O Homem que Amava Caixas e o Silêncio

O silêncio na obra do autor Stephen M. King, o outro.

bh pereira
Esteves e a Metafísica
4 min readFeb 21, 2018

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O Homem que Amava Caixas — Stephen Michael King

Trabalho como livreiro desde o fim da faculdade. Uma profissão que aparenta um certo charme, mas que logo se dissipa na dura rotina do comércio de rua. Ainda assim tem suas vantagens óbvias, entre elas está o contato com obras que em algum momento tenham marcado minha existência, muitas vezes sem eu sequer lembrar. Dias atrás revirei as prateleiras do setor infantil e dei de cara com o Rei Bigodeira e a Sua Banheira.O que vi ali não foi um livro infantil sobre um monarca que não quer sair da sua própria banheira, o que vi foi um garoto da segunda série sentado no chão da biblioteca da escola contemplando as miniaturas que o rei colecionava com seu general de guerra.

Rei Bigodeira e Sua Banheira

Li O Homem que Amava Caixas aos seis anos, quando minha mãe, que na época trabalhava em uma famosa livraria da região sul, me presentou com aquele livrão azulado que, em minhas pequenas dimensões, eu folheava desajeitadamente. A história era bacana e o que mais me encantava eram os maravilhosos brinquedos que o pai fazia para o seu filho com os diversos tipos de caixa de papelão. Quase duas décadas depois, esse encanto praticamente esquecido se reavivou em mim ao me deparar com a capa azul do livro perspectivamente já não tão grande.

O Homem que Amava Caixas

No entanto, para a minha surpresa, a breve narrativa do livro já não me era a mesma. A alegre história do homem que se divertia criando coisas malucas com suas caixas, deu lugar a um conto sobre uma complicada relação pai e filho e a uma reflexão sobre a expressão dos sentimentos. E o que me deixou mais impressionado foi ter todas essas impressões lendo um livro infantil de poucas páginas das quais não continham mais do que uma frase.

Entendemos um pouco dessa obra — e de como ela expressa sentimentos tão abstratos com tão pouco — quando conhecemos um pouco da biografia do seu criador.

Stephen Michael King (já é meu Stephen King favorito) nasceu na Austrália e aos nove anos de idade foi perdendo parcialmente sua audição. De longa data o trabalho do autor e ilustrador parece buscar formas inventivas de transmitir ao leitor a sensação do silencio É o caso, por exemplo, do livro Folha, que conta a história de um menino que detestava pentear seu cabelo sem narrar uma palavra, trazendo apenas algumas onomatopeias.

Folha — Stephen Michael King

Em O Homem que Amava Caixas, o silêncio também é um elemento intrínseco. O próprio conflito se dá pela deficiência que o pai tem em expressar o amor que sente pelo filho. O homem, que é visto pelas pessoas a sua volta como um sujeito esquisito, descobre em suas adoradas caixas uma maneira alternativa de se expressar com seu filho. Na história a ideia de silêncio é constante, nas maravilhosas aquarelas que ilustram o livro, os personagens do pai e do filho são sempre representados com a boca fechada, enquanto as pessoas que caçoam do homem são desenhadas quase em sua totalidade com a boca aberta.

O cenário também contribui para o sentimento de quietude da obra. Pai e filho sempre aparecem em ambientes externos e o os traços do desenho simulam uma movimentação de ventania, o que nos remete a impressão de contemplação de paisagem, algo que combina com longas pausas silenciosas.

O Homem que Amava Caixas é um livro incrível que pode ser admirado em qualquer fase da vida. Sua mensagem é simples ao mesmo tempo que profunda, rende alguns minutos de reflexão frente as belas imagens que ilustram cada página. Suas poucas palavras trazem grande significado, além de um forte potencial nostálgico.

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