O futebol feminino está mais competitivo… entre Europa e América do Norte

Pedro Paulo Batista Brandstetter
Estação WM
Published in
6 min readJul 16, 2022

O dia 6 de julho de 2022 marcou uma data especial no calendário do futebol feminino. Foi o dia que se iniciou a atual edição da Eurocopa Feminina da UEFA, aquela que promete ser a edição mais competitiva e assistida da história do torneio. Isso porque tradicionais contenders vêm dando cada vez mais espaço a seleções que antes eram consideradas underdogs. A Alemanha, maior campeã da lista disparada com 8 títulos, sobrava nas últimas Euros sem qualquer chance de disputa contra suas adversárias. Tudo isso mudou em 2017, quando a Holanda venceu a competição em casa em uma final contra a Dinamarca, que eliminou as alemãs já nas quartas-de-final. Era o fim de uma hegemonia no continente que durava desde 1995, com 6 títulos seguidos da Nationalelf.

Com a Alemanha fora do páreo, outras seleções europeias se desenvolveram nos últimos anos a partir do fortalecimento de suas ligas nacionais. A principal delas foi a Inglaterra, que tornou em menos de 8 anos a sua FA Women’s Super League a liga mais competitiva do mundo. O resultado da melhoria do time inglês é visível desde então: na Copa do Mundo de 2019, realizada na França, a Inglaterra ficou com um quarto lugar. Isso porque em 2015, no Canadá, as Lionesses conseguiram um inédito terceiro lugar. E na atual Euro, o massacre inglês por 8 a 0 na tradicional Noruega (a única até hoje a ganhar a Euro fora Alemanha e Holanda com dois títulos e a única do continente a ganhar a Copa do Mundo fora a Alemanha) em jogo válido pelo Grupo A, escancarou o novo status quo do futebol feminino na Europa: um futebol mais descentralizado, sem um poder hegemônico e mais imprevisível.

Juntam-se à Inglaterra as seleções da Holanda, Suécia (também tradicional), Espanha (movida principalmente pelo arcabouço hegemônico construído pelo Barcelona na Primera División — 7 jogadoras do time titular na última partida contra as alemãs eram do clube catalão), França e, é claro, Alemanha, como as superpotências do futebol europeu e mundial.

O outro polo de poder do futebol feminino mundial encontra-se na América do Norte. Os Estados Unidos são sabidamente a seleção mais bem-sucedida do planeta com 4 Copas do Mundo, e sempre são a seleção mais temerária e aquela considerada a mais forte a ser batida. Com dois títulos seguidos (2015 e 2019) e a construção de uma hegemonia no mundo, batendo todas as adversárias mais fortes pelo caminho, esse período parece estar finalmente chegando ao fim. A equipe está passando por uma renovação já que o time bicampeão mundial está envelhecido. O principal nome dessas conquistas, a ilustre meio-campo Megan Rapinoe, já está na casa dos 37 anos. A capitã Becky Sauerbrunn também. As duas ainda figuram nos selecionados americanos, mas Rapinoe, por exemplo, ainda não encontrou o caminho do gol nesta temporada, nem jogando pelo OL Reign (seu clube na NWSL) e nem pela seleção. A queda de rendimento não só das duas atletas, mas também de todo o selecionado é perceptível: em primeiro lugar, os EUA foram derrotados pelo Canadá (que conquistou seu primeiro título) nas Olimpíadas do ano passado; em segundo lugar, desde o ano passado as americanas venceram apenas quatro jogos contra seleções consideradas fortes — contra a França (em um amistoso) contra a Austrália (duas vezes, uma em um amistoso e outra nas Olimpíadas) e contra a Holanda (também nas Olimpíadas). Todos os outros resultados contra seleções fortes foram ou empates ou derrotas que incluíram, por exemplo, o humilhante 3 a 0 contra a Suécia pela primeira rodada da fase de grupos das Olimpíadas de 2020 (ou 2021). As americanas chegaram inclusive a empatar um jogo sem gols contra a fraca República Tcheca pela SheBelieves Cup desse ano. Elas farão agora no dia 19 de julho a grande final da CONCACAF Championship Women contra o Canadá para pôr à prova ou a confirmação de que a equipe precisa se renovar, ou de que as americanas ainda são capazes de ser hegemônicas mesmo com o passar da idade.

