Garota exemplar: a história de um amor nem tão exemplar

Raphaela Vitor
Estação 973
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4 min readApr 20, 2021

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Como uma forma de escapar da minha própria ressaca literária, no início deste ano decidi finalmente ler o livro do meu filme preferido: Garota Exemplar, e você pode estar se perguntando:

- Mas por que raios você leu um livro sob o qual você já sabe a história?

Eis a minha explicação, caro leitor

Em 2016, por indicação de uma amiga, decidi dar play no thriller Gone Girl, filme dirigido por David Fincher, e após 2 horas e 29 minutos me tornei obcecada pela história de Gillian Flynn, que inclusive foi roteirista do longa.

A adaptação é bem-feita e respeita a visão que Gillian tinha sob sua obra. Mesmo assim, após reassistir por várias vezes, e em diferentes etapas da minha vida, percebi que haviam algumas lacunas não preenchidas. Por este motivo, bati o pé e decidi finalmente ler o livro, e de antemão te digo, minhas expectativas foram mais que atendidas, foram surpreendidas, principalmente com a complexidade e precisão que a autora moldou seus personagens.

A permissa é bem simples, Amy Elliot Dunne desaparece em circunstâncias misteriosas no dia de seu quinto aniversário de casamento, e como instinto natural e porque na realidade as coisas tendem a ir para este rumo, seu cônjuge, Nick Dunne, se torna o principal suspeito.

Até uma boa parte do livro somos inseridos num jogo do Ela disse Ele disse, entre Amy e Nick, confesso que talvez este tenha sido o único momento que me peguei pensando que gostaria de esquecer o enredo do filme.

Amy nos da a sua versão dos fatos, relatando principalmente a decadência de um casamento quase perfeito se deteriorando até se tornar uma prisão entre as partes envolvidas, e temos uma visão bem babaca e narcisista de Nick perfeitamente expostas nas páginas do diário da Sra. Dunne.

Ele por outro lado, nos apresenta características não tão amáveis de sua esposa, basicamente ela se torna o oposto do que transparece nas páginas de seu diário. Nick, deixa de ser um pouco babaca, mas só um pouco na minha opinião.

Até então, filme e livro seguem de mãos dadas, em ambos é eletrizante acompanhar as duas narrativas e ficar se questionando quem é leão e quem é a ovelha. Um dos pontos principais que me fizeram insistir na leitura foi: a relação de Amy e Nick com as pessoas que os ajudaram a moldar o caráter, no caso, os progenitores do casal principal.

Se você já teve a oportunidade de assistir o longa, é quase impossível não perceber o ressentimento de Nick para com seu pai. Sendo esse um dos pontos não explorados no filme, que só obtive respostas ao ler. É nítido o temor de Nick em se parecer com seu antecessor, em suas palavras, um odiador de mulheres.

Esse medo o leva ao extremo, sendo sua bussola moral em diversas situações, principalmente com a necessidade que tem em agradar todos a sua volta, em não parecer nervoso ou raivoso, conseguindo se tornar até apático em certos momentos.

A relação que Amy tem com os seus pais também fica longe de ser digno de uma família buscapé. Filha de dois psicólogos que basicamente criaram uma persona e transcreveram sua infância em best-sellers, não há quem negue que tal ato deixe marcas.

Amy Exemplar, uma versão melhorada de Amy, se torna o mártir para a única filha dos Elliot. Ter de competir com uma figura fictícia sua, a qual torna seus fracassos em conquistas, fez com Amy de carne e osso, se transformasse em uma perfeccionista patológica, sendo bem explícito que a negligência de seus pais teve grande influência em tal feito.

No entanto, o que me prendeu de fato à leitura, foi a visão totalmente distorcia que ambos têm um do outro e a percepção sobre o amor.

No início de seu relacionamento, Amy e Nick possuem uma faceta melhorada de si mesmos, mascarando cada defeito e falha ao extremo, até certo ponto faz sentindo, ninguém coloca à disposição em um primeiro encontro todos os defeitos e traumas como cartas sendo dispostas em uma partida de baralho.

Mas até quando é possível manter as aparências? Quanto tempo leva até você perceber que desconhece a pessoa do outro lado cama? E o mais perigo desse jogo de encenação, quais são as consequências desse ato?

Bom, se quer saber as respostas desses questionamentos, te indico a entrar de cabeça na obra de Gillian Flynn.

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Raphaela Vitor
Estação 973

Sou uma pseudo-escritora que usa as palavras como ticket para escapar da realidade.