Em “Up”, ninguém é substituível

Laura Poffo
Essentia
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4 min readMar 11, 2020

Amizades que se distanciam, mudança de emprego, relacionamentos que terminam. Quantas vezes, dentro de cada situação, não se ouve a famosa frase “ninguém é insubstituível”? Em “Up — Altas Aventuras”, a resposta é profundamente diferente. A partir do amor que vemos entre Carl e Ellie, entendemos como é necessário enxergar cada pessoa em sua singularidade.

O amor conjugal

Para aprendermos o que está por detrás da história, vamos pontuar as quatro características do amor conjugal: livre, total, fiel e fecundo. No enredo, Carl Fredericksen é um senhor (bem) rabugento que vive isolado em sua casa de madeira, a única sobrevivente em uma grande selva de pedra. Quando a casa — que também é a lembrança restante de sua esposa falecida — está para ser engolida pelos prédios, Carl a leva para o Paraíso das Cachoeiras por meio de milhares de balões. O que ele não podia esperar eram companhias completamente opostas a ele, representadas por Russell, um escoteiro mirim, e Dug, um cachorro falante.

Se a história tivesse começado dessa forma, não teríamos conhecido o motivo que levou Carl a fazer tudo isso: Ellie, sua esposa e melhor amiga. Quando conhecemos Carl, ele é apenas um garoto tímido e inseguro que sonhava ser um explorador como seu ídolo, Charles Muntz. Mas tudo muda quando se encontra com Ellie, uma menina banguela que consegue falar pelos dois e compartilha do mesmo sonho.

A jornada

A partir desse encontro, Carl se depara com a primeira característica do amor: ser livre. Os dois, então, traçam juntos uma história livre em suas escolhas e destinada a crescer nas alegrias e dores da vida. Eles se tornam um só coração e buscam sempre o melhor de si.

Percalços surgem no casamento quando Carl e Ellie descobrem que não podem gerar filhos. O amor conjugal, que é destinado a ser fecundo, se depara então com a frustração de não gerar novas vidas. Quantas vezes não vivemos derrotas dão dolorosas como essa por conta de expectativas que criamos? Chegamos a desistir de tudo por ideais que cobramos uns dos outros.

Mas o amor fecundo é um dom que não se esgota entre os esposos. Por isso, Carl e Ellie manifestam essa entrega por meio de seus maiores talentos: passam a trabalhar em um zoológico, onde podem encantar e alegrar a vida de várias crianças. E, assim, seguem expressando o que possuem de mais autêntico em suas personalidades e em seu relacionamento.

O tempo passa e vemos como Carl e Ellie se dedicam de forma total um ao outro: são piqueniques, planos e reformas da casa que passaram a vida inteira construindo. No amor, não existem cálculos egoístas nem vontades individuais lutando numa batalha sem causa. Afinal, quem ama verdadeiramente não o faz somente por aquilo que recebe do outro, mas por ele em si mesmo. O ápice dessa dedicação culmina em outro elemento do amor quando a saúde de Ellie piora bruscamente.

A entrega

Carl, então, se vê fiel até a morte, valorizando cada segundo que ainda são capazes de compartilhar. Ele nos ensina que o matrimônio não é uma escolha feita somente no dia da festa. São sacrifícios, entregas e desprendimentos reais de si mesmo, que podem ser dolorosos, mas necessários, quando estamos acostumados com o mundo girando à nossa volta. É uma decisão diária, com o compromisso de se amar e respeitar o outro renovado constantemente.

Quando nos aprofundamos na jornada de Carl e Ellie, compreendemos por que Russell e Dug não conseguem entender a persistência de Carl em levar sua casa para o Paraíso das Cachoeiras. Eles nunca viveram a fonte eterna de felicidade, íntima e duradoura, que Carl encontrou em Ellie. Aprendemos também por que Carl é tão relutante em deixar seus planos de lado para ajudar seus amigos. Ele havia conquistado tudo que sua essência procurava e não se via mais sem essa resposta em sua vida.

Tudo muda quando Ellie deixa uma mensagem final para Carl: ela sabia o quão valioso ele era e não podia permitir que ele desperdiçasse todos os seus dons. O amor verdadeiro é capaz de reconhecer todo o potencial do outro e usá-lo ao máximo, independente de suas próprias vontades ou consequências. É um dom que transcende qualquer individualidade, porque está destinado a ser inteiramente do outro.

O fim inesgotável

Carl finalmente entende o que Ellie sempre quis para ele. A partir desse momento, ele busca não só estar próximo de Russell e Dug, mas valorizar o que cada um possui de melhor em si mesmo. Ele se faz presente em suas conquistas, como o verdadeiro amor faz de forma tão natural e espontânea, nunca se esgotando.

Quando o encontramos, não há achismos, planos pessoais ou fracassos que nos prendam de conquistá-lo e levá-lo para os outros. Afinal, cada pessoa, por si só, é uma aventura única, real e completa de ser conquistada, jamais sendo substituível.

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Laura Poffo
Essentia

Cinéfila, maratonista de séries e apaixonada pela realização de grandes histórias. Também escreve sobre relações humanas em Essentia.