A Pixar e um contexto de trabalho

Ester Sabino
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5 min readFeb 26, 2018
Personagens de Toy Story 2

Ed Catmull, CEO da Pixar, relata no capítulo 4 do Livro Criatividade S.A. sobre os desafios de direcionamento da equipe do filme Toy Story 2. Ele apresenta o contexto da equipe e as incertezas de condução desta, que não conseguia chegar a um resultado que tornasse o filme, Toy Story 2, um diferencial.

Ed mostra ao decorrer da narrativa que confiar apenas nas habilidades já conhecidas das pessoas em um contexto não garante a aptidão e bom resultado em outro contexto. É importante considerar o talento, ou seja, a habilidade nata com domínio de técnica e experiência além de aliar isso ao ambiente onde a pessoa estará envolvida.

“É fácil dizer que você quer pessoas talentosas, mas a maneira pela qual elas interagem umas com as outras é o segredo. Até mesmo as pessoas mais inteligentes podem formar uma equipe ineficaz se forem incompatíveis. Isso significa que é melhor se concentrar em como uma equipe está se desempenhando, e não nos talentos dos seus membros. Uma boa equipe é feita de pessoas que se complementam umas às outras. (…) Conseguir as pessoas e a química certas é mais importante do que conseguir a ideia certa.”

(Ed Camull, Criatividade S.A. 2014)

Antes desta afirmativa, Ed relata algumas percepções da entrega emocional que as pessoas envolvidas no projeto demonstraram. Passado a tarefa de estruturação de uma equipe harmônica, está a certeza que eles chegariam a um bom resultado. Porém o processo para chegar a este resultado consistia em muitas nuâncias e entregas que são características próprias de uma equipe bem alinhada e comprometida — com o processo e, consequentemente com o resultado. Todas estas percepções e contextos da experiência da construção da equipe e do andar do projeto do Toy Story 2 facilmente faz ligação a conceitos muito difundidos hoje em empresas que adotam a inovação como premissa: a centralidade do usuário.

A Ideo, uma empresa internacional de design e inovação, em seu toolkit de Design Social, afirma que “projetar soluções inovadoras e relevantes, e que atendam às necessidades das pessoas, começa com o entendimento de suas necessidades, expectativas e aspirações para o futuro”. Em um contexto empresarial, trazendo para o contexto da Pixar, por exemplo, vale considerar o usuário não só o consumidor final do produto, mas também aqueles atores que estão envolvidos na construção do projeto. Fica claro durante o livro que a empresa se constrói não na necessidade de resolver um problema inédito da sociedade, mas de explorar o potencial da animação gráfica de forma criativa. Isso não se dá com artifícios, equipamentos e pessoas certas o tempo todo, mas com ideais em comum — pessoais e profissionais. Com estas prerrogativas, a capacidade de se chegar mais perto de um resultado de sucesso é mais certeira — todos certos das habilidades envolvidas, com o entendimento delas, ciente da construção da equipe, torna-se mais fácil a adptação a um contexto e, consequentemente, a chegada às metas.

Tiago Petroni Taveira publicou um artigo no blog da Escola de Design Echo onde apresenta um argumento acerca da importância da evolução de uma cultura da Inovação em negócios, o que podemos considerar como um ponto-chave da mudança de perspectiva que Ed passa a ter ao passar pela experiência de construir uma equipe “errada”: a importância da consciência de seu contexto e a existência de idiossincrasias do ambiente e, principalmente, das pessoas. O texto afirma que o entendimento da liderança sobre a importância das forças consideradas invisíveis é que ditam a forma como as pessoas e a organização como um todo conseguem entregar — ou não — valor. O artigo ainda discorre sobre a importância das capacidades de adaptação de uma empresa, “poderão evoluir, mas deverão possuir e desenvolver a inteligência organizacional necessária para se adaptarem a um contexto, como dito, cada vez mais complexo” (Taveira, 2017).

Lettering não é um talento meu, hehe :)

No Livro Psicologia da Criatividade (2007), livro este que eu vou citar muito por aqui, no capítulo que trata sobre o ambiente e sua influência, Todd Lubart comenta que as pessoas mais familiarizadas com o verdadeiro contexto do trabalho e de seus problemas, são as que possivelmente terão as ideias mais frutíferas. No mesmo capítulo ele também afirma que “os valores transmitidos pelo ambiente cultural estimulam ou refreiam a atividade criativa conforme a importância dada ao indivíduo ou à coletividade”( Lubart, 2007, pg.85).

A partir destes aspectos, é importante lembrar que Ed, como já comentado, chega a conclusão que o foco deve ser nas pessoas “é o foco nas pessoas — seus hábitos de trabalho, talentos, valores– que é absolutamente central para qualquer empreendimento criativo”, e a partir desta perspectiva passou a se preocupar em construir um ambiente, ou seja, um contexto de trabalho onde a pessoa é o centro desta construção. “Olhando em torno, percebi que tínhamos algumas tradições que não punham as pessoas em primeiro lugar.” Ao adotar esta postura, percebendo a importância de encontrar, desenvolver e apoiar boas pessoas que quando encaixadas no contexto certo (onde o ambiente é favorável) consequentemente a o resultado será o esperado, ou seja, elas irão descobrir, desenvolver e possuir boas ideias.

Deste modo, podemos considerar que mal resultado, ainda que seja claro que as pessoas envolvidas e suas habilidades — ou falta delas- foram fatores decisivos para o resultado desastroso, não se deve desmerecer por completo as pessoas, pois podemos considerar que elas não estavam encaixadas no contexto certo para exercer de modo eficaz um trabalho criativo.

Se pararmos pra pensar bem, é assim mesmo que acontece né? Até em contextos de trabalho simples.

Acréscimos: Legal pensar que Toy Story 2 se constrói na superação das diferenças, que leva todos os personagens a trabalharem em equipe para alcançar o que desejam, né? É a ficção imitando a realidade!

Referências

CATMULL, Ed; WALLACE, Emy. Criatividade s.a.. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2014.ESCOLA DE DESIGN THINKING ECHOS.

Evoluir ou morrer: o papel da cultura de inovação na sobrevivência dos negócios. Disponível em: <http://escoladesignthinking.echos.cc/blog/2017/02/evoluir-ou-morrer-o-papel-da-cultura-de-inovacao-na-sobrevivencia-dos-negocios/>. Acesso em: 25 Fev. 2018.

IDEO. Toolkit design de serviço. Disponível em: <https://hcd-connect-production.s3.amazonaws.com/toolkit/en/portuguese_download/ideo_hcd_toolkit_complete_portuguese.pdf>. Acesso em: 17 mai. 2017.

LUBART, Todd. Psicologia da criatividade. [S.L.]: Artmed, 2007.

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Ester Sabino
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