Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Ocupação por dentro: Famílias Sem-Teto ocupam prédio abandonado em BH com o MLB

Questões urbanas

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Estúdio Boa Ideia
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8 min readJul 29, 2021

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Gabriel Lopo

Para mim, o dia 28 de julho começou cedo. Às 7h estava de prontidão e fui para o centro onde me encontrei com as famílias sem-teto e a militância organizada do MLB — Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Tudo estava organizado e pronto para mais uma ação ousada e arriscada da luta por moradia em Belo Horizonte, capital mineira. No caminho é possível sentir a ansiedade coletiva para descobrir o endereço, a vizinhança e o estado de mais um prédio público abandonado há anos pelo Governo do Estado.

Foto: Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Chegamos. Aproximadamente às 9h no meu relógio. Uma equipe rompe o cadeado e a corrente do prédio abandonado na esquina da Rua da Bahia com Rua Professor Antônio Aleixo, ao lado do tradicional Minas Tênis Clube. Em seguida, atravessa uma pequena antessala e rompe uma porta. Se encontram com um vigia com uniforme da MSG. Militantes mais experientes acalmam o vigia e dizem que nada farão contra ele. O momento da entrada é talvez um dos mais emocionantes.

As bandeiras, os gritos de ordem, a organização e a disciplina para fazer cada coisa acontecer como deveria. Em poucos minutos o prédio precisava ser identificado com a mais nova ocupação da cidade. Para isso bandeiras vermelhas com a logo do movimento, faixas com dizeres e reivindicações, tudo muito bem posicionado. Um grupo de pessoas começa a subir todos os andares do prédio. O descaso e o abandono é visível. Paredes inacabadas, escombros e sujeira por todos os lados.

Famílias sem-teto entram e ocupam prédio abandonado — Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

O imóvel tem “Localização privilegiada em excelente bairro da cidade”, é o que diz a MGI, empresa do Governo do Estado voltada para leilões, possui 4679 metros quadrados, com 9 andares e que junto com dois subsolos e um térreo totalizam 12 pavimentos. Diga-se de passagem com uma vista absurdamente encantadora, como poucas vezes tive o prazer de desfrutar em Belo Horizonte. Acessar coberturas de prédios não é algo muito simples, mas lá estávamos nós. A nossa cidade é linda vista de cima.

Além de ser vizinho do Minas Tênis Clube, o imóvel fica a poucos metros de distância de um incrível circuito cultural, do Palácio da Liberdade (sede do Governo do Estado) e da tradicional Praça da Liberdade. Por ironia do destino, ou por acaso das decisões, o prédio também fica a poucos metros do COPOM 190 — Centro Integrado de Operações da Polícia Militar e do Quartel do Comando Geral — PMMG.

Fotografias: Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Em poucos minutos uma tropa estava de prontidão em frente ao prédio. A Polícia Militar chegou com sua melhor forma, já que interditaram as ruas próximas ao prédio e deixaram as ruas livres para chegarem em suas motos e carros com todas as sirenes ligadas no volume máximo fazendo um barulho apavorante, que automaticamente instaura um clima de tensão em todas as pessoas.

A pressão da Polícia Militar aumenta. O aparato militar fica mais ostensivo. O batalhão forma uma fileira de policiais posicionados em frente o imóvel abandonado. Um grupo de militantes e apoiadores prestam solidariedade e suporte político para o grupo de famílias sem-teto que estava dentro do imóvel. Do lado de dentro o medo de um despejo violento.

A Polícia pressiona para entrar na ocupação. A direção do movimento tenta conter o risco de um despejo violento, aceita o acordo e permite que a polícia entre no imóvel desde de que nenhum policial violente ninguém. Lá chegaram, aos montes, organizados, com seus escudos, botas, armamentos, bombas, sprays, tocas ninjas que ocultavam a identidade de alguns agentes. Por algumas horas, um prédio abandonado há anos, ganhou um respiro de vida e contato com a cidade, afinal tínhamos agora uma ocupação militar dentro de uma ocupação de famílias sem-teto. A decisão do movimento foi correta.

Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Junto ao pelotão de agentes militares entram também o Coronel Olímpio, Poliana Souza, coordenadora nacional do MLB e Fernando Nogueira, advogado em favor do movimento e professor da Universidade Federal de Lavras. Ali dentro eles conversam, dialogam, mantêm a negociação sobre o futuro da ocupação e tentam acalmar as famílias.

Ocupação Militar na Ocupação de Famílias Sem-Teto. Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Em entrevista ao Estúdio Boa Ideia, Poliana Souza, coordenadora do MLB explica a escolha do prédio que foi ocupado. Segundo ela, “foi para fazer a denúncia do que o Governador Romeu Zema tem feito com o Estado de Minas Gerais. Recentemente o Estado gastou 6 milhões de reais para reformar esse prédio, nenhuma reforma foi feita. Nenhuma. A gente não sabe para onde foi esse dinheiro”.

Manifestante questiona a venda do imóvel. Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia.

