‘Luca’ é LGBT? Animação da Pixar celebra os excluídos

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5 min readJul 10, 2021

Numa época em que a Velma, aquela da turma do Scooby-Doo, saiu do armário, Bob Esponja é assexuado e o debate sobre a diversidade sexual ganha até as manchetes políticas, com um possível candidato à presidência dizendo abertamente ‘sou gay’ em rede nacional, a nova animação da Pixar, distribuída pelo Disney+ acendeu uma discussão: seria Luca (2021), afinal, uma alegoria sobre a vivência LGBTQIA+ para as novas gerações?

⚠ O texto está recheado de spoilers!

Celebração dos excluídos, em tom de férias

Por ter sido lançando no mês das celebrações do orgulho LGBTQIA+, houve muitos críticos e espectadores que fizessem a associação direta da temática com a animação, que chegou a ser comparada com o drama Me Chame pelo Seu Nome (2017), indicado ao Oscar, que aborta um romance homossexual durante as férias de verão na Itália. Fora os cenários coloridos, porém, há pouca ligação entre as histórias.

Luca tem aquele clima nostálgico de filme de férias, que assistíamos em turma de amigos nos cinemas. Na trama, seres marinhos vivem escondidos próximos à uma fictícia vila italiana, Portorosso. Luca, entretanto, sente uma crescente atração pela vida fora d’água e ao conhecer Alberto, outro ser do marinho, começam as explorar as possibilidades e sonhos de conhecer o mundo montados em uma Vespa. Para isso, disfarçados de humanos, os dois tentam se adaptar à rotina humana.

Perto das outras animações da Pixar que apresentam roteiros e mensagens bem complexas, como Divertidamente (2015), Soul (2020) ou até Wall-e (2008), Luca é menos ousado na narrativa, mas ganha força justamente pela aparente simplicidade. Apesar de alguns críticos já o considerarem como um filme de menos impacto do estúdio, por baixo de uma história simples, com várias passagens cômicas, há uma uma subtrama do grupo dos ‘excluídos’, que pode tocar especialmente quem faz parte de grupos minorizados, em especial os LGBTQIA+.

Apesar de não haver explicitamente uma cena ou frase sobre a orientação sexual das crianças (Damares respira aliviada 😆), muitas situações na animação podem ser entendidas como alusões sobre o enfrentamento do preconceito, autoaceitação e a união de pessoas que sentem-se excluídas. Especialmente para quem já vivenciou situações muito parecidas, mesmo singelas cenas e gestos já podem ganhar novos contornos e interpretações.

Ao mesmo tempo em que foi ensinado pelos pais a sentir um real pavor do mundo humano, Luca não consegue ignorar a atração crescente que sente pelos objetos que naufragam ao seu redor ou deixar de imaginar como seria ‘fazer a transição’ para o exterior. Assim como na minha animação preferida da infância, A Pequena Sereia (1989), apesar de todas as belezas do mar, Luca sente que colecionar objetos humanos o aproxima da sua verdadeira essência.

Como ele, não são poucas as pessoas LGBTQIA+ que vivência uma rotina como um ‘peixe fora d’água’ e, apesar do medo, começam a colecionar momentos secretos e fantasiar uma outra realidade, em que poderiam vive-las em plenitude. Assim como Luca, quantas crianças ou adolescentes LGBTQIA+ também não têm que superar os próprios medos, questionar convenções e até se disfarçarem para serem aceitos socialmente?

Quando descobrem que filho tem contato com a superfície, inclusive, a primeira reação dos pais é chamar um tio para leva-lo para as profundezas, fora da vista da comunidade (já que os pais parecem se importar excessivamente com a comparação e avaliação dos vizinhos) e longe da ‘má influência’, como se aquela vontade de conhecer o outro mundo fosse só uma fase, algo passageiro. Uma situação que, infelizmente, ainda presenciamos em inúmeras vivências LGBTQIA+ de lares sem diálogo, que são levadas para ‘profundezas’ de religiões opressoras, relacionamentos de fachadas ou afastados das ‘más companhias’.

Por sorte, Luca consegue a ajuda de Alberto para fugir para a vila dos humanos e há várias situações cômicas sobre os garotos tentando se encaixar nessa nova normalidade e, com a contribuição da garota Giulia, formam o time dos excluídos. A adaptação, entretanto, nem sempre é simples, e há um grupo de garotos populares que insistem em humilhá-los e agredi-los em todas as oportunidades, outra situação bem comum na vivência LGBTQIA+.

Até que se aceitem de verdade, porém, Luca e Alberto não se encaixam. Seja dentro do mar, onde o ambiente opressor nega até suas fantasias, seja na vila humana, onde muitos os consideram estranhos. Uma sensação que muitas pessoas ainda passam diariamente, seja dentro de casa, no trabalho, nas escolas e, assim como na animação, só encontra suporte entre amigos (muitas vezes também excluídos), com quem conseguem compartilhar e se abrir.

É curioso observar que, nesse sentido, os dois protagonistas têm posturas bem diferentes: enquanto Luca é temoroso e prefere evitar confrontos, Alberto é questionador e mantem uma postura de confronto, mesmo quando não tem certeza sobre a situação. Depois, inclusive, descobrimos que a liberdade e independência de Alberto, na verdade, são resultantes do abandono da família, que fez com que ele tivesse que assumir uma postura mais madura para se cuidar sozinho e não ceder aos próprios medos.

Por fim, o grande vilão de Luca é mesmo o medo da diferença, que causa agressões, isolamento e preconceitos enraizados. Medo que aparece nos dois lados, tanto dos seres marinhos que praguejam contra os humanos, quanto o pavor dos humanos que caçam os seres marinhos em nome das tradições. Em nome da tradição e das aparências, os dois lados se odiavam, mesmo que por baixo dos panos houvesse o contato constante entre eles.

Apesar de temas sérios, Luca nunca chega a ser pesado e há uma mensagem positiva no final, em que as diferenças são superadas, comprovando que o bom convívio é possível. A frase da avó de Luca, talvez seja a mais reconfortante, ao dizer que “algumas pessoas jamais irão aceitar, mas algumas vão”, reforçando que mesmo nos ambientes mais opressores sempre haverá outros ‘excluídos’ para se aliar.

Apesar do diretor da animação, Enrico Casarosa, negar a temática da orientação sexual na animação, a sensação que fica é que Luca aborda a autoaceitação, em diferentes contextos. Para quem é LGBTQIA+, talvez, a identificação e emoção sejam ainda maiores, mas para quem não quiser interpretar a história com esse viés, continua extraindo uma lição sobre amizade, empatia e superação dos preconceitos. Assim, Luca é LGBTQIA+, se você sentir que é.

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Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️