Não, Simone, ninguém vai lhe dar os louros por desistir
Mas eles também não poderão lhe dar uma saúde mental mais íntegra, ou mesmo uma vida nova.
As Olímpiadas de Tóquio, como todo evento mundial da atualidade, têm levantado diante da nossa sociedade, diversos apontamentos e debates relevantes acerca de representatividade, liberdade de expressão e visibilidade para as causas minoritárias. Marcada, por exemplo, por ter o maior número de atletas assumidamente LGBTQ+ participando de competições, o uso frequente da linguagem neutra em narrações de jogos, maior presença feminina em pódios olímpicos e destaque nos esportes antes vistos apenas pela presença masculina etc.
Assuntos que antes eram restritos apenas aos fóruns e tribos underground do Twitter, grupos segmentados do Facebook, páginas e blogs, das chamadas bolhas sociais, efervescendo nos espaços de mídia e meios de comunicação durante pelo menos duas semanas seguidas, diariamente, 24 horas por dia. Ganhando destaques além dos protestos por direitos e gritos por espaços — lugar comum e genérico de tais debates em meios sociais — . Vistos e ouvidos superficialmente e, raramente, em datas e meses específicos, quando não, logo após tragédias motivas pela ignorância e heterogenia da sociedade padrão.
O episódio Simone Biles, não seria diferente: uma atleta de elite dos EUA, aos 24 anos em plena ascensão para o favoritismo de todas as medalhas de ouro em que se propusesse a disputar, dona dos louros e da glória do mundo da Ginástica Olímpica. Falha em um salto que não foi dos seus melhores e desiste de competir o resto da edição de 2020/21 do maior evento de prestígio ao esporte, do evento que a consagraria ao lado de tantos outros de sua nação, como Dressel e Ledecky, como a Lenda Americana. Aliás, status quo que ela chegou carregando merecidamente já de competições em outros mundiais de ginastica.
Como ela pôde? Desistir por quê? Por conta de um errinho? Não. Pior, desistir porque sua cabeça não estava bem. “Sério?” Eles ressoaram pelos becos da internet, jornais e portais de opiniões, incrédulos com tamanha, espantem-se só: fragilidade humana.
Biles foi honesta consigo mesma, disse até onde podia ir fazendo o seu melhor, fazendo o seu possível e respeitou os seus limites mentais; aqueles que fingimos não existir porque não é uma perna quebrada, como observou um internauta mediante uma discussão sobre o assunto no Twitter. Dopando-nos sempre com analgésicos, calmantes, “alguma coisinha para dormir e amanhã eu estou bem”, repetimos diariamente enquanto seguramos a corda (que sabe Deus onde se prende).
A justificativa alastrou-se pelos meios de comunicação, nos Trends Topics do termômetro de assuntos mundiais mais relevantes, foi o tópico mais comentado do momento durante três dias pelo menos. A cada nova nota técnica da equipe de ginástica norte-americana, novas ondas de ‘ismos’, opiniões a favor, opiniões contra, críticas, deliberações e apontamentos sobre um assunto que não cabia a mais ninguém decidir e analisar a não ser a atleta, a ginasta, a lenda, tão humana e falha quanto todos nós: Simone Biles.
Debates efervesceram as redes a respeito dos treinos intensos, da pressão para ganhar, sobre a máquina de sucessos excruciante que são os métodos do sonho americano: todos válidos, e, no entanto, todos inúteis para o momento também.
Quem explica a fragilidade da mente humana? Anos e anos de vivência e terapia e ainda há os que possuem medo de morrer. Uma vida sem nunca expressar uma lágrima por alguém ou alguma coisa, e de repente, é uma melodia desconhecida que te faz chorar. Ninguém pode definir os limites mentais que rondam a nossa magnifica e misteriosa mente além de nós mesmo.
Não, não há absolutamente NADA de corajoso, glorioso ou heroico em desistir. Não há glória na derrota, não tem notas reconhecimento para aqueles que falham no teste mesmo depois de tentar, não se escutam palmas, honrarias ou homenagens para quem não sobe ao topo do pódio. As medalhas de ouro e os louros não enfeitam as cabeças daqueles que desistem no meio do caminho, que respeitam os seus limites e são honestos e fortes o suficiente para reconhecerem as suas fraquezas, mas elas também não residem nos caixões, nas noites sem dormir, nos remédios controlados e no silêncio profundo da depressão.
O fantasma que ninguém vê, mas que já assombrou uma esmagadora maioria de mentes humanas e solitárias ao longo da vida. E ainda assombra outra parcela silenciosa.
Índices mundiais levantados pela OMS e pela Organização Pan-Americana de Saúde, demonstram que pelo menos 300 milhões de pessoas sofrem com o transtorno mental mais silencioso da década. Em Maio de 2020, estudos levantados por especialistas e psicólogos da UERJ, mostrou que o aumento de quadros clínicos de depressão saltou de 4,2% para 8,0% ; enquanto quadros de ansiedade aumentou de 8,7% para 14,9% durante a pandemia da COVID-19.
E se dados recentes da Organização Mundial da Saúde, já indicam de forma alarmante que em menos de 20 anos a depressão será a doença mais comum a afetar pessoas de todo o mundo, incluindo as crianças, mais do que qualquer outro problema de saúde, como câncer ou diabetes, por que não começarmos a olhar para esse transtorno mental silencioso e solitário a partir de agora? Por que insistir em fingir que esse fantasma não nos assombra a cada ano como um sintoma da nossa sociedade adoecida e cada vez mais fragilizada mentalmente?
O episódio de Biles foi uma porta aberta para começarmos a encarar a situação da saúde mental da geração X, Y ou Z, de forma séria e honesta. Não somos a geração da fraqueza, ou a geração de cristal. Somos fortes e honestos o suficiente para respeitar os nossos próprios limites e entender que a palavra “empatia” também pode ser usada em primeira pessoa e deve. Ninguém quer ser exemplo de superação, muito menos exemplo de desistência, mas se pudermos pegar essa porta aberta nas Olímpiadas por Biles e usar ela como exemplo de chance de ouvir a nós e aos outros a respeito de suas fragilidades e limites, então, não vejo porque fechá-la ou diminuí-la.