Fora do polo América do Norte-Europa, a situação é outra. A Ásia sempre foi um polo alternativo e competitivo nas Copas do Mundo que, com a chegada da Austrália na AFC, se consolidou como uma das potências do futebol. A China foi quarta colocada na Copa do Mundo de 1995 e vice-campeã para os EUA na Copa de 1999. O Japão conquistou o único título de Copa do Mundo feminino ou masculino fora do eixo América/Europa em 2011 batendo as americanas na final e ficando com o vice para as mesmas em 2015. A Austrália desde muitos anos é considerada como uma das melhores seleções fora desse eixo, mas desde o último vice do Japão na Copa do Mundo figura como a única seleção capaz de bater de frente com as novas (ou antigas) potências. A seleção japonesa ainda é competitiva, mas desde a renovação que a seleção passou com a aposentadoria de grandes atletas como Homare Sawa e Aya Miyama, a nova geração de jogadoras japonesas ainda não vingou. A China vem em uma crescente após a conquista da Copa da Ásia da AFC, mas viveu anos de ostracismo no que tange á Copa do Mundo.

O polo América do Sul encontra-se em uma situação mais tensa hoje do que há 15 anos atrás. As seleções sul-americanas se desenvolveram bastante e o fortalecimento dos campeonatos nacionais e da Libertadores ajudou nisso. O Campeonato Brasileiro ganha cada vez mais adeptos e espectadores, mas ainda está longe de ser uma das principais ligas do mundo. E isso se reflete no fato de que, apesar de seleções como Argentina, Colômbia e Chile terem melhorado nos últimos anos, seu desenvolvimento não acompanhou de perto o fortalecimento das seleções europeias e norte-americanas. O resultado disso é um atraso gigantesco do futebol sul-americano em relação aos outros três polos. O Brasil, única equipe que era capaz de bater de frente com as melhores do mundo até 10 anos atrás, vive um período incógnito e sem muitas perspectivas no futebol mundial feminino. Muito provavelmente vai conquistar a atual Copa América em curso na Colômbia (de todas as oito edições a seleção canarinho só não ganhou uma, em 2006, título este que ficou com a Argentina), já que o abismo entre as brasileiras e as demais ainda é grande. Mas a geração de 2007 que encantou o mundo com Marta, Cristiane, Formiga e Pretinha, que aplicou uma goleada histórica sobre os Estados Unidos por 4 a 0 com direito a um gol antológico de Marta, ficou no passado. A CBF apostou em técnicos ruins, pouco investimento para o futebol feminino nacional e um descaso sem precedentes com os clubes. Quando resolveu compensar o atraso e investir mais no campeonato nacional (porque viu que dava retorno em times como Corinthians, o recém-formado Palmeiras e até o São Paulo) e na seleção, contratando a histórica técnica sueca Pia Sundhage, o passado parecia ainda bater na porta e exigir suas compensações, como ficou demonstrado pelos recentes amistosos da seleção brasileira contra seleções mais fortes.

A África ainda é o continente mais atrasado em relação aos demais. Não só pelos males do colonialismo que colocaram décadas e décadas de futebol no país sobre um limbo, mas também porque a cultura ainda extremamente machista e tradicionalista de muitos países impede o desenvolvimento do futebol feminino. Soma-se a isso os pouquíssimos investimentos para a modalidade e um atraso no esporte que precisa ser compensado às pressas. A Nigéria, melhor seleção do continente e campeã de 11 das 13 edições da Copa Africana de Nações, ainda está longe de poder fazer bonito em uma Copa do Mundo, mas é a que mais apresenta condições para tal. E, com 4 vagas para a Copa do ano que vem na Austrália-Nova Zelândia, a África pode mostrar melhor ao mundo o seu futebol feminino e tentar fugir das humilhações que por exemplo sofreram Costa do Marfim e Guiné Equatorial nas últimas Copas.

É claro que uma solução para essa disparidade entre polos passa obviamente por uma série de investimentos mais equitativos que deveriam ser feitos pelas diferentes confederações de futebol (incluindo a FIFA). Mas existe a necessidade também de que se promova nos países fora do eixo América do Norte/Europa uma cultura de preservação e incentivo do futebol feminino. O fortalecimento das ligas nacionais, como ocorreu e ocorre na Inglaterra, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Suécia e até Itália é um importante passo para que mais países possam ser inseridos na disputa por uma tão sonhada Copa do Mundo. No caso do Brasil, talvez demore um pouco ainda. Mas entender que o futebol feminino traz tanto retorno quanto o masculino e que é capaz de colocar 40 mil pessoas em uma final de Campeonato Paulista na Arena Corinthians ou 90 mil em uma quartas-de-final ou semi-final de UEFA Champions League no Camp Nou é importante não só para o desenvolvimento do selecionado nacional, mas também para diminuir o atual gap entre clubes que domina as duas modalidades.

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