direito à vida da mulher e o direito à vida do nascituro. A vida de ambos importa e é um direito absoluto. O embrião é uma pessoa e tem direito à vida. Isso em nada diminui o direito à vida da mulher.

A realidade e o valor da vida humana não são dados verificados a partir de impressões pessoais, estados psíquicos, condição financeira ou classe social. Por meio de um fato biológico, confirmado pelo método científico, o embrião é um organismo vivo e, sem dúvidas, da espécie humana.

Todavia, essa realidade não se reduz a uma realidade biológica, mas é também um dado filosófico, em especial antropológico e moral. Quando uma mulher descobre, com apenas um mês, que está grávida, ali mesmo já começa a receber os parabéns por ser mamãe. Ninguém espera 8 semanas para que “vire vida” e aí sim dar os parabéns. Há aqueles que esperam 3 meses para anunciar a gravidez justamente por medo de sofrer a perda da vida, precisamente por ali já existir vida.

Portanto, a vida não precisa ser desejada para ser vida e, assim, sujeita a tutela de direitos. A vida simplesmente é.

A descoberta de uma vida traz consigo muitas expectativas. Uma gestante é um acontecimento humano fundamental cujo significado não pode ser medido ou diminuído por uma descrição científica do mundo. Mulheres grávidas estão sempre grávidas de outros seres humanos. Embriões de cães são cães, embriões de gatos são gatos e embriões de pessoas são pessoas. Não é o desenvolvimento do sistema nervoso que o qualifica como pessoa capaz de racionalidade e consciência. Mas é justamente por ser pessoa que pode desenvolver um sistema nervoso central.

O corpo do embrião é objetivamente distinto do corpo da mulher. São duas entidades reais, dessemelhantes e autônomas. O que há é uma dependência do embrião da vida da gestante. Ele estar no corpo dela não significa ser uma extensão do corpo da mulher. Mas sim que alguém está sob condições extremas e que, justamente por isso, exige de todos o máximo de cuidado e responsabilidade.

Contudo, ainda que se despreze todas as premissas biológicas e antropológicas quanto ao surgimento da vida e não se soubesse ao certo em que estágio da vida embrionária já é pessoa, seria, ainda assim, legítimo correr o risco de eliminar uma (ou milhares) vida? Vamos nos dar o benefício da dúvida sobre o momento em que a vida da pessoa inicia. Ainda assim, é legítimo que uma mãe, sem certezas conclusivas, possa correr o risco de tirar a vida de um filho? Não se está diante de uma doença que se contrai, mas de uma decisão moral.

O aborto não é um tema sobre direitos da mulher, mas sobre um profundo desprezo pela vida humana. E isso não é dizer que a vida da mulher não é importante. Mas o aborto não é uma solução para cessar o drama de algumas mulheres. Tornar o aborto uma opção é simplesmente premiar a irresponsabilidade de pessoas que fizeram uma escolha e não precisam arcar com as consequências dessa escolha.

A vida do outro impõe, pelo menos, um limite à liberdade não só da mulher, mas a toda escolha humana, tendo em vista que embriões não simplesmente invadem o corpo de alguém para lá parasitar. A vida do nascituro (direito absoluto) não pode ser violada para a manutenção de uma liberdade (direito relativo) completamente desvinculada de responsabilidade. Não é legítimo que a mulher ou o homem não se sujeitem a quaisquer obrigações e restrições sob o manto de uma proteção de direitos irrestritos sem qualquer contraprestação.

Uma sociedade que proclama por tantos direitos acaba criando cada vez mais privilégios. Os privilégios implicam em uma maior intervenção política, uma maior desigualdade perante lei, mais ressentimento social e uma maior sensação de frustração coletiva.

Quando todos os poderes e legislações estão a serviço de desejos e vontades, aumentando privilégios e diminuindo responsabilidades, são criados cada vez mais incentivos para que mais pessoas busquem mais privilégios e abram mão do dever de conduzir suas vidas.

No caso do aborto e a sua descriminalização, isso fica muito claro quando se nota que há um aumento drástico dos número de abortos em caso de legalização. O que é muito diferente do que trazem certos slogans e estatísticas incorporados sem respaldos na realidade e que acabam se tornando falácias, sendo repetidas sem uma reflexão crítica. A legalização do aborto só incentiva ainda mais a sua prática, conforme a tabela abaixo, que traz as estatísticas dos países em que a descriminalizaram.

Tabela elaborada pelos Estudos Nacionais.

Ser obrigada a não tirar a vida do filho é diferente de ser obrigada a amá-lo ou aceitá-lo. Se trata apenas de reconhecer que o exercício da liberdade, mesmo sob o próprio corpo, deve ser limitado pela presença concreta de outro ser humano.

A existência de uma pessoa é um direito fundamental que precisa ser preservado e depende de sua natureza, não do consentimento de terceiros. A noção de direitos não depende de relações, mas é um fato neutro, livre e independente. Portanto, as ações devem ser limitadas por certas obrigações e sanções que exigem responsabilidade de todos os membros de uma comunidade.

Ter direitos não significa agir conforme nossas inclinações e impulsos imediatos, mas sim reconhecer uma obrigação que regula a nossa conduta social. Segundo Ortega y Gasset, quando tudo é permitido e nada é devido, os indivíduos de uma sociedade se acostumam a se importar só com eles mesmos e não contam com ninguém como se fossem superiores.

Uma vida responsável exige a condução e coragem nas rédeas do próprio fardo. Seguir cegamente uma opinião e preferências subjetivas pode ter um alto custo social, a ponto de se chegar a impossibilidade de vida em sociedade.

O próprio Sócrates, na sociedade em que viveu, não se poupou em questionar os membros da comunidade democrática a respeito de como eles fundamentavam suas próprias opiniões sobre justiça e verdade. Um bom modelo a ser visualizado por nós em uma sociedade com tantas opiniões, que clama por tantos direitos e que pouco tangencia sobre responsabilidade, além de qualquer contraprestação ser vista como opressão.

Referências:

1. Contra o aborto, Francisco Razzo.

2. Direitos Máximos e Deveres Mínimos, Bruno Garschagen.

3. La rebelión de las masas, in Obras completas, Ortega y Gasset.

4. Número de abortos aumentam com a legalização, confirma levantamento com 19 países, Marlon Derosa, 16 mar. 2018 Disponível em: < https://www.estudosnacionais.com/7231/numeros-de-abortos-aumentam-com-a-legalizacao-confirma-levantamento-com-19-paises/ > Acesso em 07 maio 2020.

5. Seminário “Mulher, Família e Gênero”, Isabela Mantovani. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/radio/programas/428183-especialista-diz-que-experiencias-internacionais-provam-que-legalizacao-do-aborto-provoca-aumento-no-numero-de-casos/ > Acesso em 07 mai 2020.

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Gabriela Vieira
Essentia
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Colérica sangue nos olhos, apaixonada por uma boa conversa e um cafézinho. Entusiasta quando o assunto é arte, política, literatura, música e filosofia.