Celebration Tour: entenda as referências do show biográfico de Madonna

Apresentação no Rio virá recheada de menções aos clipes, shows, amigos e momentos marcantes da Rainha do Pop

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10 min readMay 1, 2024

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Demorou mais de 40 anos, mas finalmente Madonna olhou para o passado, reagrupou referências e encerrará a Celebration Tour em um grandioso espetáculo gratuito na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.

É bem possível que, enquanto escrevia o roteiro de sua cinebiografia (projeto que pretende também dirigir), Madonna tenha percebido o potencial de transportar tantas passagens marcantes em um show autobiográfico, uma oportunidade também de se despedir dos grandiosos espetáculos que se tornaram sua marca registrada.

Ícone de vigor físico e performances que desafiavam a gravidade sem sair do salto, Madonna também teve que encarar pela primeira vez as próprias limitações. Especialmente depois que a Madame X Tour (2019/2020) ficou mais marcada na mídia pelos cancelamentos de shows devido a uma lesão no joelho, e uma internação por infecção bacteriana atrasou os ensaios do novo show e quase tirou a veterana de vez dos palcos.

Dessa vez, a Material Girl prefere apostar na nostalgia e na narrativa ao invés das coreografias elaboradas e nos palcos mirabolantes que demonstrava até a Rebel Heart Tour (2015/2016). É nesse contexto que Bob The Drag Queen surge como um narrador e participante do show, para nos ajudar a situar em que década estamos e as transformações que aconteceram.

“When I was very young”, nunca apresentada antes em uma turnê, Nothing Really Matters não foi um grande hit do aclamado álbum Ray Of Light (1998), mas sempre figurou entre as preferidas dos fãs, com uma letra reflexiva que parece ter sido especialmente guardada para este momento.

“Nothing takes the past away like the future”, canta sozinha no palco envolta em fumaça, saindo de uma redoma de luzes que parece uma evolução da abertura da Drowned Tour (2001). Vestindo um quimono que faz referência ao próprio clipe da canção, Madonna parece estar em uma máquina do tempo, preparada para fazer uma viagem ao passado.

Fitas cassete e jornais impressos dão o tom de que fomos transportados para a Nova Iorque dos anos 80, onde a jovem Madonna chegou de táxi à Times Square com apenas 35 dólares no bolso e a imensa vontade de fazer uma carreira como dançarina. Everybody, a primeira música composta por ela, dá o clima da época, para aproveitar o momento e arriscar-se entre os dançarinos coloridos e diversos.

Acolhida pela comunidade artística, a jovem dançarina teve contato com Basquiat, Warhol e seu grande amigo Keith Haring, artistas que ajudaram a afinar seu olhar para criações pop desde cedo. Into the Groove, clássico do filme Procura-se Susan Desesperadamente, retrata de certa forma essa comunidade que moldaria sua visão de mundo, um momento em que os movimentos artísticos aconteciam nas ruas, nas festas e nos metrôs.

Membro do Rock and Roll Hall of Fame desde 2008, Madonna com a guitarra empunhada entoa Burn Up, que aparece em uma versão menos pop, relembrando os primeiros shows como vocalista de uma banda punk, quando ainda era muito influenciada por Debbie Harry. Aqui é a primeira vez que temos no palco a ‘outra Madonna’, uma representação mais jovem que aparecerá em momentos-chave, como uma conexão entre o passado e o presente.

A arte de Tamara de Lempicka ganha os telões e a tradicional cadeira entra em cena para uma clara referência ao icônico clipe de Open Your Heart, dirigido por Mondino em 1986, no qual ela interpretava uma dançarina burlesca. Aqui, a cantora desfila ingênua e empolgada, como uma associação das primeiras paixões, os primeiros fãs e o vigor da juventude.

Holiday, um dos maiores sucessos da cantora, finaliza o bloco em clima de festa, com referência ao imenso globo de espelhos da Girlie Show (1993) e trechos do clássico Disco I Want Your Love. A música vai ficando mais lenta à medida que os amigos vão deixando a pista, até Madonna ficar sozinha com um dançarino estirado no chão. Uma tempestade se aproxima, interrompendo o clima de festa dos anos 80.

Em tom mais sombrio, ouvimos versos de In This Life, canção do álbum Erotica (1992), em homenagem ao amigo Martin Burgoyne, uma das vítimas da AIDS.

