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Estar Bem
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4 min readSep 30, 2019

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Fala que eu te escuto: como a comunicação não-violenta pode transformar o mundo em que vivemos?

Por Helena Faria

“As pessoas estão muito difíceis.”

Quem nunca proferiu essas palavras nos últimos tempos, que atire a primeira pedra. “Atire a primeira pedra”. Que forma mais esquisita de começar a falar sobre não-violência, não é verdade? É que a gente acostumou a esse esquema de discordar atirando pedra e assistindo o outro jogar pedra na gente também, numa conversa que vira guerra, sem trocas positivas e, principalmente, sem escuta. Finalizamos o duelo feridos, mas agarrados nas certezas cristalizadas que já trazíamos na bagagem. Afinal de contas, quem é que entra num diálogo disposto a deixar o próprio argumento pra trás? A resposta adequada deveria ser “todo mundo”.

Fruto do estudo do psicólogo americano Marshall Rosenberg, a comunicação não-violenta explora exatamente essa questão: em que momento a gente decidiu que a nossa verdade é mais importante do que qualquer outra coisa? Onde deixamos pra trás a compaixão natural que nos liga em profundidade com o outro, nos permite escutar suas necessidades, e transparecer as nossas próprias, para uma conversa de colaboração verdadeira?

O problema é que de uns milhares de anos pra cá nos tornamos violentos: para submeter o outro ao nosso poder acabamos violentando-o. E não me refiro aqui aos socos e pontapés que a gente vê por aí. Esses são exemplos extremos de violência física, resultado da violência passiva que se manifesta em gestos, discurso e até mesmo no silêncio que tenta de alguma forma dominar o outro: a comunicação violenta.

Por isso anda tão difícil discutir política, direitos humanos, o destino daquela viagem entre amigos. Por isso “o príncipe virou um chato”, como diria a nossa amiga Cássia Eller. A gente desaprendeu o verbo “escutar” (inclusive a nós mesmos) e colocou muito em prática o verbo “impor”, que é rígido e pouco construtivo pro universo em que estamos inseridos. Em moldes saudáveis, a comunicação se nutre exatamente do que a imposição exclui: a sensibilidade de cada indivíduo, a colaboração e a empatia. Os modelos de dominação nunca estiveram tão defasados. Basta olhar ao seu redor: relações de trabalho cada vez mais horizontais, baseadas em co-criação, espaços de diálogo amplos e abertos. Por que, mesmo com tantas evidências, insistimos em algo que nos desconecta tanto?

Minha sugestão para transformar isso é confiar, de verdade, no conflito. Diferente do que andam dizendo por aí, ele vale ouro! É nele que surge o processo de entendimento dos contextos que não são nossos, onde as inteligências se cruzam e potencializam qualquer “negócio”.

O caminho é abrir espaço para a conversa: sem julgamentos moralizadores, sem comparações desnecessárias, sem tentar achar atalhos para solucionar o problema. Pare um pouco, olhe de verdade para aquela pessoa com quem você quer conversar. Estabeleça uma conexão verdadeira, que considere seus sentimentos e suas necessidades.

Ouça.

É importante também entender sua posição de confiança: o que as pessoas comunicam diz respeito às sua crenças mais profundas, ainda que indiretamente. O que você sente com relação a isso faz parte de você, suas próprias crenças, e portanto é sua responsabilidade.

Desta forma conseguimos discernir opiniões de imposições e tornamos nossos julgamentos mais flexíveis, percebendo inclusive nas imperfeições (nossas e do outro) conexões entre as vivências, por mais diferentes que possam parecer em um primeiro momento. Para sistematizar a comunicação não-violenta, Marshall divide-a em 4 grandes componentes, que valem tanto na fala quanto na escuta:

1. Observação

Observe, livre de julgamentos, o que realmente aconteceu naquele momento. Baseie-se apenas em fatos.

Exemplo: “Meu colega fala em um tom elevado.”

2. Sentimento

A partir da observação, identifique e nomeie o que está sentindo (parece fácil mas exige treino!).

Exemplo: “Meu colega fala em um tom elevado e eu me sinto irritado com isso.”

3. Necessidades

Questione quais as suas necessidades não atendidas nesse processo, que nos fazem sentir desta maneira.

Exemplo: “Meu colega fala em um tom elevado e eu me sinto irritado com isso porque preciso de silêncio para me concentrar.”

4. Pedido.

Formule um pedido de ação concreto e positivo que ajude a atender esta necessidade.

Exemplo: “Percebo que você fala em um tom elevado e eu me sinto irritado com isso. Seria possível que falasse em um tom mais baixo durante o expediente?”

Resumindo:

Para comunicar-se de forma não-violenta é importante conectar-se com os sentimentos gerados pelo que foi observado, em mim e no outro, e quais são as necessidades não atendidas por trás daquele sentimento. Por fim, realizar o pedido que transforma observação, sentimento e necessidades em uma demanda clara e de fácil solução para o outro transforma a realidade de forma pacífica e enriquecedora para ambos lados.

É um exercício diário e requer paciência, mas tenho certeza que vai transformar a forma com que você se comunica com o mundo.

Vamos testar? :)

Minha sugestão pra continuar essa conversa é o TED da Özlem Cekic, que — sem spoiler — exemplifica tudo isso que foi dito até aqui de forma muito interessante.

Por que eu tomo café com pessoas que me mandam mensagens de ódio

Texto produzido pela Helena Faria, diretora de arte na POSSIBLE Brasil, resumindo um pouco da sua talk apresentada dentro do programa Estar Bem da POSSIBLE Brasil.

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