Além disso, apuramos as informações públicas disponíveis no site da MGI e no Diário Oficial do Estado e confirmamos que o prédio foi leiloado no dia 16 de julho em uma Concorrência Pública de 2021. Poliana Souza prossegue sua denúncia e afirma “pra piorar o Estado leiloou esse prédio, assim como tem feito com outros imóveis, leiloou por 20 milhões de reais. Por incrível que pareça quando chegamos quem estava fazendo a segurança do prédio era um funcionário da MGS. Como assim, é privado e quem faz a segurança é o Estado? Para onde foram esses 20 milhões? Para onde foi esse dinheiro?

Já para Adriel Cássio, jovem e coordenador estadual do MLB a ocupação é também para o Governo Estadual atender as demandas das ocupações Carolina Maria de Jesus e Ocupação Manoel Aleixo. A Ocupação Carolina é uma ocupação vertical no centro de Belo Horizonte. Ela irá completar 4 anos de 2021, tempo marcado por ameaças de despejo, corte de água e de luz, intimidação policial, mesas de negociação e descaso no cumprimento dos acordos por parte do Estado.

A Ocupação Manoel Aleixo é uma ocupação em um terreno na região do Barreiro, que o MLB ocupou por duas vezes e sofreu despejos pela Polícia. Em negociação com o Estado e Prefeitura, o movimento conquistou o direito de ocupação da área. Segundo Adriel, a Ocupação Manoel Aleixo também tem demandas que precisam ser resolvidas pelo Governo Estadual.

Adriel Cássio, nos escombros do imóvel abandonado e Poliana Souza em assembleia com as Famílias Sem-Teto da Ocupação. Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Um aspecto da reivindicação do MLB é a luta contra a privatização da Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab). Esse é um tema que já está na mesa do Governo Estadual há alguns anos. Em 2016, o Jornal Hoje em Dia, publicou que o Presidente Temer estava pressionando o governo estadual para a privatização de companhias estatais mineiras e uma delas seria a Cohab. Em julho de 2021, o Diário do Rio Doce publicou uma notícia onde destaca o rechaço que a proposta de privatização da Cohab recebeu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Há poucos dias da Ocupação, militantes do MLB, ligados à aspectos técnicos de urbanismo e habitação, publicaram um texto no Jornal A Verdade onde debatem os planos de privatização da Cohab por parte do Governo Zema. Segundo André e Letícia, a leitura política é de que “Com a eleição do governador Romeu Zema, a política habitacional passou a ser conduzida segundo duas estratégias: a financeirização dos imóveis da Cohab e a desestatização do órgão.”.

Em resposta à reportagem do G1 Minas Gerais sobre a ocupação, o Governo não apresentou nenhuma informação sobre a situação de privatização da Cohab. No mesmo dia 28 o Governo realizava a cerimônia de sanção sobre a lei do Acordo da VALE S/A e segundo reportagem do Jornal O TEMPO o governador afirmou que “Habitação é uma prioridade sim, e quando nós tivermos condições de atacar esse problema queremos atacar, faz todo o sentido. Então, contem conosco.”.

Movimento desocupa o imóvel, realiza assembleia na rua e segue em marcha para o Palácio da Liberdade. Gabriel Lopo / Estúdio Boa Ideia

Por volta das 13h, o Coronel Olímpio informou à coordenação do Movimento que haviam sido agendadas duas reuniões com a Cohab. A primeira para o dia 29 de Julho, às 10h, em formato de videoconferência e outra para a semana seguinte, em formato presencial. Com essa informação o Movimento decidiu desocupar o imóvel e começar um acampamento em frente a sede do Palácio da Liberdade para continuar a pressão política sobre o Governo Estadual. As famílias seguiram em marcha até a fachada do Palácio e lá se organizaram o acampamento com barracas e colchões.

O Movimento afirma que seguirá em vigilância para o cumprimento dos acordos. Em nota publicada nas redes sociais o MLB afirma que “Seguimos em vigilância para o cumprimento do convênio e da reunião! Não arredamos o pé enquanto não haja uma solução definitiva!”

Gabriel Lopo e Adriel Cássio no terraço do prédio ocupado. Foto: João Marcio / MLB

Acompanhei de dentro, como Jornalista identificado, todo o movimento e realizei a cobertura via redes sociais até o momento que permaneci no local do protesto. Recebi o relato de uma seguidora do Instagram que afirmou ter tentado ir à porta da ocupação para prestar seu apoio e que a Polícia Militar impediu sua aproximação isolando ruas próximas. A Polícia Militar também interferiu no trabalho de outros jornalistas que foram cobrir a ação: a imprensa também foi impedida de chegar muito perto do prédio ocupado tendo que realizar filmagens à distância.

Algumas perguntas sobre o assunto ainda seguem em aberto. Elas serão o tema de mais reportagens onde vamos buscar investigar quem foi o comprador do imóvel, as motivações, para onde foram os 6 milhões de reais, como apresentou Poliana Silva e qual a destinação dos mais de 20 milhões recebidos pelo leilão. Um forte abraço, até lá!

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