“If I ran away, I’d never have the strength to go very far”. Sem mudar uma palavra da canção, o clássico oitentista Live To Tell se torna um lamento sobre a epidemia de HIV, com milhares de rostos, entre artistas e amigos da cantora, que morreram. Em um dos momentos mais bonitos e impactantes do espetáculo, Madonna sobrevoa entre os rostos em preto e branco, disposta a honrar suas histórias, como uma das primeiras cantoras a abraçar abertamente a comunidade LGBT quando o assunto ainda era um tabu.

O canto gregoriano de Virgin Mary da MDNA Tour (2012) ganha novamente os palcos, enquanto Madonna é preparada e conduzida para o carrossel profano em uma de suas canções mais polêmicas: Like a Prayer.

Se em 1989 as cruzes flamejantes causaram comoção e lhe custou o contrato com a Pepsi, em 2024 ela aparece mesclada com Unholy de Sam Smith, comprovando sua influência no pop atual. Act of Contrition encerra a performance de provocações religiosas, com uma breve homenagem à Prince, que participou da canção e do álbum. Um pequeno trecho de Linving for Love encerra o bloco.

“My name is Dita, I’ll be your mistress tonight.” O conceito da Girlie Show é revisitado, associando a sexualidade ao boxe. Afinal, ver dois homens trocando socos é socialmente mais aceitável do que vê-los de mãos dadas, um discurso que Madonna sempre reforçou ao longo dos anos. Com o alter ego Dita, Madonna traz de volta Erotica aos palcos, uma canção que não aparecia desde 2012 na MDNA Tour.

Os marcantes acordes de Papa Don’t Preach são executados com a mesma coreografia da Blond Ambition Tour (1990), um dos shows mais emblemáticos de Madonna. Na icônica cama com veludo vermelho, a antiga e a atual persona se entrelaçam, recriando a cena da masturbação que quase causou a prisão da cantora nos anos 90 e foi o ponto alto do documentário Na Cama com Madonna (1991).

Aos 65 e com uma camisola vermelha, Madonna entra e um turbilhão de corpos despidos em Justify My Love, outra polêmica marcante dos anos 90 ao ter o clipe proibido na programação da MTV pelas cenas eróticas. Dessa vez, inspirada pelas coreografias dos filmes clássicos que adora, Madonna finaliza a perfomance com o cover de Fever.

Hung Up, hit do sucesso Confessions (2006), ganha sua versão mais sensual, com Madonna vendada e cercada por mulheres. “El tiempo pasa lento y yo estoy rápida”, com trechos da rapper Tokischa, temos a veterana abraçando os novos tempos, com a mescla entre gêneros, onde mulheres aparecem de seios expostos e homens ostentam cabelos longos com salto alto.

Assim como na vida, os anos 90 terminam com uma reflexão pessoal com Bad Girl, outra canção nunca incluída antes nas turnês, agora compartilhada com uma de suas filhas ao piano. Madonna, um tanto arrependida pela vida de excessos e superficialidades, encontra uma fase mais calma, romântica e reflexiva.

Pela primeira vez, o clássico Vogue volta ao lugar que serviu de inspiração para a dança: os ballrooms dos anos 80, onde havia performances e desfiles da comunidade LGBT, que ganharam destaque novamente com RuPaul, a série Pose e o Renaissance de Beyoncé. Nas imagens, ao fundo, vemos figuras como Marsha P. Johnson e os protestos de Stonewall, lembrando que, apesar das celebrações, a comunidade sempre precisou lutar para resistir.

Vestida com uma armadura prateada criada pelo amigo Gaultier, que revisita o icônico corselet cônico dos anos 90, Madonna desfila e se torna uma jurada, assumindo seu posto como uma aliada e defensora da comunidade LGBT.

Como costumava acontecer, nem sempre as festas terminam bem e Madonna é levada e agredida por policiais, quando entoa seu hino pessoal, Human Nature, canção sobre liberdade de expressão que lançou após os ataques em Erotica. A cantora sempre disse em entrevistas que se tornou uma musa para si mesma nesta época e aqui a antiga Madonna aparece para salvá-la, dançando juntas a bela Crazy For You.

O mundo está em chamas. The Beast Within, vídeo criado em parceria com Steven Klein para a exposição Xtatic Process, retorna aos telões gigantes. Vestida como uma noiva escarlate por Lacroix, o vídeo mescla trechos do Apocalipse e simboliza uma nova fase da cantora: mais espiritualizada, politicamente engajada e defensora dos direitos sociais, em um mundo ainda marcado pela violência e conflitos globais.

Die Another Day ganha um clima de ritual de clã, ao relembrar a aproximação de Madonna com a Cabala nos anos 2000. O tema de 007 também marcou uma nova fase da videografia da cantora, mais sombria e violenta, muito associada com Guy Ritchie, seu marido na época. “I’m gonna close my body now”, sintetiza esse momento de formação de família, reinvenção de imagem e um afastamento dos escândalos sexuais.

Outra música que se tornou um hino pessoal de Madonna ganha os palcos com o clima country de Don’t Tell Me, com o visual estereotipado que marcou a era Music (2000), uma das fases mais populares da cantora nos anos 2000.

Mother and Father, do polêmico American Life (2003) ganha uma versão mais acústica, abordando a relação com os pais e a vontade de formar a própria família. “I got to give it up. Find someone to love me”, canta enquanto nos telões vemos fotos de sua mãe falecida quando Madonna ainda era criança (fato que marcaria para sempre sua vida) e da mãe do filho David Banda, adotado em 2006.

La Isla Bonita, uma das canções preferidas da cantora, indica um momento de leveza para o futuro, um espaço onde poderia desfrutar bons momentos com sua família. A latinidade sempre fascinou Madonna, que abraçou várias influências ao longo da carreira, tanto nos visuais quanto nas danças. Don’t Cry For Me Argentina, do musical Evita (1996) em que ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz, aqui ganha um clamor de resistência política, especialmente quando uma onda conservadora assombra novamente o mundo.

“Eu sou feita de futuro”. Um dos últimos interlúdios do show mostra a relação de Madonna com a mídia ao longo das décadas, ora sendo criticada, ora sendo ovacionada. Vestida com um macacão brilhante da Versace, a cantora está pronta para entrar em uma nova era com Bedtime Story, canção composta por Bjork.

Nunca antes performada ao vivo nas turnês, a viagem surrealista do incrível clipe de 1994 é atualizada para a era do metaverso, dos avatares e da Inteligência Artificial, com Madonna sobre um enorme cubo tecnológico, onde vemos sua imagem mesclada com outros elementos digitais.

Sobrevoando o show de luzes psicodélicas, a rave de Ray of Light é uma mensagem de esperança e inclusão no futuro. Já a despedida do palco normalmente é mais reflexiva, alternando entre as baladas Rain e Take a Bow, com Madonna sendo abraçada por uma figura encapuzada, como se fosse seu retiro dos palcos (e da vida?), um tanto abrupto e repentino.

O último interlúdio recria digitalmente um feat que nunca tivemos: Rei e Rainha do Pop dançando juntos. Nas fotos, alguns dos poucos encontros de Madonna com Michael ao medley de Like a Virgin com Billie Jean.

Vestida de santa, Madonna encerra o show como um ícone imortal que se tornou, uma figura que resiste ao tempo e abraça diferentes personas. Bitch I’m Madonna é a sátira do próprio ícone, cercada por looks icônicos de várias eras, sempre marcando as mudanças que aconteceram nesses últimos 40 anos. Celebration, tema da coletânea de 2009 encerra o show em clima de festa, com Madonna na formação do palco que lembra sua primeira aparição no bolo de casamento no VMA.

Dos primeiros dias em Nova Iorque até se tornar a maior vendedora de discos do mundo, Celebration Tour abrange várias referências, momentos icônicos e artistas que contribuíram para a construção de uma carreira ímpar na música pop.

Para os fãs também é uma chance de ver muitas das músicas pela primeira vez em turnê e, principalmente, o reconhecimento de eras que nem sempre foram bem compreendidas em suas épocas, como Erotica, um dos melhores trabalhos de Madonna que sempre figurou como um fracasso comercial e foi avacalhado pela mídia na época.

Não é apenas uma turnê de grandes sucessos: Express Yourself, 4 Minutes, Music e Material Girl, são alguns hits que sequer aparecem, enquanto músicas de trabalhos menos comerciais, como Erotica, Bedtime Stories e American Life ganham os palcos. É realmente um musical sobre a vida e o legado de Madonna, talvez uma despedida das grandes turnês mundiais com um toque de controvérsia e glamour, uma combinação que a cantora vem temperando há mais de 40 décadas como nenhuma outra.

📸 Reprodução: wikimedia.org | Kevin Mazur GettyImages

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Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️